Cárcere privado é quando alguém impede outra pessoa de se mover livremente, retirando sua liberdade de escolha sobre ir a algum lugar, voltar ou permanecer. É uma forma de privação de liberdade em que a pessoa fica restrita contra a sua vontade.
A compreensão do crime de cárcere privado é extremamente importante, pois permite tanto ao operador do direito realizar a adequação do fato à tipicidade penal, como também ao cidadão comum em analisar determinados comportamentos e identificar a prática de eventuais abusos que alguém próximo a ele possa estar sofrendo.
Neste artigo, apresentarei de uma maneira sucinta os principais pontos acerca do crime de cárcere privado, e convido você a me acompanhar até o final. Claro, deixando desde já o convite para você contribuir nos comentários com a sua opinião e dúvidas.
Vamos lá! 😉
O que é o cárcere privado?
O crime de cárcere privado possui sua previsão legal expressa no artigo 148, caput, do Código Penal e consiste em: “Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”.
E a primeira pergunta que fica é: Existe alguma condição especial para que a pessoa seja considerada vítima, como por exemplo, relação afetiva?
E a resposta é não. Tanto o sujeito ativo (aquele que comete o crime) quanto o sujeito passivo (vítima) podem ser qualquer pessoa. Dessa forma, não é exigida qualquer condição, status ou qualidade específica para que sejam assim reconhecidas.
Importante mencionar que a prática desse crime pode se dar tanto por uma ação física (amarrar, amordaçar, usar de violência física), como também psicológica (chantagens e ameaças).
Qual a diferença entre sequestro e cárcere privado?
No final do art. 148 nos deparamos com a privação da liberdade: “…mediante sequestro ou cárcere privado”. Mas afinal, existe diferença? Na letra da lei não, porém, apesar de similar, há uma certa diferenciação a ser feita.
Enquanto o sequestro é uma forma mais generalizada de restrição da liberdade, o cárcere privado é mais específico quanto ao modo pelo qual ele é executado.
No cárcere privado podemos tratar de condutas mais particulares, que mantêm a restrição da liberdade da vítima em um local fechado. Como por exemplo, um marido que exerce uma violência psicológica para que a vítima não saia de casa, sob o fundamento de que algo poderia acontecer com ela caso o desobedecesse.
Já no sequestro, o modo de execução é mais abrangente, pois o agente pode se valer de qualquer meio que impeça a vítima de se locomover. Como por exemplo, amarrá-la pelos pés e mãos dentro de um quarto, em uma mata, em um porta malas de um carro, etc.
Mas é preciso ter cuidado! Considerando que a liberdade de locomoção é um bem disponível, o consentimento consciente e válido da pessoa em ser amarrada (em determinadas situações) não permite concluir pela prática do crime em discussão.
Qual a pena para cárcere privado?
Feita essa ideia geral do que constitui o delito, agora passamos a analisar as penas impostas. Desde já, devemos nos atentar para duas situações:
A primeira situação diz respeito a figura simples do delito prevista no caput do art. 148 do CP, a qual atribui-se uma pena de 1 a 3 anos, havendo inclusive a possibilidade do oferecimento da Suspensão Condicional do Processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95).
Já a segunda situação trata de estabelecer as qualificadoras do delito. Isto é, condições que por denotarem maior gravidade na execução do crime exigem um maior rigor da aplicação da lei penal. Aqui, elas estão previstas no §1º e §2º, que alteram o mínimo e o máximo da pena estabelecida no caput do artigo.
Uma observação importante com relação ao inciso I, e que pode inclusive figurar como eventual tese de defesa para o afastamento de qualificadoras, é que esse rol é encarado como taxativo. Ou seja, não admite uma interpretação extensiva.
Portanto, se você se deparar com uma vítima sendo um parente colateral ou por afinidade, não deve incidir a qualificadora. Aqui, trago o seguinte exemplo: Se o enteado priva a liberdade do padrasto por qualquer meio, ele não deve responder pela figura qualificada do crime, mas sim na sua modalidade simples.
Leia também: Entenda o que é e como funciona o habeas corpus!
Tem fiança para cárcere privado?
Sim, é possível o arbitramento de fiança. Para isso, você deve sempre se atentar principalmente para os artigos 322 e 323 do Código de Processo Penal.
Continue a leitura para entender como funciona essa fiança e quais as exceções existentes! 😉
Quem tem competência para arbitrar a fiança?
Conforme o artigo 322 do CPP, a autoridade policial pode conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 anos.
Portanto, nos casos do caput do art. 148 do CP é possível o arbitramento de fiança logo em sede policial, e você pode fazê-lo mediante petição endereçada à autoridade policial.
Agora, em se tratando das qualificadoras do §1º e §2, somente a autoridade judicial poderá conceder fiança. Sendo assim, durante a audiência de custódia, o advogado pode solicitar a liberdade provisória com ou sem o pagamento de fiança, apresentando suas argumentações para sustentar esse pedido.
Em quais casos não é admitido fiança no cárcere privado?
Mais importante do que saber quem é a autoridade responsável pelo arbitramento da fiança, é preciso saber se o delito cometido admite ou não a referida medida.
Essa é uma tarefa que fica ao encargo do art. 323 do CPP, e apresenta os casos em que não será concedida fiança. Dessa forma, não será concedida a fiança nos crimes de:
- racismo;
- tortura;
- terrorismo;
- aqueles definidos como hediondos;
- tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;
- e nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
Leia mais sobre crimes hediondos aqui no Portal da Aurum!
Cárcere privado e a Lei Maria da Penha
É extremamente importante ressaltar que o crime de cárcere privado está diretamente relacionado aos casos abrangidos pela Lei Maria da Penha. Isso ocorre porque o agressor, aproveitando-se do ambiente doméstico e do sigilo em relação à sociedade, pode cometer o crime de privação de liberdade contra a vítima.
Ressalto que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorre de toda ação ou omissão baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (Art. 5º da Lei n. 11.340/06)
E, conforme já mencionado anteriormente, o cárcere privado não se resume à violência física. Assim, o agente pode se valer de violência psicológica para a prática do delito.
Considerando a importância da conceituação do que vem a ser violência psicológica, abaixo encontramos a definição trazida pelo art. 7o, II da Lei Maria da Penha. Vejamos:
No poder judiciário, nos deparamos com inúmeros casos de cometimento do crime de cárcere privado cometido no âmbito doméstico. Portanto, é de extrema importância a conscientização da existência e prática desse delito para que mais pessoas possuam as ferramentas necessárias para conseguir identificar e denunciar esse delito.
Leia também: O que são infrações penais e o que você precisa saber!
Como denunciar o cárcere privado?
Primeiramente, você pode entrar em contato com os meios oficiais disponíveis da Polícia Militar do seu Estado como também da Polícia Civil.
Além disso, no próprio site das instituições você encontrará o e-mail, contato ou o procedimento que deve ser adotado para formalizar a denúncia, não descartando a possibilidade de comparecer pessoalmente e registrar um Boletim de Ocorrência.
Com base nas informações que forem apresentadas por você, a autoridade policial irá proceder com as medidas legais aplicáveis à situação, seja para proceder com eventual prisão em flagrante, instauração de investigação ou ajuizamento de ação judicial.
Você também encontra nos portais do governo os meios e informações que tornam possíveis as eventuais denúncias. Como por exemplo, o “Ligue 180” que trata da Central de Atendimento à Mulher. Ou até mesmo, os meios de comunicações disponíveis no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
O site do Ministério Público também costuma dispor de um canal direto para a realização dos registros de representações que indiquem a possibilidade da ocorrência de um delito.
Entretanto, quando for realizar a comunicação às autoridades competentes, é essencial que você tenha posse de informações que permitam, por exemplo, a identificação da data, do horário, local, pessoas envolvidas, bem como de elementos que ajudem a comprovar o fato noticiado.
Mais liberdade no dia a dia
Perguntas frequentes
Ainda possui dúvidas sobre o tema abordado? Sem problemas, nós preparamos uma seção especial com as principais perguntas relacionadas ao cárcere privado. Confira:
O que é cárcere de privado?
Cárcere privado é a detenção ilegal de uma pessoa contra sua vontade, restringindo sua liberdade a um espaço limitado, como um quarto ou banheiro, privando-a de se movimentar livremente.
Quanto tempo caracteriza cárcere privado?
Não existe um limite de tempo específico estabelecido, mas a privação ilegal de liberdade pode ser caracterizada a partir do momento em que alguém é mantido contra sua vontade, sem justificativa legal adequada.
Qual é a diferença entre sequestro e cárcere privado?
No sequestro, a vítima é mantida em um espaço maior, com possibilidade de locomoção, enquanto no cárcere privado, a vítima fica confinada em um ambiente pequeno, como um quarto, e não necessariamente há exigências de resgate.
Para aprofundar ainda mais o seu conhecimento sobre esse tópico, nós da Aurum ainda recomendamos o seguinte vídeo:
Conclusão
Ao chegar no final dessa leitura, podemos concluir que a compreensão das condutas que definem a prática do delito de Cárcere privado não se limita à esfera de atuação do operador do direito.
Dessa forma, possuindo uma aplicabilidade dentro da própria sociedade, o cidadão dispõe de meios para identificar a ocorrência desse crime dentro do seu seio familiar, na casa ao lado, no relato de um(a) colega ou de um desconhecido. E, com esse entendimento, poderá tomar as providências legais cabíveis para auxiliar as autoridades a cessar o delito, resguardando a vítima.
Espero que este artigo tenha sido útil à você! Qualquer dúvida ou contraponto, não hesite em contribuir nos comentários. 😉
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Conheça as referências deste artigo
Código Penal;
Código de Processo Penal;
Lei Maria da Penha.
Advogado (OAB 50488/SC). Bacharel em Direito pela Universidade União Bandeirantes. Pós-graduado em Direito Penal pela Faculdade Damásio. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá. Advogado autônomo com atuação especializada no âmbito Criminal perante autoridades policiais e judiciárias. Entusiasta...
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