A teoria do desvio produtivo do consumidor é uma tese de autoria do advogado Marcos Dessaune que caracteriza a situação na qual o consumidor precisa desperdiçar seu tempo e atividades para resolver problemas de consumo que sequer deveriam existir.
Quem nunca teve que se abdicar de realizar atividades prazerosas para, no seu momento de lazer ou descanso, resolver problemas decorrentes de uma relação de consumo? O prejuízo decorrente do tempo desperdiçado e da vida alterada é o pilar da teoria do desvio produtivo do consumidor, que apresenta aplicabilidade crescente em nossos Tribunais, e é o tema central do presente artigo.
Um fornecedor, ao não atender adequadamente o consumidor, cria um evento de consumo efetivamente danoso. Ao se esquivar da sua responsabilidade acaba por colocar o consumidor em estado de carência e em condição de vulnerabilidade. Faz ele perder tempo vital para buscar uma solução para um problema decorrente de atitude desleal, não cooperativa e danosa praticada pelo fornecedor.
Assim, estritamente ligada às relações de consumo, surgiu a teoria do desvio produtivo do consumidor. Uma tese pautada no prejuízo decorrente do tempo desperdiçado e da vida alterada pela busca por soluções de problemas que, sequer, deveriam existir.
O que é a teoria do desvio produtivo do consumidor?
A teoria do desvio produtivo do consumidor é de autoria do advogado Marcos Dessaune, através da qual afirma que:
O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”
Assim, é possível concluir que a teoria se aplica porque o consumidor se desvia de suas atividades produtivas para resolver problemas de consumo que, sequer, deveriam existir.
Bens do consumidor que visa resguardar
Os bens do consumidor lesados pelo fornecedor abarcados por esta teoria são: o tempo e as atividades existenciais do consumidor. Como, por exemplo, estudo, trabalho, descanso, lazer, entre outros.
Os prejuízos sofridos pelo consumidor nesses casos são evidentes. Afinal, tem que alterar sua rotina para resolver problemas que não deveriam existir, desperdiçando, assim, seu tempo.
Tempo, bem jurídico finito
Neste ponto, cabe salientar que o tempo é um bem jurídico finito. Ao longo de nossas vidas não podemos recuperá-lo, tendo portanto, um valor imensurável.
Vale ressaltar que ninguém consegue realizar ao mesmo tempo duas ou mais atividades de natureza incompatível ou fisicamente excludentes (princípio da impenetrabilidade da matéria).
O tempo é suporte implícito para a vida, que nele se desenvolve e dura por certo período. Assim, é possível compreender que o tempo é vida, pois a vida se constitui nas próprias atividades existenciais.
Qual a importância da teoria do desvio produtivo do consumidor?
A teoria do desvio produtivo do consumidor é de extrema valia para fundamentar pleitos indenizatórios decorrentes de problemas na relação de consumo.
Para se ter ideia, por meio dela é possível entender que a perda de tempo de vida na busca por soluções de problemas decorrentes da relação de consumo gera, obrigatoriamente, um dano extrapatrimonial de natureza existencial. Este tempo não pode ser recuperado em hipótese alguma, sendo dano indenizável.
Para a autora Flaviana Rampazzo Soares “o dano existencial materializa-se como uma renúncia involuntária às atividades cotidianas de qualquer gênero, em comprometimento das próprias esferas de desenvolvimento pessoal”.
Já o doutrinador Almeida Neto afirma que “negar ao ser humano o direito à indenização pelo dano injusto sofrido, seja qual for sua natureza, significa contrariar frontalmente um dos princípios básicos da responsabilidade civil – alterum non laedere.”
E ainda conclui;
Quando a lei dispõe que o dano moral deve ser indenizado, está ao mesmo tempo consagrando o princípio segundo o qual todo dano imaterial também deve ser indenizado. Não há como se entender de outra forma, mesmo porque estaríamos diante de uma afirmação absurda, a de que o dano imaterial é um dano de classe inferior ao dano material, quando, a bem da verdade, a dignidade do homem se assenta no seu patrimônio moral e não no seu patrimônio material”
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Teoria do desvio produtivo do consumidor na prática
Como disse no início do texto, a teoria do desvio produtivo do consumidor vem sendo reconhecida e aplicada por nossos Tribunais.
A primeira menção à teoria no STJ ocorreu em 12/09/2017 (REsp 1.634.851/RJ), quando a ministra Nancy Andrighi, relatora, negou provimento ao recurso fundamentando sua decisão no Desvio Produtivo do Consumidor:
À frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo”
Mais liberdade no dia a dia
O que diz a jurisprudência
A título exemplificativo, vale destacar outras decisões do STJ que acolheram a tese do desvio produtivo do consumidor:
Ministro Marco Aurélio Bellizze (AREsp 1.260.458/SP):
Notório, portanto, o dano moral por ela suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter sido submetida, por longo período [por mais de três anos, desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a verdadeiro calvário para obter o estorno alvitrado”
Ministro Antônio Carlos Ferreira (AREsp 1.241.259/SP):
Frustração em desfavor do consumidor, aquisição de veículo com vício ‘sério’, cujo reparo não torna indene o périplo anterior ao saneamento – violação de elemento integrante da moral humana, constituindo dano indenizável – desvio produtivo do consumidor que não merece passar impune – inteligência dos artigos 186 e 927 do Código Civil. ‘Quantum’ arbitrado de acordo com a extensão do dano e dos paradigmas jurisprudenciais – artigo 944, do Código Civil – R$15 mil”.
Ministro Paulo De Tarso Sanseverino (AREsp 1.132.385/SP)
Reparação de danos morais por danos à honra objetiva da autora devida. Reparação por desvio produtivo, caracterizado pela falta de pronta solução ao vício do serviço noticiado, também devida, como forma de recompor os danos causados pelo afastamento da consumidora da sua seara de competência para tratar do assunto que deveria ter sido solucionado de pronto pela fornecedora”
Aplicação por analogia no campo do direito do trabalho
Recentemente a desembargadora Daniele Corrêa Santa Catarina (TRT da 17ª Região), concluiu que a falta de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS do autor representa ofensa à dignidade do trabalhador e autoriza o deferimento da indenização por danos morais.
Por analogia, a desembargadora fundamentou seu julgado na teoria do desvio produtivo, destacando que:
Aquela Corte Superior (STJ) tem entendido que nos casos em que o fornecedor deixa de praticar ato que lhe era imposto, levando o consumidor ao desgaste de obter o bem da vida em juízo, impõe-se a condenação daquele ao pagamento de uma indenização em razão do tempo perdido pelo hipossuficiente”
O precedente utilizado pela Desembargadora foi o acórdão de relatoria de Moura Ribeiro, no qual o ministro “assentou claramente que aquele que ao realizar (ou não realizar) ato que lhe competia, levando à parte contrária ao desperdício do seu tempo para solucionar questão que não deu causa, deve ressarcir os prejuízos morais causados”.
Saiba mais sobre direito do trabalho aqui no Portal da Aurum.
Conclusão
Agora você já sabe um pouco mais sobre a teoria do desvio produtivo do consumidor e como vem sendo aplicada no Direito brasileiro.
Em síntese, tenha em mente que, por meio dela, é possível pleitear reparação pelo dano extrapatrimonial decorrente da lesão objetiva e irreversível ao patrimônio do consumidor (tempo vital). Isso porque os problemas advindos da relação de consumo causam prejuízo ao regular exercício das atividades existenciais do consumidor.
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Advogada. Sou pós-graduada em Processo Civil, ambos pela UCAM, e especialista em Direito do Consumidor e Direto de Família....
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Infelizmente é muito bonito no papel. No tribunal, especialmente em SP, não é acolhido em hipótese alguma. Principalmente porque o STJ já enfrentou o tema e não considera essa situação. Só se houver outros danos juntos.
Excepcional artigo que aborda uma das questões mais espinhos as da atualidade: o Consumidor que enfrenta as grandes corporações econômicas.
Ótima síntese. Me esclareceu muitas dúvidas.
Agora, se me permite um apontamento, senti falta das referências nas citações.
Tenha um ótimo dia!