A responsabilidade civil, de maneira geral, é o instituto do direito que dispõe que todas as pessoas são obrigadas a responder pelos danos que eventualmente causarem a terceiros. É o que prevê o art. 927 do Código Civil, como uma forma de resguardar os interesses individuais no âmbito da coletividade.
Não é diferente quando se trata de profissionais da saúde, que também devem arcar com prejuízos causados no exercício da profissão, devendo ser apurada a culpa. Desse entendimento, vem a responsabilidade civil médica!
Segundo Genival Veloso França, nos anos 60, existia uma corrente contrária à responsabilidade médica por entender:
- que o diploma médico é uma prova inconteste de competência;
- que os Tribunais leigos não teriam capacidade cientifica para julgar os feitos médicos com precisão;
- que a medicina não é uma ciência exata e, por isso, possui variações pessoais e circunstanciais
Além disso, se acreditava que caso os médicos temessem as punições, isso poderia levar a uma inibição e se tornar um entrave ao progresso cientifico. Atualmente tais argumentos não possuem qualquer fundamento já que, não basta ter um diploma para que o médico esteja isento da possibilidade de falhar.
Ainda, a lei não demonstra ser um entrave ao progresso cientifico, pelo contrário, age como amparo e proteção. É possível afirmar que não existe outra atividade mais vulnerável que a medicina, sob o ponto de vista legal.
É comum que todo erro ou resultado diverso do esperado seja apontado como de culpa presumida do profissional que atuou. De fato, num hospital onde passam centenas de pacientes sempre haverá um risco, apesar de todos os cuidados.
Porém, a legislação vem proteger os pacientes de ações negligentes, exames superficiais, omissão de tratamento, descuido nos procedimentos, prescrições incorretas, abandono de pacientes, dentre outras que efetivamente causam um dano. E ao mesmo tempo, responsabilizar aquele que não age de forma condizente com a ética profissional.
Sendo assim, continue nos acompanhando neste artigo enquanto trataremos mais sobre a responsabilidade civil médica! 😉
O que é a responsabilidade civil médica?
A responsabilidade civil gira em torno de duas teorias: a objetiva e a subjetiva.
A teoria subjetiva tem como base a culpa, que é o elemento em torno do qual a ação ou omissão gera o resultado danoso. Ou seja, a culpa não é sinônimo de dano, ela só existirá se dela resultar um prejuízo.
No ordenamento jurídico há a figura do profissional liberal que é aquele que não possui subordinação e realiza atividade no exercício permanente de uma profissão relacionada com conhecimento técnico especializado, como o médico.
O Código de Defesa do Consumidor dispõe no art. 14, parágrafo 4º que “a responsabilidade do profissional liberal será apurada mediante verificação de culpa”.
A responsabilidade profissional no âmbito da medicina então premeia obrigações às quais o médico está sujeito e cujo não cumprimento traz consequências impostas por diversos diplomas legais impondo que se faça o correto não só no sentido moral, mas também de obrigações e deveres advindos da convivência em sociedade.
De acordo com Genival Veloso França, são requisitos indispensáveis para se concretizar a responsabilidade civil médica:
- O autor: profissional habilitado legalmente no exercício da medicina. Caso contrário, além da responsabilização na esfera cível, será também punido pelo exercício ilegal da profissão;
- Ato: deve ser o resultado danoso de um ato ilícito;
- A culpa: é a ausência de dolo, ou seja, o autor deve ter produzido o dano sem intenção de prejudicar, por negligencia, imperícia ou imprudência;
- Dano: deve ser efetivo, real e concreto e é condição indispensável para, além indicar a responsabilização, estabelecer o grau de pena ou indenização;
- Nexo causal: é a relação de causa e efeito, ou seja, o elo entre o ato ilícito e o dano ocorrido.
Quais são as principais responsabilidades de um médico?
Como forma de avaliar a responsabilidade do médico, é importante observar os deveres de conduta impostos aos médicos. Genival Veloso França entende que:
para a caracterização da responsabilidade médica basta a voluntariedade de conduta e que ela seja contrária às regras vigentes e adotadas pela prudência e pelos cuidados habituais, que exista nexo de causalidade e que o dano esteja bem evidente”
Sendo assim, é dever do médico cumprir com o dever de informação, o que significa que ele deve prestar ao paciente todos os esclarecimentos que considere como incondicional ao tratamento ou procedimento a ser realizado.
Além disso, deve anotar todas as informações no prontuário do paciente e, ainda, informar as condições de trabalho nos estabelecimentos de saúde, quando estas forem precárias.
Ainda, ele deve manter-se atualizado, já que o exercício da medicina não requer apenas habilitação legal, mas implica também o constante aprimoramento e capacitação. E, claro, o profissional da medicina ainda deve agir com vigilância e cuidados, praticando ato médico isento de omissão, inércia passividade ou descaso.
Nesse sentido, o Capítulo III do Código de Ética Médica – Resolução n. 2217/2018 traz vedações aos médicos que, em que pesem serem abordadas no âmbito ético, a violação, além de causar uma penalidade profissional, podem ter consequências na seara cível por causarem danos a terceiros. Como, por exemplo:
- delegar a outros profissionais atividade exclusivamente médicas;
- deixar de atender em setores de urgência e emergência quando for sua obrigação;
- afastar-se das atividades profissionais sem deixar outro médico encarregado pelos atendimentos.
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O que é ação de responsabilidade civil?
A ação judicial de responsabilidade civil pode ser ajuizada no âmbito da justiça comum ou dos juizados especiais cíveis – desde que cumpra os requisitos previstos na Lei n. 9099/95 como, por exemplo, o valor da causa abaixo de 40 salários mínimos e a capacidade das partes de postularem em tal juízo.
O objeto desta ação deve ser a reparação do dano causado e, para tanto, devem ser comprovados os requisitos citados anteriormente: autor, ato, culpa (no caso da responsabilidade subjetiva), dano e nexo causal, sob pena de improcedência dos pedidos.
Nas ações de responsabilidade civil médica é muito comum que seja designado pelo juiz, a pedido das partes, a prova pericial, através da perícia médica. Isso significa que será nomeado perito médico – de preferencia da especialidade relacionada ao caso – para atuar como auxiliar da justiça no sentido de esclarecer a questão técnica do caso, já que o magistrado nem sempre tem competência para tanto por não ser especialista da área.
Os pedidos da ação de responsabilidade civil podem ser baseados no dano material – aquele que é patrimonial, tangível, que tem valor econômico; no dano moral – que é a violação à dignidade, honra, intimidade ou privacidade e são intangíveis; e/ou no dano estético – que é a lesão à integridade física, aparência da pessoa.
A responsabilidade civil difere da criminal pela pena que será imposta, caso seja apurado o dano. No âmbito criminal as penas podem ser restritivas de direito ou privativas de liberdade, diferentemente do civil em que as penas são somente de caráter pecuniário.
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Qual a diferença entre responsabilidade civil médica e hospitalar?
Ao tratar de hospital, trataremos de instituições hospitalares, clínicas, policlínicas, sanatórios, prontos-socorros e todas as entidades que preste serviços de atenção à saúde.
Pois bem, a natureza jurídica da relação entre o hospital e o paciente é contratual, não importando se é verbal ou escrita, expressa ou tácita, onerosa ou gratuita (públicos ou filantrópicos). Segundo Eduardo Dantas, trata-se de um contrato misto, atípico que combina assistência médica especializada, serviços auxiliares, hospedagem, alimentação e demais cuidados necessários ao paciente.
O serviço hospitalar se enquadra também na obrigação de meio, uma vez que o resultado depende de variáveis da atividade médica, bem como da resposta do indivíduo ao tratamento, não podendo ser previsto, apenas esperado.
Sendo assim, o contrato entre o hospital e o paciente é diferente daquele realizado entre o paciente e o profissional da saúde uma vez que a atividade dos estabelecimentos hospitalares é a prestação dos serviços acima citados voltados à preservação ou recuperação da saúde do doente.
Dessa forma, numa eventual demanda em face de uma entidade hospitalar, baseado em um possível dano causado por ato médico – e não pela prestação dos demais serviços, cabe ao hospital comprovar que cumpriu com as obrigações fiscais, de vigilancia, cautela, bem como a observância das normas éticas e técnicas.
Por isso, a culpa exclusiva de terceiro vem como uma possível excludente de responsabilidade da instituição, pois se comprovado que o dano foi causado pelo ato médico falho, não há defeito na prestação do serviço.
Por outro lado, se provado que a conduta culposa foi ato do preposto do hospital, a responsabilidade do nosocômio é presumida, sendo imprescindível, nesse caso, prova da culpa para a responsabilização.
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Responsabilidade civil médica na cirurgia plástica estética
A responsabilidade civil médica no caso das cirurgias plásticas é tema de discussão nacional sobre a natureza jurídica da obrigação: trata-se de obrigação de meio ou de resultado?
A atividade médica não promete cura, mas sim um tratamento adequado e está sujeita ao imprevisível comportamento do organismo, que tem uma resposta única em cada indivíduo, ainda que sejam esperados alguns padrões de resposta.
Portanto, em regra, tem-se que a medicina não se compromete com o resultado, mas sim com o dever de diligencia.
No entanto, há grande discussão sobre a possibilidade de inserir a cirurgia plástica com finalidade estética como exceção, sendo considerada obrigação de resultado, compelindo o comprometimento do médico com o êxito satisfatório da intervenção. Em outras palavras, o entendimento nesse sentido é de que, como a cirurgia é estética, há a obrigação do profissional em entregar exatamente o resultado esperado pelo paciente.
O ponto principal é que, mesmo na cirurgia estética, o organismo pode reagir de forma inesperada, impossibilitando alcançar o resultado almejado por motivos alheios à conduta médica.
O entendimento do doutrinador Eduardo Dantas é de que, independente da finalidade da cirurgia plástica – se estética ou reparadora – a obrigação continuará sendo de meio, cabendo ao cirurgião prestar as informações de maneira clara, precisa e inteligível ao paciente possibilitando que ele assuma os riscos inerentes ao procedimento e desincumbindo o profissional da responsabilidade por um resultado indesejado ocorrido sem culpa dele.
A responsabilidade civil odontológica
A odontologia é a ciência que cuida da saúde bucal e tem origens comuns à medicina, com bases cientificas e biológicas semelhantes, mas com particularidades e procedimentos individuais a cada uma.
No caso do serviço de odontologia entende-se, majoritariamente, que o paciente é consumidor e o profissional é fornecedor, assim conceituados pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC.
Existem posições contrárias à referida qualificação, especialmente por entender que o trabalho do profissional liberal – como é o odontologista – não deve ser tutelado pelo CDC já que possui regulamentação pelos Conselhos Regionais e Federal, com código de ética próprio.
Quanto à natureza jurídica da obrigação odontológica, é consenso que trata-se de obrigação de meio, ou seja, assim como a medicina, não há promessa de cura ou de resultados, mas sim de tratamento adequado, seguindo os padrões éticos, com diligencia, prudência e perícia por parte do profissional.
A discussão atual é apenas acerca da implantodontia com finalidade estética que seria considerada como obrigação de resultado mas, assim como nos casos de cirurgia plástica estética, o entendimento do doutrinador Eduardo Dantas é semelhante no sentido de que não deve haver diferenciação na natureza jurídica da obrigação nos procedimentos odontológicos sendo todos considerados obrigação de meio, sendo o entendimento contrário considerado ultrapassado pela doutrina atual.
Conclusão
Diante do que foi abordado, temos que a responsabilidade civil do médico depende de comprovação da culpa, uma vez que trata-se de responsabilidade subjetiva por ser o médico profissional liberal.
Além da culpa, há que se observar outros requisitos como: o ato, o dano e o nexo de causalidade entre os dois e o autor da conduta danosa – se trata-se de um profissional da medicina.
A ação judicial de reparação ou de indenização pode ser proposta como forma de exigir a reparação dos prejuízos observados, sendo fundamentada no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.
Diferentemente da responsabilidade do médico, que é subjetiva, nos casos de dano causado em estabelecimentos de saúde há que se observar se o ato foi causado pelos serviços prestados pelo referido estabelecimento ou por um de seus prepostos – sendo a responsabilidade do hospital; ou por um médico cuja contratação foi feita diretamente pelo paciente – nesse caso a responsabilidade será do médico.
Por fim, temos que o entendimento majoritário é de que a natureza jurídica da obrigação dos médicos e demais profissionais da saúde é de meio, uma vez que a medicina não é uma ciência exata e o resultado depende de diversas variáveis muitas vezes incontroláveis.
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Advogada (OAB 158955/MG) desde 2015, com escritório em Belo Horizonte/MG. Bacharela em Direito, pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário, pela Faculdade Milton Campos. Especialista em Direito Médico e Hospitalar, pela Faculdade Unyleya e pelo IPDMS. Pós...
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