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Capítulo II – Da cooperação internacional

Art. 26 a 41
Comentado por André Tisi
14 ago 2023
Atualizado em 30 jan 2024

Seção I – Disposições Gerais

(art. 26 e 27)

Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:

I – o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
II – a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;
III – a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;
IV – a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;
V – a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.

§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.

§ 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.

§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.

§ 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica.

A cooperação jurídica internacional tem como pressuposto o necessário respeito ao devido processo legal por parte do Estado que está postulando a cooperação do Brasil (inciso I).

Seria contraditório, conforme lição de Nelson Nery Jr., o Brasil cooperar com um país que não respeita o princípio do devido processo legal; seria “implicitamente, rejeitá-lo, torná-lo letra morta, pois assim agindo, o Brasil estaria abrindo margem para a contestação do princípio dentro de seu próprio território” (NERY JR., 2018).

Outro ponto importante, conforme previsto no § 3º, é que não serão admitidos atos que violem a ordem pública e os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

 

Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:

I – citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;
II – colheita de provas e obtenção de informações;
III – homologação e cumprimento de decisão;
IV – concessão de medida judicial de urgência;
V – assistência jurídica internacional;
VI – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Como se observa do inciso VI deste artigo, o rol elencado é meramente exemplificativo, sendo permitida a cooperação para o cumprimento de qualquer ato, desde que este não seja vedado pela legislação brasileira (MARINONI, 2021).

A homologação de decisão estrangeira (inciso III) está regulamentada pelos artigos 960 a 965 do CPC/15.

Seção II – Do Auxílio Direto

(art. 28 a 34)

Art. 28. Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.

O auxílio direto somente será cabível caso o ato objeto do pedido de cooperação não necessite de prévia análise pelo Poder Judiciário brasileiro.

Nesses casos em que há a necessidade do juízo de delibação, os meios adequados são a carta rogatória e a homologação de decisão estrangeira.

Art. 29. A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido.

Nos termos do artigo 26, § 4º, a autoridade central, caso não tenha sido especificamente nomeada pelo tratado que regula a cooperação, será o Ministério da Justiça.

Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:

I – obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;
II – colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;
III – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Este artigo deve ser lido em conjunto com os artigos 27, 28 e 32, de modo que o auxílio direto será cabível para a adoção de qualquer medida judicial ou extrajudicial, desde que tal medida não exija o juízo de delibação.

 

Art. 31. A autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado.

O disposto neste artigo visa agilizar a comunicação relativa à cooperação internacional, pois tal comunicação não demanda a tramitação pela via diplomática.

Art. 32. No caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento.

Na mesma linha dos artigos 27, 28 e 30, este artigo reafirma a competência da autoridade central para a prática do auxílio direto, sem a necessidade de atuação do Poder Judiciário.

Art. 33. Recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada.

Parágrafo único. O Ministério Público requererá em juízo a medida solicitada quando for autoridade central.

Este artigo faz referência àqueles casos em que o ato objeto do auxílio direto demande a prestação jurisdicional. Neste caso, como a autoridade central (Ministério da Justiça) não possui capacidade postulatória, o pedido é encaminhado para a Advocacia-Geral da União para que sejam tomadas as medidas cabíveis.

Na hipótese de a autoridade central ser o Ministério Público, este poderá encaminhar o pedido judicialmente de maneira autônoma.

Art. 34. Compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional.

Em caso de pedido que auxílio direto que envolva diversas medidas, em foros diferentes, entende Daniel Assumpção Neves que “haverá foro concorrente, prestigiando-se o foro que concentrar a maioria das medidas a serem executadas” (NEVES, 2016).

Seção III – Da Carta Rogatória

(art. 35 e 36)

Art. 35. (Revogado).

Sem comentário.

Art. 36. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.

§ 1º A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.
§ 2º Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira.

No processamento da carta rogatória, embora a regra seja pelo respeito ao contraditório, excepcionalmente, havendo fundado risco de ineficácia da medida, a carta rogatória poderá ser cumprida em caráter provisório, antes da oitiva da parte contrária.

No exercício do contraditório, a parte não poderá discutir o mérito da decisão estrangeira, mas se restringirá à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para homologação da decisão estrangeira, conforme artigo 963 do CPC/15.

Seção IV – Disposições Comuns às Seções Anteriores

(art. 37 a 41)

Art. 37. O pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento.

 

Este artigo prevê o pedido de auxílio direto ativo, onde é o Estado brasileiro que está solicitando a outro país o pedido de cooperação. Neste caso, competirá à autoridade central, que é o Ministério da Justiça, caso não haja designação específica, efetuar o encaminhamento.

 

Art. 38. O pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de tradução para a língua oficial do Estado requerido.

A tradução de toda a documentação a ser encaminhada para o Estado requerido será providenciada pela parte interessada, que encaminhará essa documentação à autoridade central para simples encaminhamento.

Art. 39. O pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública.

O artigo 39 está de acordo com o artigo 17 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, que assim dispõe:

Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Discute-se no que consistira a ordem pública. Na lição de Nelson Nery Jr., o artigo se refere à ordem pública interna, seguindo a classificação do Código Bustamante (Decreto nº 18.871/29) de ordem pública interna e ordem pública internacional (NERY JR., 2018).

 

Art. 40. A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960 .

Quando o pedido de cooperação internacional não envolver atos simples, conforme artigos 27, 28 e 30 do CPC/15, os quais podem ser objeto de auxílio direto, os meios adequados para o processamento do pedido são por meio da ação de homologação de sentença estrangeira ou da carta rogatória.

A homologação de sentença estrangeira ocorre quando a decisão é definitiva, enquanto a carta rogatória visa dar cumprimento a decisões interlocutórias estrangeiras.

Art. 41. Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se ajuramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.

Parágrafo único. O disposto no caput não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento.

Conforme exceção prevista no parágrafo único deste artigo, caso o Estado estrangeiro que tenha formulado o pedido de cooperação internacional exija a autenticação da documentação oriunda do Estado brasileiro em pedidos de cooperação realizados por este, o Brasil poderá, pelo princípio da reciprocidade de tratamento, deixar de aplicar o caput.

 

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Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....

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