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Capítulo I – Da suspensão condicional da pena

Art. 696 a 709
Comentado por Fábio Chaim
6 dez 2023
Atualizado em 6 mar 2024

Art. 696. O juiz poderá suspender, por tempo não inferior a 2 (dois) nem superior a 6 (seis) anos, a execução das penas de reclusão e de detenção que não excedam a 2 (dois) anos, ou, por tempo não inferior a 1 (um) nem superior a 3 (três) anos, a execução da pena de prisão simples, desde que o sentenciado:

I – não haja sofrido, no País ou no estrangeiro, condenação irrecorrível por outro crime a pena privativa da liberdade, salvo o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal;14
II – os antecedentes e a personalidade do sentenciado, os motivos e as circunstâncias do crime autorizem a presunção de que não tornará a delinquir.

Parágrafo único. Processado o beneficiário por outro crime ou contravenção, considerar-se-á prorrogado o prazo da suspensão da pena até o julgamento definitivo.

Na suspensão condicional da pena, diferente da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/90), a ação penal é julgada, sendo proferida uma sentença de cunho condenatório e aplicada pena, cujo cumprimento é suspenso por um período de prova de 02 a 04 anos (01 a 03 anos para crimes com prisão simples), desde que preenchidas algumas condições e presentes os requisitos legais deste Capítulo e do Código Penal (arts. 77 a 82).

O chamado período de prova será prorrogado quando o acusado vier a ser processado por novo crime ou contravenção, não incluindo investigações em andamento.

O primeiro dos requisitos é a primariedade do beneficiado, referente a ausência de condenação (transitada em julgado) por outro crime. O texto é omisso com relação a contravenções penais, atos infracionais, bem como crimes que tenham sido objeto de reabilitação ou que tenham passado o prazo de 05 anos do cumprimento da pena (artigo 64, inciso I, do Código Penal).

O segundo requisito é altamente subjetivo, referente aos antecedentes, personalidade e contexto do crime, elementos a garantirem a não reincidência, caso concedido o benefício. 

Por fim, na hipótese de que seja cabível alguma pena restritiva de direitos, o benefício não poderá ser concedido (art. 77, inciso III, do Código Penal).

Art. 697. O juiz ou tribunal, na decisão que aplicar pena privativa da liberdade não superior a 2 (dois) anos, deverá pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda quer a denegue.

O dispositivo acaba sendo redundante, considerando o disposto, tanto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, quanto no artigo 315, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal, no que diz respeito a obrigatoriedade de que toda e qualquer decisão judicial seja fundamentada.

De qualquer maneira, o dispositivo reforça a necessidade de fundamentação específica na sentença, a respeito da concessão do benefício ou sua negativa, sendo sua ausência, consequentemente, violação a disposição expressa de lei federal (Código Penal), passível de ser abordado em Recurso Especial, desde que a matéria seja devidamente tratada em Recurso de Apelação e abordada no Acórdão (prequestionamento).

Art. 698. Concedida a suspensão, o juiz especificará as condições a que fica sujeito o condenado, pelo prazo previsto, começando este a correr da audiência em que se der conhecimento da sentença ao beneficiário e lhe for entregue documento similar ao descrito no art. 724.

§ 1 As condições serão adequadas ao delito e à personalidade do condenado.

§ 2 Poderão ser impostas, além das estabelecidas no art. 767, como normas de conduta e obrigações, as seguintes condições:

I – frequentar curso de habilitação profissional ou de instrução escolar;
II – prestar serviços em favor da comunidade;
III – atender aos encargos de família;
IV – submeter-se a tratamento de desintoxicação.

§ 3 O juiz poderá fixar, a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, outras condições além das especificadas na sentença e das referidas no parágrafo anterior, desde que as circunstâncias o aconselhem.

§ 4 A fiscalização do cumprimento das condições deverá ser regulada, nos Estados, Territórios e Distrito Federal, por normas supletivas e atribuída a serviço social penitenciário, patronato, conselho de comunidade ou entidades similares, inspecionadas pelo Conselho Penitenciário, pelo Ministério Público ou ambos, devendo o juiz da execução na comarca suprir, por ato, a falta das normas supletivas.

§ 5 O beneficiário deverá comparecer periodicamente à entidade fiscalizadora, para comprovar a observância das condições a que está sujeito, comunicando, também, a sua ocupação, os salários ou proventos de que vive, as economias que conseguiu realizar e as dificuldades materiais ou sociais que enfrenta.

§ 6 A entidade fiscalizadora deverá comunicar imediatamente ao órgão de inspeção, para os fins legais (arts. 730 e 731), qualquer fato capaz de acarretar a revogação do benefício, a prorrogação do prazo ou a modificação das condições.

§ 7 Se for permitido ao beneficiário mudar-se, será feita comunicação ao juiz e à entidade fiscalizadora do local da nova residência, aos quais deverá apresentar-se imediatamente.

O dispositivo prevê considerável margem para o aplicador da norma ao fixar as condições a serem cumpridas durante a suspensão condicional da pena, principalmente quando consideradas as regras adicionais do Código Penal (arts. 77 a 82). 

Na prática, tende a prevalecer a aplicação do benefício por um período de 02 anos, com a prestação de serviços comunitários durante o primeiro, dando vigência ao disposto no artigo 78, parágrafo 1º, do Código Penal.

No caso de representação da vítima, como Assistente de Acusação, é importante atentar que, muitas vezes, este dispositivo não é aplicado pelo magistrado e nem requerida a sua aplicação pelo Ministério Público, devendo a matéria ser mencionada em sede de alegações finais.

Outro ponto de destaque costuma ser o comparecimento periódico ao fórum para que o beneficiado justifique as suas atividades, bem como o fornecimento regular de certidões de distribuição e execução de feitos criminais, demonstrando ao agente fiscalizador a não reincidência. 

Por fim, o benefício costuma vir acompanhado da necessidade de autorização ou comunicação ao juiz quanto a ausência do condenado de seu domicílio, quando superior a um determinado número de dias. 

Art. 699. No caso de condenação pelo Tribunal do Júri, a suspensão condicional da pena competirá ao seu presidente.

Os crimes sujeitos ao rito do tribunal do júri tendem a possuir uma pena superior a 02 anos de prisão, sendo possível a aplicação deste benefício apenas em delitos relacionados com a instigação ao suicídio/automutilação, infanticídio e em algumas formas de aborto.

Nestes casos, no entanto, é importante se considerar que se trata de crimes dolosos contra a vida, sendo elevada a chance de que o aplicador da norma considere ausentes os requisitos subjetivos do benefício (motivos, contexto e circunstâncias do crime).

 

Art. 700. A suspensão não compreende a multa, as penas acessórias, os efeitos da condenação nem as custas.

No Código Penal Brasileiro existem tipos penais que preveem a aplicação de uma pena privativa de liberdade e/ou uma multa.

A suspensão condicional da execução da pena diz respeito exclusivamente a sanção corporal, motivo pelo qual a pena de multa, bem como as custas processuais e demais penas acessórias devem ser cumpridas normalmente.

Além disso, importante não confundir a pena de multa originalmente prevista no tipo penal com a prestação pecuniária enquanto pena restritiva de direitos, derivada da conversão da pena privativa de liberdade. No caso, se aplicada a conversão, não há que se falar em suspensão condicional da pena.

Art. 701. O juiz, ao conceder a suspensão, fixará, tendo em conta as condições econômicas ou profissionais do réu, o prazo para o pagamento, integral ou em prestações, das custas do processo e taxa penitenciária.

O pagamento de custas processuais é algo altamente criticável na esfera criminal. Sua aplicação costuma ser reservada a casos em que o acusado tenha constituído defensor particular, partindo de uma falaciosa premissa de que este possui condições, também, para arcar com as custas do processo.

Na realidade, os honorários advocatícios, na esfera criminal, muitas vezes são pagos com esforço familiar e por terceiros, não podendo ser usado para presumir que o condenado tenha condições econômicas de arcar com as custas do processo.

Ademais, condicionar o benefício ao pagamento das custas processuais, implica em sanção adicional ao condenado, gerando risco de sua revogação no caso de não pagamento, com o cumprimento da sanção original, ora suspensa.

Art. 702. Em caso de coautoria, a suspensão poderá ser concedida a uns e negada a outros réus.

Os requisitos e condições da suspensão condicional da execução da pena, previstos neste Capítulo e no Código Penal (arts. 77 a 82), são relacionados com elementos pessoais de cada acusado (conduta social, antecedentes, motivos e circunstâncias do crime), o que torna necessária a análise do cabimento do benefício de forma individualizada.

O dispositivo, consequentemente, acaba sendo redundante, apenas reafirmando aquilo que já poderia ser facilmente interpretado na norma original. A intenção do legislador foi, provavelmente, dirimir quaisquer dúvidas a respeito desta questão, evitando o ingresso de recursos com relação a este tema.

Art. 703. O juiz que conceder a suspensão lerá ao réu, em audiência, a sentença respectiva, e o advertirá das consequências de nova infração penal e da transgressão das obrigações impostas.

O dispositivo diz respeito a chamada audiência admonitória, em que as condições do benefício e as consequências para o seu descumprimento são transmitidas ao condenado.

No processo criminal são raras as situações, principalmente em crimes mais graves ou complexos, em que a audiência de instrução e julgamento resulte no oferecimento de alegações finais em forma oral e na prolação de sentença nesta mesma data.

Nesta hipótese, existe a possibilidade de não realização posterior da audiência admonitória, saindo o condenado já ciente da concessão do benefício e de suas condições.

Nas demais hipóteses, este ato processual se faz necessário.

Art. 704. Quando for concedida a suspensão pela superior instância, a esta caberá estabelecer-lhe as condições, podendo a audiência ser presidida por qualquer membro do tribunal ou câmara, pelo juiz do processo ou por outro designado pelo presidente do tribunal ou câmara.

A suspensão condicional da execução da pena possui regras previstas neste Capítulo e no Código Penal (arts. 77 a 82), motivo pelo qual a sua violação caracteriza negativa de vigência à Lei Federal, passível de ser sanada por Recurso Especial (art. 105, III, ´a´, da Constituição Federal) ou por meio de simples recurso de apelação.

Nestes casos, o Tribunal que reformar decisão de instância inferior, concedendo o benefício, deverá estabelecer as condições para o seu cumprimento.

A audiência admonitória, no entanto, poderá ser realizada normalmente pelo juízo das execuções penais.

Art. 705. Se, intimado pessoalmente ou por edital com prazo de 20 dias, o réu não comparecer à audiência a que se refere o art. 703, a suspensão ficará sem efeito e será executada imediatamente a pena, salvo prova de justo impedimento, caso em que será marcada nova audiência.

A audiência admonitória é requisito do benefício da suspensão condicional da execução da pena (art. 703), ou seja, o condenado que não compareça ao ato processual terá a sua pena original executada e cumprida normalmente.

Importante ressaltar, no entanto, a mudança no entendimento do STF quanto a execução provisória da pena, o que, evidentemente, inclui a suspensão de sua execução.

Neste caso, pendente recurso que impeça o trânsito em julgado da sentença, não há como se falar em cumprimento provisório, ainda que por meio da suspensão de sua execução e realização da audiência admonitória. 

Art. 706. A suspensão também ficará sem efeito se, em virtude de recurso, for aumentada a pena de modo que exclua a concessão do benefício.

Proferida sentença de primeira instância e concedido o benefício, existe a possibilidade de que o órgão acusador (ou seu Assistente), ingresse com recurso de apelação com intuito de majorar a pena ou de que seja reformada a sentença no que diz respeito a delitos que tenham sido objeto de absolvição.

Neste caso, uma vez reformada a sentença para uma pena superior a 02 anos de prisão, não será possível a suspensão de sua execução, devendo a reprimenda ser cumprida normalmente.

Art. 707. A suspensão será revogada se o beneficiário:

I – é condenado, por sentença irrecorrível, a pena privativa da liberdade;
II – frustra, embora solvente, o pagamento da multa, ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a suspensão, se o beneficiário deixa de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença, de observar proibições inerentes à pena acessória, ou é irrecorrivelmente condenado a pena que não seja privativa da liberdade; se não a revogar, deverá advertir o beneficiário, ou exacerbar as condições ou, ainda, prorrogar o período da suspensão até o máximo, se esse limite não foi o fixado.

A suspensão condicional da execução da pena sujeita o beneficiado a diversas regras e condições, que devem ser cumpridas no intuito de evitar a revogação do benefício e o cumprimento da pena originária.

A principal delas é a condenação por outro crime. Não se trata da reincidência durante o benefício, também causa de sua revogação, mas do trânsito em julgado de sentença condenatória por outro delito, ainda que anterior ao fato ou a concessão do benefício.

Processos criminais possuem ritmos próprios de tramitação, relacionados com a carga de trabalho do cartório em que tramitem, bem como pela maior facilidade/dificuldade de se localizar as partes, dilação probatória e realização de atos processuais, o que pode resultar no trânsito em julgado de condenação por fato anterior ao benefício, causa de sua revogação.

A segunda é o não pagamento da pena de multa, prevista de forma autônoma no tipo penal objeto da condenação, ou a reparação do dano. Este último aspecto é de elevada polêmica, pois são raros os casos em que o valor do dano é estabelecido na sentença condenatória ou perseguido pela vítima na esfera cível, bem como não é de se esperar que a vítima tenha disponibilidade para receber o seu agressor posteriormente, no intuito de que seja debatida a reparação do dano.

Ainda que fosse este o caso, sendo requisito legal da manutenção de um benefício, a representação legal da vítima poderia simplesmente pedir qualquer valor à título de reparação, com vaga fundamentação e razoabilidade.

Art. 708. Expirado o prazo de suspensão ou a prorrogação, sem que tenha ocorrido motivo de revogação, a pena privativa de liberdade será declarada extinta.

Parágrafo único. O juiz, quando julgar necessário, requisitará, antes do julgamento, nova folha de antecedentes do beneficiário.

Cumprido o período de prova estabelecido na sentença, sem que o benefício seja revogado, a pena privativa de liberdade será extinta.

Isto é importante para efeito do prazo de não consideração de reincidência (art. 64 do Código Penal), para a reabilitação criminal (art. 94 do Código Penal) e para remoção dos apontamentos de certidões e da folha de antecedentes (art. 202 da Lei 7.210/84).

Art. 709. A condenação será inscrita, com a nota de suspensão, em livros especiais do Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, averbando-se, mediante comunicação do juiz ou do tribunal, a revogação da suspensão ou a extinção da pena. Em caso de revogação, será feita a averbação definitiva no registro geral.

§ 1 Nos lugares onde não houver Instituto de Identificação e Estatística ou repartição congênere, o registro e a averbação serão feitos em livro próprio no juízo ou no tribunal.

§ 2 O registro será secreto, salvo para efeito de informações requisitadas por autoridade judiciária, no caso de novo processo.

§ 3 Não se aplicará o disposto no § 2, quando houver sido imposta ou resultar de condenação pena acessória consistente em interdição de direitos.

A existência de processos criminais em andamento costuma aparecer em websites jurídicos de busca, bem como em certidões de distribuição e execução criminal. A aplicação da suspensão condicional da execução da pena, considerando este dispositivo, deveria ser averbada de forma sigilosa, porém não é o que se observa na prática.

Cumprida a suspensão condicional da execução da pena e extinto o feito é fundamental que o beneficiado, por meio de seu representante legal, efetue as diligências necessárias para que a existência do feito não seja pública, protegendo o seu nome na vida em sociedade e, consequentemente, sua empregabilidade.

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Advogado (OAB/SP 318.248). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Pós-graduado em Direito...

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