O direito médico ou direito hospitalar é o ramo do direito que estabelece leis para regular as atividades dos profissionais e instituições de saúde. Ele se concentra nas pessoas e não se aplica à medicina veterinária.
Relativamente nova, essa área do direito médico tem crescido cada vez mais no Brasil por conta das demandas judiciais envolvendo a área da saúde, bem como as de âmbito administrativo. Assim, se mostra como uma oportunidade para quem busca especialização.
Neste texto, você vai conhecer mais sobre como funciona o direito médico, a atuação do advogado especialista e aspectos jurídicos da área. Além disso, compartilho dicas para quem busca se aprofundar no tema por meio de cursos e livros. Boa leitura! 😉
O que é o direito médico e direito hospitalar
O ramo do direito médico é relativamente novo, e surgiu com a necessidade de regulamentação de determinadas demandas. Inicialmente, as questões mais comuns eram relativas à erro médico ou de diagnóstico e situações em que o plano de saúde possuía alguma divergência com o paciente. Posteriormente, os litígios passaram a incluir os pedidos de medicamentos concedidos pelo governo e questões relativas aos hospitais.
Atualmente existe também o âmbito preventivo do direito médico, que diz respeito à qualificação dos profissionais da saúde, de modo a evitar a judicialização e eliminar as demandas, sejam elas judiciais ou extrajudiciais.
Ainda não existe uma cadeira específica de direito médico e hospitalar na maioria das universidades. Normalmente, é visto no direito civil, especialmente quando se fala em direito das obrigações e responsabilidade civil ou em contratos. Também podemos estudar um pouco no direito administrativo, quando se fala em saúde pública. Desta forma, é possível observar que o direito médico ou hospitalar é um ramo que abrange várias outras áreas do direito.
Princípios constitucionais que norteiam o direito médico
A Constituição Federal de 1988 trouxe um papel muito importante para o direito à saúde no Brasil. Isso porque passou a prever que o Estado tem a responsabilidade de promover o acesso para todos, sendo um direito universal que pertence aos brasileiros e estrangeiros, que assim necessitarem, podendo utilizar os serviços de saúde de forma gratuita, a fim de promover o seu direito. Nas palavras de Paulo Bonavides:
De nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse pois as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos. A mais alta das garantias de um ordenamento jurídico, em razão da superioridade hierárquica das regras da Constituição, perante as quais se curvam, tanto o legislador comum, como os titulares de qualquer dos Poderes, obrigados ao respeito e acabamento de direitos que a norma suprema protege”.
Os princípios constitucionais que norteiam o direito médico e da saúde estão positivados nos artigos 196 e 197:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”
Ou seja, tratam-se de direitos fundamentais sociais que possuem eficácia plena. Isso quer dizer que, caso seus efeitos não sejam produzidos por ação ou omissão do pode público, os pacientes têm legitimidade para exigirem a sua efetivação junto ao poder judiciário.
Leia também: O que é Erro Médico e seus tipos
Bioética e direito médico
A bioética é disciplina ainda mais recente dentro do direito médico e hospitalar. Surgiu com a necessidade social e profissional de solucionar lides que envolvam vida, morte, religião, tratamentos e qualidade de vida, no âmbito da ética médica.
Segundo a doutora em direito Tereza Rodrigues Vieira
O vocábulo bioética indica um conjunto de pesquisas e práticas pluridisciplinares, objetivando elucidar e solucionar questões éticas provocadas pelo avanço da tecnociências biomédicas. […]. Assim, seu estudo vai além da área médica, abarcando psicologia, direito, biologia, antropologia, sociologia, ecologia, teologia, filosofia, etc., observando as diversas culturas e valores. Esta pesquisa não tem fronteiras, dificultando, inclusive, uma definição, uma vez que os problemas são considerados sob vários prismas, na tentativa de harmonizar os melhores caminhos.”
Sendo assim, o estudo da bioética no direito médico serve para auxiliar profissionais e, muitas vezes, familiares de pacientes, a decidir qual o melhor caminho para o tratamento de determinado diagnóstico, de forma a ferir o mínimo possível os direitos básicos da pessoa humana e a ética médica no âmbito profissional.
Judicialização da saúde
A judicialização da saúde é um termo bastante em alta hoje em dia e usado para determinar a busca pelos direitos dos pacientes através da justiça.
Direitos como concessão de medicamentos, autorização de exames e procedimentos diagnósticos, cirurgias, entre outros, que eventualmente não forem concedidos aos pacientes, acabam sendo judicializados pois, como dito anteriormente, a saúde é um direito garantido pela Constituição e o Judiciário é a via de acesso à efetivação desses direitos.
Uma vez constatada a necessidade de judicialização do caso, é importante observar que a competência para julgar o litígio ainda é discutida. No entanto, em regra, as ações devem ser propostas no domicílio do paciente, que é equipada ao consumidor, portanto, hipossuficiente.
Polo passivo da ação
Em relação ao polo passivo da ação, deve ser analisada a responsabilidade, que pode ser:
- Solidária entre o médico e a instituição de saúde (inclusive plano de saúde);
- Objetiva ou subjetiva; ou
- Subsidiária.
É comum, ainda, que o Estado figure no polo passivo, por exemplo, quando o atendimento do paciente é feito pela rede pública de saúde. Nesse caso, há que se observar o art. 37, parágrafo 6o da Constituição Federal:
Art. 37, § 6o As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O dispositivo determina a responsabilidade objetiva dos agentes públicos no caso em que sejam causados danos a terceiros.
Diferentemente da responsabilidade do profissional da saúde, que tem natureza contratual. Nesse caso, só deve ser imputado ao profissional qualquer responsabilização, se ficar demonstrada qualquer modalidade de culpa: imperícia, imprudência ou negligência.
E, excepcionalmente, existe a responsabilidade extracontratual, que se apresenta especialmente quando o médico pratica um ilícito penal ou não observa as normas regulamentares da profissão.
Mais liberdade no dia a dia
O que faz o advogado especialista em direito médico
O exercício da medicina, diante de suas peculiaridades, é sempre passível de erro e dano a outrem. O risco é inerente à atividade médica e, por isso, deve ser fator de preocupação do profissional. Ocorre que, nas universidades, os acadêmicos não são bem instruídos sobre esses aspectos e formam-se sabendo o mínimo do Código de Ética Médica.
O profissional do direito médico surge, então, para auxiliar e levar conhecimento sobre direitos e obrigações tanto aos profissionais como aos pacientes.
Como dito anteriormente, existem diversos nichos dentro desta área. O advogado especialista em direito médico pode trabalhar para pacientes, para médicos, em prol dos planos de saúde ou hospitais, nos conselhos de medicina, enfermagem e demais profissionais da saúde, para associações médicas sem fins lucrativos, entre outras.
Abaixo, você confere as competências necessárias para a atuação em cada um destes cenários.
Competências para atuação no direito médico
Atuação a favor de pacientes
No caso do direto médico para pacientes, é importante ter conhecimento de direitos fundamentais. Isso porque as demandas podem surgir para resolver questões polêmicas, como aborto e transfusão de sangue em testemunhas de Jeová, ou outras mais comuns, como a necessidade de medicamentos a serem fornecidos pelo Estado.
Conhecer sobre relação de consumo também é essencial, já que muitos pacientes têm seus direitos violados pelos hospitais ou planos de saúde. E direito civil e penal, especialmente no que tange à responsabilidade civil e penal dos profissionais da saúde em eventuais erros médicos que possam ocorrer com os pacientes ou familiares.
Atuação a favor de médicos
O advogado que pretende atuar em favor dos médicos também deve conhecer das responsabilidades civis e penais dos profissionais, além de estudar a fundo o Código de Ética Médica e demais leis dos conselhos não só de medicina, mas das outras profissões ligadas à área da saúde.
Atuação em hospitais
Atuando em prol dos hospitais, o advogado especialista precisa entender da atuação do médico/profissional da saúde no hospital, se há contratação como funcionário do nosocômio ou prestação de serviços pontuais, por exemplo.
Assim, como na atuação em favor dos planos de saúde, é necessário estudar como funcionam os contratos médicos e a relação entre a instituição e os médicos e pacientes.
Atuação em conselhos de classe
O profissional que atua pelos conselhos de classe também deve se especializar em entender a legislação das profissões e ter imparcialidade. Afinal muitas vezes vai agir como “julgador” em casos de denúncia contra os profissionais, não podendo agir em prol dos mesmos se realmente for constatada alguma irregularidade.
Atuação administrativa
As demandas de direito médico não se restringem somente ao âmbito judicial. Existe uma carência de profissionais que atuam no âmbito administrativo também, já que questões como medicamentos a serem fornecidos pelo governo, leito e quarto em hospitais, negativas de planos de saúde, podem muitas vezes serem resolvidas de forma extrajudicial.
Especialização em direito médico
Como é uma área incomum, não existem muitos cursos de pós-graduação que abordem todo o conteúdo necessário.
A Faculdade Unyleya possui uma pós-graduação em Direito Médico e Hospitalar cuja grade curricular abrange as questões tributárias dos entes privados e associações sem fins lucrativos, o código de ética médico, as responsabilidades civis e penais dos profissionais da saúde, além dos fundamentos constitucionais do direito médico.
A OAB/MG, juntamente com a ESA – Escola Superior de Advocacia, possui um curso de extensão em Gestão e Direito da Saúde que abrange um pouco mais a saúde pública e a suplementar, a fiscalização sanitária no Brasil, os planos de saúde e as responsabilidades das empresas médicas.
Essas foram as especializações que eu fiz até o momento e me auxiliaram a entender um pouco mais desse universo que mescla o direito e a medicina.
Mas, além delas, os cursos de especialização das seguintes instituições:
Para escolher a melhor especialização, é importante conhecer a instituição, os professores e a grade curricular. Além disso, pesquisar sobre quais temas aquele curso vai tratar e se tais assuntos são os necessários para o advogado iniciar ou dar continuidade à carreira de direito médico.
Livros de direito médico
Aqui, indico materiais para quem se interessa ou deseja se especializar na área.
A considerada “bíblia” do direito médico é do livro do prof. Genival Veloso de França, que trata de diversos assuntos, inclusive os mais polêmicos, de forma clara e abrangente. googooPara os que desejam entender mais sobre o Código de Ética Médica, um livro comentado é o ideal e a sugestão é o “Comentários ao código de ética médica”, também do prof. Genival Veloso.
Especificamente sobre a responsabilidade civil do médico, indico a obra do dr. Miguel Kfouri Neto, que profere excelentes palestras sobre o tema.
E um livro interessante para quem, como eu, também atua no âmbito das relações de consumo é esse, que trata dos planos de saúde sob a ótica da proteção do consumidor.
Conclusão
Ao longo do texto busquei identificar os aspectos constitucionais que baseiam o direito médico, trazer a definição do que é direito médico e hospitalar e pontuar os principais nichos de exercício na área.
Nesse contexto, a judicialização da saúde é um tema atual e de relevância, já que cada vez mais os pacientes se veem perante a necessidade de demandar ao poder judiciário uma solução para os litígios. Já no âmbito dos profissionais da saúde, estudar a regulamentação e bioética é necessário para entender como funcionam as regras mais específicas do meio.
O direito médico é uma área em constante crescimento e com carência de bons profissionais em todos os nichos. Aos advogados que se identificam e pretendem atuar neste âmbito, a especialização é de extrema importância.
O estudo constante e acompanhamento de atualizações legislativas e jurisprudenciais também. Apesar de estar em voga há alguns anos, as demandas já existem há muito mais tempo, então os tribunais já têm importantes precedentes e jurisprudência sobre os temas mais relevantes.
Perguntas frequentes sobre o tema
O que é o direito médico?
É o ramo do direito que estabelece leis para regular as atividades dos profissionais e instituições de saúde.
O que é a judicialização da saúde?
O termo é usado para determinar a busca pelos direitos dos pacientes através da justiça. Afinal, a saúde é um direito garantido pela Constituição.
O que faz um advogado especialista em direito médico?
Auxilia e leva conhecimento sobre direitos e obrigações tanto aos profissionais como aos pacientes.
Quais são as competências para atuação no direito médico?
- Atuação a favor de pacientes
- Atuação a favor de médicos
- Atuação em hospitais
- Atuação em conselhos de classe
- Atuação administrativa
Mais conhecimento para você
Se você gostou desse texto e deseja seguir a leitura em temas sobre direito e advocacia, indico os seguintes conteúdos aqui do Portal da Aurum:
- Oratória para advogados: melhores dicas
- Advogado de sucesso: 3 boas práticas para desenvolver
- Análise econômica do direito: o que advogados precisam saber
- Sites jurídicos: os melhores para você se atualizar
- Termos jurídicos: glossário com as principais expressões
- Diferença entre negligência, imprudência e imperícia
- Ação de execução: requisitos, tipos e modelos exclusivos
- Conheça o salário-família e confira como recebê-lo!
- Confira o que mudou com o rol taxativo da ANS
- Glossário Jurídico: O que é “Quaestio juris?”
- Glossário Jurídico: O que é Dano patrimonial?
Assine grátis a Aurum News e receba uma dose semanal de conteúdo no seu e-mail! ✌️
Gostou do texto? Tem alguma dúvida sobre direito médico e hospitalar, ou pensa em se especializar na área? Compartilhe com a gente nos comentários abaixo!
Advogada (OAB 158955/MG) desde 2015, com escritório em Belo Horizonte/MG. Bacharela em Direito, pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário, pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Médico e Hospitalar, pela Faculdade Unyleya e pelo IPDMS. Pós...
Ler mais
Gostaria de mais informação
Olá, Carlos. Como vai? Nesta aba você encontra mais conteúdos sobre Direito Médico: https://www.aurum.com.br/blog/categoria/direito-medico/
Abraços!
Boa tarde,
gostaria de informações sobre como funciona uma “investigação” de um suposto erro médico, quando uma “queixa” é feita ao CRM ou CFM
Olá, Rosa, como vai?
Essa “investigação” no Conselho de Medicina é bem detalhada, mas vou te explicar de uma maneira breve, ok?
Quando é feita uma “queixa”/denúncia, o conselho vai analisar se há indícios de infração ética. Se não houver, o caso é arquivado. Mas se houver, ele vira um processo ético e passa por todas as fases como defesa do médico, oitava do médico, do denunciante, de testemunhas, até chegar à decisão. Dessa decisão cabe recurso ao CFM que também vai passar por algumas fases até a decisão final e aplicação da penalidade, se for o caso.
Excelente texto!