O estado de necessidade ocorre quando uma pessoa sacrifica bem jurídico alheio no intuito de salvar outro, pessoal ou de terceiro, de igual ou menor valor.
Considerado um excludente de antijuridicidade, o estado de necessidade está previsto no artigo 23, I e 24, ambos do Código Penal Brasileiro.
A Teoria Finalista da Ação, dominante em nosso ordenamento jurídico, conceitua o crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável. A conduta é considerada criminosa apenas quando preenche estes três requisitos.
As excludentes da antijuridicidade atuam sobre este conceito de crime, ou seja, uma conduta praticada em legítima defesa, estado de necessidade ou estrito cumprimento do dever legal perde a sua antijuridicidade, deixando de ser considerada como crime.
Neste artigo vamos falar mais sobre os tipos de estado de necessidade, continue a leitura! 😉
O que é estado de necessidade?
O estado de necessidade ocorre quando uma pessoa sacrifica bem jurídico alheio no intuito de salvar outro, pessoal ou de terceiro, de igual ou menor valor.
Ao tempo em que a legítima defesa é uma reação, voltada contra o autor de uma agressão injusta, real/iminente, o estado de necessidade é uma ação, que não é necessariamente direcionada contra o causador deste perigo, mas que visa apenas a proteção de determinados bens jurídicos, em detrimento de outros.
Além disso, ao tempo em que a legítima defesa pode ser exercida na iminência de uma agressão (legítima defesa putativa), o estado de necessidade não possui esta previsão, não podendo o perigo ser passado ou futuro.
Como exemplo, atua em estado de necessidade quem:
- Quebra a janela de um veículo (crime de dano) no intuito de salvar uma criança, deixada trancada em seu interior, debaixo do sol;
- Subtrai alimentos de baixo valor de um comércio, no intuito de alimentar a si e a sua família (furto famélico);
- Disputa colete salva-vidas em naufrágio marítimo, causando a morte de outra pessoa;
- Atua com triagem médica em situações de desastre.
Quais os aspectos jurídicos do estado de necessidade?
Esclarecido o conceito de estado de necessidade e fornecidos alguns exemplos, vamos conferir os seus principais aspectos jurídicos!
Diferença de justificante e exculpante
O primeiro aspecto diz respeito à diferença entre estado de necessidade “justificante” e “exculpante”.
O estado de necessidade “justificante” ocorre quando o bem sacrificado é de igual ou menor valor ao bem jurídico protegido pelo ato do agente. Trata-se do conceito adotado pelo Código Penal Brasileiro como excludente de ilicitude.
O estado de necessidade “exculpante” ocorre quando o bem sacrificado é de valor maior do que aquele protegido pela conduta.
Trata-se da pessoa que opta pelo sacrifício de duas ou mais vidas, no intuito de salvar a pessoa com a qual possui um vínculo afetivo.
Neste caso, a conduta não estaria protegida pela excludente de ilicitude dos artigos 23, inciso I, e 24 do Código Penal Brasileiro, mas poderia ser considerada como uma excludente de culpabilidade, face à inexigibilidade de conduta diversa.
Valoração de bens jurídicos
A diferença entre ambos os conceitos remete ao segundo aspecto relevante do estado de necessidade, ou seja, como valorar bens jurídicos a ponto de permitir uma comparação entre eles.
A solução acaba sendo oferecida pela Doutrina, no sentido de que o valor atribuído a cada bem jurídico pode ser auferido pela pena prevista a cada tipo penal, no caso de violação.
Nesta hipótese, a diferença entre a pena prevista para um crime de furto e outro de homicídio, denotam que o legislador atribui à vida um valor maior do que a propriedade, não sendo razoável aplicar a excludente de ilicitude para uma pessoa que venha a ceifar uma vida, no intuito de proteger uma propriedade, ameaçada por um crime patrimonial não violento (furto).
Conduta deliberada
O terceiro aspecto a ser considerado é que aquele que esteja em estado de necessidade não tenha deliberadamente causado o perigo contra o qual se defenda.
Neste caso, consideremos a situação de um indivíduo que venha a incendiar um imóvel, buscando receber prêmio de seguro.
Na hipótese de sua conduta resultar em perigo para si mesmo, este não estará protegido pelo estado de necessidade em suas ações, ainda que os bens jurídicos sacrificados, para que salve a sua vida, sejam de menor valor.
Observa-se do artigo 24 do Código Penal que o perigo não pode ter sido provocado pela vontade do agente, trabalhando com a ideia de dolo, ou seja, permitindo a aplicação do estado de necessidade em crimes culposos.
O presente raciocínio se mostra razoável, como no caso de um indivíduo que conduza veículo automotor ligeiramente acima do limite de velocidade (até 20%) para então desviar de um pedestre, optando deliberadamente por colidir contra outro veículo (crime de dano).
Nesta hipótese, o tempo de reação do motorista foi reduzido pelo excesso de velocidade (conduta culposa), sendo razoável de se admitir que ele possa escolher pelo menor dos danos, sem que seja criminalmente responsabilizado, eis que evitou um resultado lesivo mais extenso.
Não obstante, cumpre ressaltar a subjetividade destas interpretações, capaz de abrir grande espaço para entendimentos diversos, produzindo insegurança jurídica.
No exemplo citado, se trocarmos a condução acima do limite de velocidade por embriaguez completa, a colisão causada no intuito de salvar uma vida ainda estaria protegida pela excludente de ilicitude?
Agente deve enfrentar o perigo
O quarto aspecto a ser considerado é o dever do agente de enfrentar o perigo.
Observa-se que determinadas profissões possuem um dever típico do agente de se expor ao perigo. Trata-se do caso de um salva-vidas, que não pode se negar a resgatar uma criança, vítima de afogamento no mar, sob o argumento de que poderia também se afogar.
Obviamente, este raciocínio deve ser visto com razoabilidade, como no caso de um mar extremamente revolto. Pressuposto similar pode ser observado com o trabalho de bombeiros e policiais, ou seja, o primeiro possui uma limitada margem para se negar a entrar em um prédio em chamas, ao tempo em que o segundo não pode se negar a resgatar uma vítima de sequestro de seu cativeiro, face o risco de reação violenta de seus sequestradores.
Outro ponto relevante, com relação ao perfil de certas profissões, é o trabalho de médicos em situações de desastre.
A triagem médica, neste contexto, resulta na escolha do profissional por priorizar a atenção para pacientes que possuam uma maior chance de sobrevivência, de acordo com a infraestrutura, medicamentos e profissionais disponíveis no local.
Neste caso, acaba sendo realizada uma escolha entre o sacrifício de uma ou mais vidas, em favor de outras, com maiores chances de serem salvas.
Evitabilidade do perigo
O quinto aspecto é a evitabilidade do perigo, ou seja, caso a situação de perigo possa ser evitada sem que seja necessário o sacrifício de qualquer bem jurídico, o Estado de Necessidade não se aplica.
No exemplo, anteriormente tratado, do naufrágio marítimo, não se mostra razoável o sacrifício da vida alheia na disputa por um colete salva-vidas, quando existirem alternativas para a proteção das vítimas, como a presença de itens com flutuação suficiente (amparos de madeira), ou a presença de uma margem próxima, capaz de permitir o deslocamento daqueles que saibam nadar.
Causas
O último aspecto, a ser considerado, é a existência de causas, que configurem estado de necessidade, fora dos limites dos artigos 23 e 24 do Código Penal Brasileiro.
Trata-se do caso do aborto necessário (artigo 128, inciso I) e do constrangimento ilegal (artigo 146).
No caso do aborto necessário, o médico age contra a vida do nascituro, no intuito de salvar a genitora, sendo de se observar a presença do raciocínio de valoração comparada dos bens jurídicos (acima tratado) de acordo com a pena prevista para cada delito.
O crime de aborto possui pena de três a dez anos, quando praticado sem o consentimento da gestante (artigo 125), ao tempo em que o homicídio simples possui pena de seis a vinte anos (artigo 121), sendo evidente a opção do legislador de oferecer maior valor a vida da genitora do que a do nascituro.
Ademais, o médico possui o dever legal de prestar socorro a seus pacientes, sob pena de responder criminalmente pela sua omissão (artigo 13, parágrafo 2º, do Código Penal).
Os presentes fatores denotam que o médico, pode optar pela vida da genitora, em prejuízo do nascituro, sem que seja criminalmente responsabilizado, eis que optou pela proteção de um bem jurídico, cujo valor atribuído pelo legislador é maior, estando em Estado de Necessidade de terceiro.
Conclusão
A existência de causas excludentes de ilicitude, no ordenamento jurídico brasileiro, é o reconhecimento do legislador de que o direito penal deve manter uma relação concreta com a realidade da vida em sociedade.
Existem contextos em que a submissão a um mandamento legal não se mostra razoável, sendo produzido um contexto de exceção, em que condutas nele praticadas não são consideradas como antijurídicas, deixando de serem vistas como crime.
O estado de necessidade existe como um ponto de contato entre o direito penal e a possibilidade de sua modulação a situações concretas específicas, em que a aplicação de uma sanção penal não se mostra razoável, permitindo assim a maior eficácia da norma e a proteção contra injustiças.
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Conheça as referências deste artigo
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 24ª edição. São Paulo. Saraiva Educação, 2018.
Prado, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 20ª edição. Rio de Janeiro. Editora Forense, 2022.
Advogado (OAB/SP 318.248). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Pós-graduado em Direito...
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