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Propriedade industrial: entenda o caso da Gradiente x Apple

Propriedade industrial: entenda o caso da Gradiente x Apple

31 maio 2023
Artigo atualizado 13 set 2023
31 maio 2023
ìcone Relógio Artigo atualizado 13 set 2023
A Propriedade Industrial é um conjunto de direitos que protegem as criações industriais. Ela é composta pelas patentes, marcas, desenhos industriais e indicações geográficas. Todos os direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial são regulados, no Brasil, pela Lei nº 9.279/96.

A Propriedade Intelectual é um grande ramo do Direito, composto basicamente pelos Direitos Autorais e pela Propriedade Industrial.

No Brasil uma grande disputa está acontecendo e sendo julgada pelo STF: as marcas Gradiente e Apple estão em processo para definir a propriedade da marca Iphone no país. O Supremo Tribunal vai decidir se a Apple continua com a vitória ou se concede o direto à Gradiente, que pediu registro de marca há alguns anos.

Confira neste artigo o que é propriedade industrial, quais são os tipos e detalhes sobre o caso do Iphone para entender, na prática, como funciona a tutela desses direitos. Vamos lá?

O que é a Propriedade Industrial?

A Propriedade Industrial abrange a proteção das patentes, das marcas, dos desenhos industriais e das indicações geográficas, que são tratados na Lei 9.279/96. No Brasil, o órgão responsável por proteger a Propriedade Industrial é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI.

Entenda o que é propriedade industrial
Veja o que é propriedade industrial

Quais são os tipos de propriedade industrial?

A propriedade industrial compreende:

  • Patentes;
  • Marcas;
  • Desenho Industrial;
  • Indicações geográficas.

Veja as características de cada uma delas!

Patentes

As patentes visam proteger as invenções. Na lição de Patrícia Peck Pinheiro, ele aponta que:

A patente, também conhecida como carta patente, nada mais é do que um documento que descreve determinado processo baseado na invenção, fruto da mente humana e que é suscetível de aplicação industrial em larga escala”

Elas são divididas em:

  • Invenções: se caracterizam por sua novidade em solucionar problemas técnicos existentes;
  • Modelos de utilidade: tem o objetivo de trazer uma melhoria funcional a uma invenção já existente.

A proteção da patente e do modelo de utilidade possuem limite de tempo, sendo 20 anos para a primeira e 15 anos para o segundo, ambos contados da data do depósito do pedido de proteção que é feito perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

A proteção de patentes e de modelos de utilidade é entendida como um importante pilar no avanço tecnológico, tão necessário aos países em desenvolvimento, na medida em que garante vantagens competitivas aos inventores e, por consequência, aos países em que é concebida a invenção.

Vale lembrar que, sendo o Brasil um país signatário da Convenção da União de Paris, invenções patenteadas aqui terão sua proteção estendida aos demais países signatários do tratado (art. 2º da CUP).

Leia também: Como fazer um registro de patente e quais as vantagens

Marcas

A proteção das marcas, que se caracterizam por sinais que buscam individualizar produtos ou serviços, também é de extrema relevância para garantir um desenvolvimento sustentável das empresas e para a proteção dos consumidores.

Denis Borges Barbosa assim define a marca como:

Assim, marca é o sinal visualmente representado, que é configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos e serviços. Símbolo voltado a um fim, sua existência fática depende da presença desses dois requisitos: capacidade de simbolizar e capacidade de indicar uma origem específica, sem confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor. Sua proteção jurídica depende de um fator a mais: a apropriabilidade, ou seja, a possibilidade de se tornar um símbolo exclusivo, ou legalmente unívoco do objeto simbolizado.”

As marcas podem ser reconhecidas na sua forma nominativa, figurativa ou mista. Com o protocolo do pedido de registro perante o INPI, o interessado deverá indicar em qual classe pretende enquadrar a proteção, de acordo com uma listagem padronizada internacionalmente chamada de Classificação de Nice, que subdivide as classes em produtos ou serviços. 

Há marcas que são reconhecidas como de alto renome ou notoriamente conhecidas. 

As marcas de alto renome passam a gozar de proteção em todas as classes, independentemente do pedido de registro individual para cada uma delas. 

Já a marca notoriamente conhecida é protegida apenas na classe para a qual obteve o certificado de registro, porém estende essa proteção para todos os países que compõem o sistema de proteção marcária, dispensando o registro individual em cada um desses países, nos termos da Convenção da União de Paris. 

É importante ressaltar que uma marca que não seja notoriamente conhecida também poderá estender sua proteção a outros países de forma relativamente simples. 

Isso se dá através do chamado Sistema de Madri – que o Brasil passou a reconhecer apenas em outubro de 2019, por meio do qual o interessado protocola seu pedido na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, indicando em quais países gostaria de obter a proteção. O pedido é encaminhado ao órgão de PI de cada um desses países que vai fazer a análise com base na lei nacional, deferindo ou indeferindo o pedido.

Ao contrário das patentes e dos Direitos Autorais, as marcas podem gozar de proteção por período indeterminado, desde que observados certos requisitos (artigos 142 a 146 da Lei da Propriedade Industrial).

Desenho industrial

O desenho industrial, conforme conceitua o artigo 95 da Lei de Propriedade Industrial, é:

A forma ornamental de um objeto ou o conjunto de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial. 

Merece destaque a exigência que se faz para que o desenho possa ser objeto de fabricação. Ou seja, não será protegido por essa modalidade os desenhos considerados puramente artísticos, que poderão se enquadrar na modalidade de Direito Autoral.

A ideia fundamental do desenho industrial é aliar aspectos funcionais com padrões artísticos, tornando, em última análise, os produtos mais atraentes para o público consumidor.

Como ocorre com as marcas, a proteção de um desenho industrial registrado em um país poderá se estender de maneira mais simplificada a outros países por meio do Acordo de Haia, que funciona da mesma maneira que o Sistema de Madri para o registro de marcas.

A proteção conferida a um desenho industrial poderá durar até 25 anos, nos termos do artigo 108 da Lei da Propriedade Industrial.

Indicações geográficas

Por fim, as indicações geográficas se dedicam a identificar produtos ou serviços de acordo com sua localização. 

Subdivide-se em indicação de procedência ou em denominação de origem e a diferença substancial entre ambas está na influência que fatores naturais do meio geográfico exercem naquele produto ou serviço.

Bons exemplos de denominações de origem são:

  • O queijo Roquefort, que provém da região de Roquefort;
  • O vinho espumante Champagne, que provém da região de Champagne, ambos na França. 

Reconhece-se que esses produtos possuem suas características marcantes em razão da região em que são produzidos. 

Assim, uma vinícola que produza seus vinhos na região de Champagne poderá se beneficiar dessa denominação de origem em seus rótulos, o que, na prática, garante ao seu produto um padrão de qualidade reconhecido pelo mercado consumidor.

Já a indicação de procedência é concedida levando-se em consideração fatores históricos que tornem determinada região reconhecida por prestar serviços ou fabricar produtos de qualidade diferenciada. 

É o caso, por exemplo, do Vale dos Vinhedos, primeira indicação geográfica brasileira. Independentemente da comprovação de que fatores naturais da região influenciam na qualidade dos vinhos produzidos nessa localidade, o fato de haver registros históricos quanto ao prestígio que a região conquistou ao longo de mais de um século na produção de vinhos lhe garantiu o merecido reconhecimento.

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Caso Apple x Gradiente:

Certamente você já ouviu falar do iPhone, o mundialmente famoso aparelho de celular da Apple. Mas, se eu te disser que a Apple poderá perder o direito de utilização da marca “Iphone” no Brasil, você acreditaria?

A Apple está no centro de uma disputa judicial envolvendo a Propriedade Industrial, notadamente a marca iPhone.

No ano 2000, a Gradiente, fabricante brasileira de produtos eletrônicos, protocolou no INPI o pedido de registro da marca “G GRADIENTE IPHONE” (processo nº 822112175).

Em novembro de 2007, o pedido da Gradiente foi deferido pelo INPI, mesmo ano em que a Apple fez o pedido de registro de seu aparelho iPhone (processo nº 829272747), que havia sido recentemente lançado no mercado mundial.

Como sabemos, um dos princípios de proteção marcária é a anterioridade. Ou seja, em regra, têm prioridade de registro o pedido que foi protocolado por primeiro junto ao órgão de registro (art. 127 da LPI).

Com o deferimento do registro para a marca da Gradiente, ocorrido em 2007, o INPI, por consequência, indeferiu o pedido da Apple em 2013, com base no artigo 124, inciso XIX, da Lei da Propriedade Industrial, que assim dispõe:

Art. 124. Não são registráveis como marca:
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;

Isso gerou uma batalha judicial pelo direito de uso da marca iPhone no Brasil que ainda não foi definitivamente solucionada. Atualmente, o caso encontra-se no Supremo Tribunal Federal (autos de Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.266.095), cuja repercussão geral foi reconhecida em 2022.

Em resumo, o pedido da Apple, que foi quem ingressou com o processo nº 0490011-84.2013.4.02.5101, da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ, em 2012, é que o registro da marca da Gradiente deveria ser anulado parcialmente, a fim de que não seja dada exclusividade à Gradiente sobre o termo “Iphone” de maneira isolada.

O argumento principal da fabricante americana é de que o elemento nominativo “Iphone”, indicado no registro da marca “G GRADIENTE IPHONE”, teria caráter meramente descritivo para aparelhos celulares com acesso à internet (internet phone), nos termos do artigo 124, inciso IV, da LPI, que diz:

Art. 124. Não são registráveis como marca:
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.

A Gradiente alega em sua defesa, entre outros argumentos, que a marca por si registrada é dotada de suficiente distintividade e não seria meramente descritiva. Além disso, deve ser respeitado o princípio da anterioridade e, portanto, não haveria qualquer causa para anular o registro. 

O INPI, que também compõe o processo, por força do art. 175, da LPI, acompanha o argumento da Gradiente, defendendo a regularidade do registro.

Em primeira instância, o pedido da Apple foi julgado procedente no ano de 2013, decretando a nulidade parcial do registro da marca da Gradiente, a fim de que conste a ressalva no registro da marca “G GRADIENTE IPHONE” para que não haja a exclusividade sobre a palavra “Iphone” isoladamente.

A sentença considerou que entre o tempo do protocolo do pedido de registro da marca da Gradiente (2000), até o deferimento deste pedido (2007), houve considerável mudança no cenário de tecnologia que não poderia ser ignorado pelo INPI na análise do mérito do pedido de registro da Gradiente.

Em face da sentença, o INPI apresentou recurso afirmando que o argumento vertido na decisão violaria o sistema atributivo do direito marcário. Isso significa que a sentença estaria privilegiando aquele que não detém o registro da marca, e não aquele a quem o INPI atribuiu o direito de uso.

A Gradiente também recorreu da sentença, alegando, entre outras coisas, que os requisitos para o registro da marca devem ser aferidos no momento do depósito do pedido. Ou seja, no ano 2000, e não no momento da análise do mérito, ocorrida em 2007.

Contudo, a sentença foi confirmada no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, conforme ementa a seguir:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL – NULIDADE PARCIAL DO REGISTRO DE MARCA – NÃO EXCLUSIVIDADE SOBRE O TERMO “IPHONE” – Apelação contra sentença que julgou procedente o pedido de APPLE INC., para declarar a nulidade parcial do registro nº 822.112.175, na classe 09, para a marca mista “GRADIENTE IPHONE”, condenando o INPI a anular a decisão concessória de registro e a republicá-la no Órgão Oficial, na forma do art. 175, §2º, da LPI, fazendo constar a ressalva quanto à exclusividade sobre o termo “IPHONE” isoladamente, tal como empregado pela empresa Ré, de modo que o respectivo registro figure como “concedido SEM EXCLUSIVIDADE SOBRE A PALAVRA IPHONE ISOLADAMENTE”. – A marca é um sinal distintivo, que se destina a distinguir produtos e serviços, no intuito de indicar que foram produzidos ou fornecidos por determinada empresa ou pessoa, auxiliando o consumidor a reconhecê-los, bem como diferenciá-los dos produtos de seus concorrentes. – É indubitável que, quando os consumidores e o próprio mercado pensam em IPHONE, estão tratando do aparelho da APPLE. – Permitir que a empresa Ré utilize a expressão IPHONE de uma forma livre, sem ressalvas, representaria imenso prejuízo para a Autora, pois toda fama e clientela do produto decorreram de seu nível de competência e grau de excelência. A pulverização da marca, neste momento, equivaleria a uma punição para aquele que desenvolveu e trabalhou pelo sucesso do produto. – Não há que se falar em “inovação” ou “subversão” do sistema atributivo do direito, uma vez que o apostilamento de elemento marcário deve ser utilizado relativamente àqueles elementos nominativos que seriam, isoladamente, irregistráveis, na medida em que guardam relação direta e/ou necessária com o segmento mercadológico que a marca visa distinguir. Inteligência do artigo 124, VI, da LPI. – O apostilamento determinado na sentença, diz respeito tão somente à proibição pela empresa apelante de se valer do termo “IPHONE”, de forma isolada, uma vez que este encontra-se estritamente vinculado, tanto no mercado nacional como no internacional, ao produtos da ora apelada. – Apelações desprovidas. Sentença confirmada.
(TRF2. Apelação / reexame necessário. Processo nº 0490011-84.2013.4.02.5101;.  Relator (a): Paulo Espirito Santo; Data do julgamento: 13/06/2014.)

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A Gradiente apresentou Recurso Especial e Recurso Extraordinário, enquanto o INPI apresentou Recurso Especial.

Os Recursos Especiais da Gradiente e do INPI foram, por maioria de votos, indeferidos pelo Superior Tribunal de Justiça, cujo acórdão traz vários conceitos relacionados ao registro de marca, entre os quais os conceitos de marcas de fantasia, marcas arbitrárias e marcas sugestivas (ou evocativas).

As marcas de fantasia são aquelas fruto da inventividade de seu titular. Não guardam relação com palavras ou objetos existentes. O acórdão exemplifica como marcas de fantasia a Nike, a Sony, entre outras. Essas marcas merecem alto grau de proteção.

Igualmente, as marcas arbitrárias merecem alto grau de proteção e se caracterizam por serem expressões já existentes, mas vinculadas a produtos ou serviços com os quais não guardam qualquer relação. Apple é o exemplo clássico de uma marca arbitrária.

De outro lado, as marcas sugestivas ou evocativas possuem um escopo limitado de proteção, pois, como a nomenclatura já diz, sugerem ao que se referem, denotando baixo grau de distintividade ou de originalidade. Exemplos de marcas sugestivas são Unibanco e Telemar (AgInt no AREsp 1.062.073/RJ).

Abaixo, confira a ementa do acórdão que negou provimento aos Recursos Especiais da Gradiente e do INPI:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE “NULIDADE PARCIAL” DA MARCA MISTA “G GRADIENTE IPHONE”. APARELHOS TELEFÔNICOS COM ACESSO À INTERNET. PRETENSÃO AUTORAL DE INSERÇÃO DE RESSALVA INDICATIVA DA FALTA DE EXCLUSIVIDADE DA UTILIZAÇÃO DA PALAVRA “IPHONE” DE FORMA ISOLADA. MITIGAÇÃO DA EXCLUSIVIDADE DO REGISTRO DE MARCA EVOCATIVA.
1. A distintividade é condição fundamental para o registro da marca, razão pela qual a Lei 9.279/96 enumera vários sinais não registráveis, tais como aqueles de uso comum, genérico, vulgar ou meramente descritivos, porquanto desprovidos de um mínimo diferenciador que justifique sua apropriação a título exclusivo (artigo 124).
2. Nada obstante, as marcas registráveis podem apresentar diversos graus de distintividade. Assim, fala-se em marcas de fantasia (expressões cunhadas, inventadas, que, como tais, não existem no vocabulário de qualquer idioma), marcas arbitrárias (expressões já existentes, mas que, diante de sua total ausência de relação com as atividades do empresário, não sugerem nem, muito menos, descrevem qualquer ingrediente, qualidade ou característica daquele produto ou serviço) e marcas evocativas.
3. A marca evocativa (ou sugestiva ou fraca) é constituída por expressão que lembra ou sugere finalidade, natureza ou outras características do produto ou serviço desenvolvido pelo titular. Em razão do baixo grau de distintividade da marca evocativa, a regra da exclusividade do registro é mitigada e seu titular deverá suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes. Precedentes das Turmas de Direito Privado.
4. Contudo, deve ser ressalvada a hipótese em que o sinal sugestivo, em função do uso ostensivo e continuado, adquire incontestável notoriedade no tocante aos consumidores dos produtos ou serviços de determinado segmento de mercado. Tal exceção decorre do disposto na parte final do inciso IV do artigo 124 da Lei 9.279/96, que aponta a registrabilidade do signo genérico ou descritivo quando revestido de suficiente forma distintiva.
5. A aferição da existência de confusão ou da associação de marcas deve ter como parâmetro, em regra, a perspectiva do homem médio (homo medius), ou seja, o ser humano razoavelmente atento, informado e perspicaz, o que não afasta exame diferenciado a depender do grau de especialização do público-alvo do produto ou do serviço fornecido. Ademais, em seu papel de aplicador da lei, deve o juiz atender aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum (artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB).
6. No que diz respeito às marcas, sua proteção não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, tendo por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Assim pode ser resumida a função social da marca à luz da Constituição Federal e da Lei 9.279/96 7. O conjunto marcário “G GRADIENTE IPHONE” apresenta dois elementos: um elemento principal (a expressão “GRADIENTE”) e dois secundários (o “G” estilizado e o termo “IPHONE”). O elemento principal exerce papel predominante no conjunto marcário, sendo o principal foco de atenção do público alvo. De outro lado, o elemento secundário pode desempenhar um papel meramente informativo ou descritivo em relação ao escopo de proteção pretendido.
8. No caso, a expressão “iphone”, elemento secundário da marca mista concebida pela IGB, caracteriza-se como um termo evocativo, tendo surgido da aglutinação dos substantivos ingleses “internet” e “phone” para designar o aparelho telefônico com acesso à internet (também chamado de smartphone), o que, inclusive, ensejou o registro da marca na classe atinente ao citado produto. Desse modo, não há como negar que tal expressão integrante da marca mista sugere característica do produto a ser fornecido. Cuida-se, portanto, de termo evidentemente sugestivo.
9. Sob essa ótica, a IGB terá que conviver com o bônus e o ônus de sua opção pela marca mista “G GRADIENTE IPHONE”: de um lado, a simplicidade e baixo custo de divulgação de um signo sugestivo de alguma característica ou qualidade do produto que visava comercializar (o que tinha por objetivo facilitar o alcance de seu público-alvo); e, de outro lado, o fato de ter que suportar a coexistência de marcas semelhantes ante a regra da exclusividade mitigada das evocativas, exegese consagrada nos precedentes desta Corte.
10. Diferentemente do que ocorreu com a IGB, a Apple, com extrema habilidade, conseguiu, desde 2007, incrementar o grau de distintividade da expressão “iPhone” (originariamente evocativa), cuja indiscutível notoriedade nos dias atuais tem o condão de alçá-la à categoria de marca notória (exceção ao princípio da territorialidade) e, quiçá, de alto renome (exceção ao princípio da especificidade).
11. No que diz respeito ao”iPhone” da Apple, sobressai a ocorrência do fenômeno mercadológico denominado secondary meaning (“teoria do significado secundário da marca”), mediante o qual um sinal fraco (como os de caráter genérico, descritivo ou até evocativo) adquire eficácia distintiva (originariamente inexistente) pelo uso continuado e massivo do produto ou do serviço. A distinguibilidade nasce da perspectiva psicológica do consumidor em relação ao produto e sua marca, cujo conteúdo semântico passa a predominar sobre o sentido genérico originário. 12. Assim, é certo que a utilização da marca “iPhone” pela Apple – malgrado o registro antecedente da marca mista “G GRADIENTE IPHONE” – não evidencia circunstância que implique, sequer potencialmente, aproveitamento parasitário, desvio de clientela ou diluição da marca, com a indução dos consumidores em erro.
13. Em outra vertente, o uso isolado do termo “iPhone” por qualquer outra pessoa física ou jurídica (que não seja a Apple), para designar celulares com acesso à internet, poderá, sim, gerar as consequências nefastas expressamente rechaçadas pela lei de regência e pela Constituição da República de 1988.
14. Tal exegese não configura prejuízo à IGB, que, por ter registrado, precedentemente, a expressão “G GRADIENTE IPHONE”, poderá continuar a utilizá-la, ficando apenas afastada a exclusividade de uso da expressão “iphone” de forma isolada.
15. Recursos especiais da IGB Eletrônica e do INPI não providos.
(REsp n. 1.688.243/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/9/2018, DJe de 23/10/2018.)

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Agora, o caso está no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a existência de repercussão geral na questão e deverá decidir, em breve, se a sentença e os acórdãos recorridos serão reformados ou não.

O Ministro Dias Toffoli, relator do recurso, entendeu o seguinte ao reconhecer a repercussão geral (Tema 1205):

Entendo, assim, ser extremamente recomendável que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie, na sistemática da repercussão geral, sobre a possibilidade de, em razão da demora na concessão do registro de marca pelo INPI e surgimento, durante isso, de uso mundialmente consagrado da mesma marca por concorrente, o depositante deixar de ter exclusividade sobre ela, tendo-se presentes os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.”

A Procuradoria Geral da República já manifestou o entendimento de que o recurso da Gradiente deve ser indeferido, sugerindo a fixação da seguinte tese:

A mora na concessão do registro de marca pelo INPI, concomitante ao surgimento de uso mundialmente consagrado da mesma marca por concorrente, mitiga o direito à exclusividade quando ensejar evidente”

Por fim, há outros dois processos envolvendo as partes (autos nº 0121438-67.2013.4.02.5101 e 5067776-25.2021.4.02.5101, da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro), que foram julgados em 2022 em primeira instância desfavoravelmente à Gradiente, que apresentou recurso pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

No processo nº 0121438-67.2013.4.02.5101, movido pela Gradiente em face da Apple, a juíza indeferiu o pedido de nulidade de registros da Apple junto ao INPI, e no processo nº 5067776-25.2021.4.02.5101 a juíza decretou a caducidade do registro da Gradiente, nos termos do artigo 143, inciso II, da LPI, in verbis:

Art. 143 – Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:
II – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

Caso o STF mantenha as decisões recorridas pela Gradiente relacionadas aos autos de origem nº 0490011-84.2013.4.02.5101, a empresa continuará a ser detentora da marca G GRADIENTE IPHONE, mas não poderá utilizar a expressão IPHONE de forma isolada.

Porém, esse direito da Gradiente ainda poderá ser anulado, haja vista a pendência do processo nº 5067776-25.2021.4.02.5101, cuja sentença decretou a caducidade do registro da marca G GRADIENTE IPHONE.

Leia também: O que é princípio da anterioridade tributária, tipos, exceções e importância

Caso Fiat:

Outro caso envolvendo conflito de marcas também ganhou notoriedade e envolve a fabricante de carros FIAT.

O INPI indeferiu o pedido de registro da marca FIAT FREEDOM (processo nº 909703957, para designar veículos) por considerar haver colidência com a marca FREEDOM, previamente registrada no processo nº 905415663, designativa de pneus. 

A FIAT, não satisfeita, recorreu ao Judiciário, mas em primeira instância obteve indeferimento na Justiça Federal do Rio de Janeiro (atos unº 047864-76.2020.4.02.5101).

A meu ver as marcas, embora designam produtos do mesmo ramo, não servem para designar os mesmos produtos, como nesse caso de pneus x veículos.

Além disso, o conjunto marcário, composto pelos elementos nominativos e figurativos, possuem suficiente distinção para evitar a confusão no público consumidor. Por isso, respeitosamente, partilho de opinião diversa da manifestada pelo INPI e pela Justiça Federal do Rio de Janeiro neste caso.

Conclusão:

A Propriedade Intelectual é um ramo do Direito muito interessante de se atuar e estudar. Essa área tem ganhado ainda mais relevo nas últimas décadas em razão da crescente globalização e inovação tecnológica. A inteligência artificial não me deixa mentir.

Mas, no Brasil, há poucos especialistas em Propriedade Intelectual, o que a torna um campo fértil para quem está procurando uma área de atuação.

Por isso, fica a dica para que, quem queira saber um pouco mais sobre Propriedade Intelectual, em especial Propriedade Industrial, faça os cursos gratuitos oferecidos pelo INPI.

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Conheça as referências deste artigo

BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2ª. Edição, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2003.

PINHEIRO, Patrícia Peck (coord.). Manual de Propriedade Intelectual, São Paulo, 2013.


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Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....

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