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Seção I – Disposições Gerais

art. 369 a 380
Comentado por André Tisi
11 mar 2024
Atualizado em 12 mar 2024

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Na medida em que a prestação jurisdicional tem por objetivo a busca da verdade (ou da quase verdade, porquanto a doutrina entende que a verdade absoluta é utópica), é garantido às partes litigantes e àqueles que participam do processo a produção de toda e qualquer prova, observados os limites descritos neste artigo.

Ou seja, não existe um rol taxativo de tipos ou meios probatórios, não obstante o CPC/15 mencione alguns meios probatórios (vide artigos 139, III, 389, 403, 412, 449, 471 e 481), podendo os sujeitos do processo lançar mão de qualquer prova, nos limites da lei.

Ao produzirem as provas, os sujeitos do processo devem ter como objetivo o convencimento do juiz (art. 371 do CPC/15), sendo possível, inclusive, que o próprio julgador, a fim de formar o seu convencimento, determine de ofício a produção de provas (art. 370, CPC/15).

De outro lado, é inadmissível que o juiz indefira a produção de alguma prova requerida pelo sujeito do processo sob o argumento de já estar devidamente convencido de determinado fato, na medida em que o destinatário da prova não é o juiz, mas o processo (NERY JR., 2018).

Daniel Assumpção Neves leciona que o direito à prova tem patamar constitucional, haja vista redundar das garantias do devido processo legal e do contraditório, consoante artigo 5º, LV, da CF (NEVES, 2016).

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

Conforme lição de Daniel Assumpção Neves, “juiz imparcial não é juiz neutro e tampouco desinteressado na qualidade da prestação jurisdicional”. (NEVES, 2016).

Por isso, a atividade do juiz deve ser ativa no sentido de buscar a verdade, tutelando o titular do direito material.

A proatividade do juiz visa, inclusive, privilegiar o princípio da igualdade das partes, mormente em processos em que se verifica a desigualdade das partes sob o aspecto técnico ou econômico.

Por fim, apenas fatos controvertidos que sejam pertinentes e relevantes devem ser objeto da produção probatória.

Na lição de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, “fato pertinente é o que diz respeito à causa, o que não lhe é estranho. Fato relevante é aquele que, sendo pertinente, é também capaz de influir na decisão da causa.” (NERY, 2018)

Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

nosso ordenamento adota o sistema da livre valoração motivada, chamado também de livre convencimento motivado ou, ainda, persuasão racional.

Fala-se em valoração motivada, pois, ao contrário da valoração íntima, o julgador deve explicitar os motivos que o levaram a tal julgamento. E deve fazê-lo segundo os fatos alegados e as provas produzidas nos autos.

Ainda dentro dessa liberdade, reforça-se a ausência de hierarquia entre as provas, competindo ao juiz sempre esclarecer os motivos pelos quais valorou determinada prova mais do que outra.

Um exemplo está na possibilidade de o juiz desconsiderar motivadamente o laudo pericial produzido no processo, conforme previsto no artigo 479 do CPC/15 (ver também REsp 1.095.668/RJ).

Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Trata-se da chamada prova emprestada que é viabilizada em atenção aos princípios da celeridade e da economia processual.

Há divergência na doutrina quanto à amplitude da admissibilidade da prova emprestada sob o enfoque do contraditório.

Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, somente é admitida a prova emprestada quando esta foi produzida originariamente tendo as mesmas partes do processo de destino participado do contraditório no processo de origem.

“A prova emprestada do processo realizado entre terceiros é res inter alios e não produz nenhum efeito senão para aquelas partes” (NERY, Princípios, n. 29. p. 281/283).

De outro lado, Daniel Assumpção Neves e Luiz Guilherme Marinoni defendem a admissibilidade da prova emprestada mesmo quando não há identidade das partes (NEVES, 2016; MARINONI, 2021), sendo esse também o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EREsp 617.428/SP).

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

§ 4º A convenção de que trata o § 3º pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Existem dois possíveis modelos de distribuição do ônus da prova: o sistema estático e o sistema dinâmico.

sistema estático é aquele em que a distribuição já está previamente estabelecida na lei.

O sistema dinâmico, por sua vez, permite ao julgador, diante do caso concreto, distribuir o ônus da prova de maneira diversa entre autor e réu, considerando a impossibilidade ou a excessiva dificuldade de quem tem o ônus, ou a maior facilidade de obtenção da prova de quem não tem o ônus previamente estabelecido pela lei.

Embora a jurisprudência já viesse aplicando o ônus dinâmico sob a égide do CPC/73 (STJ, AgRg no AREsp 216.315/RS), o art. 373 do CPC/15 passou a admitir expressamente o sistema dinâmico, conforme § 1º, de modo que o nosso sistema pode ser considerado como híbrido, tendo como regra geral a distribuição estática, prevista nos incisos I e II.

Assim, nos processos cíveis as partes já iniciam o processo sabendo de antemão de quem é o ônus probatório, exceto quando houver lei especial prevendo a distribuição diferenciada do ônus (inversão legal), como nos casos de relação de consumo, reguladas pelo CDC (vide artigos 12, § 3º, 14, § 4º e 38 do CDC), ou quando o juiz, diante das postulações trazidas pelas partes, resolver distribuir de maneira diversa o ônus probatório (inversão judicial).

Muito se discute na doutrina sobre o momento em que deve ocorrer a inversão judicial do ônus da prova, haja vista tratar-se de regra de julgamento, ou seja, é no momento de julgar a causa que o juiz analisará de forma objetiva quem se desincumbiu de seu ônus, formando, a partir das provas produzidas nos autos, o seu convencimento.

No entanto, o STJ possui entendimento firme de que a inversão do ônus da prova é regra de instrução, devendo ocorrer na fase de saneamento, de forma a oportunizar às partes se desincumbir de seu ônus (STJ, AgInt no AREsp 1.951.076/ES, REsp 1.286.273/SP, AgInt no AREsp 355.628/RO).

De fato, ao analisarmos a parte final do § 1º, (“…desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”), parece-nos acertado o entendimento do STJ.

Por fim, o § 4º trouxe uma interessante inovação, permitindo que as partes convencionem a distribuição do ônus da prova de maneira diversa antes mesmo de haver o litígio (em uma cláusula de um contrato, por exemplo).

Art. 374. Não dependem de prova os fatos:

I – notórios;
II – afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III – admitidos no processo como incontroversos;
IV – em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade.

É importante diferenciar o ônus de provar do ônus de alegar. Este artigo dispensa a prova sobre os fatos descritos em seus incisos. No entanto, não isenta a parte de alegá-los em juízo.

A notoriedade do fato não precisa ser absoluta, mas apenas relativa. Além disso, o fato notório é aquele “de conhecimento geral, tomando-se por base o homem médio, pertencente a uma coletividade ou a um círculo social” (NEVES, 2016).

O fato confessado tem por consequência a dispensa de outras provas e a presunção de veracidade. Assim, mesmo diante de um fato confessado, existe a possibilidade de o julgador, acaso não efetivamente convencido, não o considerar como verdadeiro.

Os fatos incontrovertidos são aqueles alegados por uma parte e não impugnados especificamente pela outra (arts. 336, 341 e 344 do CPC/15).

Por fim, a presunção pode ser relativa ou absoluta. A primeira admite prova em contrário, ao contrário da segunda. A revelia faz incidir sobre os fatos alegados pelo autor a presunção relativa.

Art. 375. O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.

Marinoni define as máximas de experiência como “juízos hipotéticos de conteúdo geral oriundos da experiência” (MARINONI, 2021).

As máximas de experiência podem ter natureza comum ou técnica. As máximas comuns derivam “daquilo que normalmente acontece em dada sociedade historicamente considerada” (MARINONI, 2021).

As máximas técnicas são aquelas que não exigem um “conhecimento técnico profundo sobre o tema” (NEVES, 2016), não devendo ser confundida com o conhecimento técnico profundo do julgador sobre determinada área científica.

Por exemplo, se um juiz for formado, também, em engenharia civil, em um caso que demande prova técnica específica sobre a área da engenharia civil, ele não poderá decidir tomando por base apenas seu conhecimento, devendo ser produzida a prova pericial.

Art. 376. A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o juiz determinar.

Embora vigente a máxima da mihi factum, dabo tibi ius (“dá-me os fatos que lhe darei o Direito”), no processo civil esta se aplica à legislação federal.

No tocante à legislação municipal, estadual, estrangeira ou ao direito consuetudinário, caso o juiz assim determine, a parte deverá provar o teor e a vigência.

No entanto, tal regra não se aplica à legislação municipal e estadual da localidade onde o juiz exerce jurisdição, na medida em que sobre estas ele deve ter conhecimento (STJ, REsp 98.377/DF).

Art. 377. A carta precatória, a carta rogatória e o auxílio direto suspenderão o julgamento da causa no caso previsto no art. 313, inciso V, alínea “b”, quando, tendo sido requeridos antes da decisão de saneamento, a prova neles solicitada for imprescindível.

Parágrafo único. A carta precatória e a carta rogatória não devolvidas no prazo ou concedidas sem efeito suspensivo poderão ser juntadas aos autos a qualquer momento.

Daniel Assumpção Neves faz interessante crítica quanto ao requisito de imprescindibilidade da prova a ser produzida por meio de carta precatória, rogatória ou de auxílio direto.

Isso porque, se a prova foi deferida, ela se mostra imprescindível para o deslinde do processo, do contrário deveria ser indeferida, nos termos do artigo 370, Parágrafo único, do CPC/15 (NEVES, 2016).

Marinoni também nos esclarece que, quando o Parágrafo único deste artigo admite a juntada aos autos “a qualquer momento”, este deve ser entendido “como o julgamento da última instância ordinária (isto é, normalmente, o julgamento que se faz em razão da interposição de apelação)”, pois as instâncias superiores não têm a atribuição de reapreciar questões de fato, sobre as quais recaem a atividade probatória (MARINONI, 2021).

Art. 378. Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

previsão deste artigo decorre do princípio da cooperação previsto no artigo 6º do CPC/15. É válida não apenas para aqueles que participam do processo, mas também para terceiros.

Por exemplo, quando alguma prova documental está em posse de terceiros e essa se mostra imprescindível à solução do litígio, o juiz intimará o terceiro para apresentação do documento, sob pena de aplicação de medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias (arts. 139, IV, e 380, parágrafo único, do CPC/15).

O dever de cooperação também impõe às partes o dever de falar a verdade (art. 77, I, do CPC/15), o que, infelizmente, é algo difícil de se constatar na prática processual.

Para isso, o juiz deveria aplicar as sanções previstas no artigo 80, II, do CPC/15, ante a litigância de má-fé, o que raramente ocorre.

Art. 379. Preservado o direito de não produzir prova contra si própria, incumbe à parte:

I – comparecer em juízo, respondendo ao que lhe for interrogado;
II – colaborar com o juízo na realização de inspeção judicial que for considerada necessária;
III – praticar o ato que lhe for determinado.

O direito de não produzir prova contra si referido na parte inicial do artigo se aplica às exceções específicas previstas no CPC/15, tais como os artigos 388, 404 e 448.

Vale salientar que a regra geral no processo civil é a colaboração, conforme previsto nos artigos 6º e 77, I, do CPC/15.

Sobre o tema, o Enunciado 51 do Fórum Permanente de Processualistas Civis assim dispõe:

A compatibilização do disposto nesses artigos c/c o art. 5º, LXIII, da CF/88, assegura à parte, exclusivamente, o direito de não produzir prova contra si em razão de reflexos no ambiente penal”.

Art. 380. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa:

I – informar ao juiz os fatos e as circunstâncias de que tenha conhecimento;
II – exibir coisa ou documento que esteja em seu poder.

Parágrafo único. Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias.

A previsão deste artigo decorre do dever geral de colaboração, previsto nos artigos 6º e 378 do CPC/15.

Os deveres inseridos nos incisos I e II são exemplificativos, admitindo-se a colaboração por outros meios.

Nos casos previstos no artigo 404, além de outras hipóteses de sigilo, pode o juiz, havendo a possibilidade, determinar a exibição parcial do documento, somente naquilo que interessa ao processo.

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Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....

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