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Confira os tipos de crimes contra a honra e saiba o que importa à defesa!

Confira os tipos de crimes contra a honra e saiba o que importa à defesa!

13 jul 2023
Artigo atualizado 11 ago 2023
13 jul 2023
ìcone Relógio Artigo atualizado 11 ago 2023
Injúria, calúnia e difamação são os delitos identificados como crimes contra a honra. Previstos no Código Penal, buscam proteger a honra do indivíduo – bem garantido constitucionalmente – mediante a penalização de atos de ofensa que a maculem perante a sociedade ou perante a própria vítima.

Injúria, calúnia e difamação são os delitos identificados como crimes contra a honra. Previstos no Código Penal, buscam proteger a honra do indivíduo – bem garantido constitucionalmente – mediante a penalização de atos de ofensa que a maculem perante a sociedade ou perante a própria vítima.

A honra é tanto um sentimento interno, pelo qual uma pessoa pode se ver inclinado a praticar as virtudes e manter uma conduta proba, como é também entendida como uma espécie de nivelador do tratamento devido a alguém pela sociedade.

Uma pessoa que carrega em si o sentimento de honra se vê como cidadão que cumpre suas obrigações perante a sociedade, exercendo justiça em suas relações interpessoais. Por outro lado, a sociedade pode classificar uma pessoa como menos ou mais honrada a depender de quão bem essa pessoa se adequa às expectativas sociais.

Como bem imaterial, a honra pode ser atingida tanto por palavras como por atos, e por ser um conceito humano que sofre algumas variações em cada modelo familiar e em cada cultura, um mesmo ato praticado a pessoas diversas pode resultar em diferentes graus de ofensa à honra.

Diferente da grande maioria dos crimes tipificados no Código Penal, os crimes contra a honra se processam por ação penal privada, de forma que as vítimas desses crimes, se tiverem interesse na intervenção estatal, deverão saber como agir para que não deixem o seu ofensor livre de responder penalmente pela ofensa praticada.

Igualmente, é de extrema importância que advogados criminalistas conheçam os detalhes de cada tipo penal que integra os crimes contra a honra, e saiba quais os passos necessários para que o autor do delito seja processado criminalmente, para que possam representar os interesses das vítimas dos crimes contra a honra.

Quer conhecer mais sobre o assunto, e sentir maior segurança na defesa dos interesses de uma vítima de crime contra a honra? Veremos, adiante, vários aspectos essenciais dessa espécie de crime, e quais cuidados devem ser tomados na responsabilização penal do ofensor.

Continue a leitura para saber mais! 😉 

O que são os crimes contra a honra?

Protegida constitucionalmente, a honra é um bem tida como inviolável:

CF – Art. 5º […] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Enquanto a Constituição Federal eleva a honra ao patamar de garantia individual, o CP promove sua proteção mediante a criminalização de condutas que intentem ofender a honra.

A relevância da honra em nossa sociedade é imensa, sendo que, para algumas pessoas, a honra possui um valor superior ao valor da vida. Essa percepção é verificada na manifestação do político José Alencar, que, após mais de uma década de luta contra o câncer afirmou:

Não tenho medo da morte, eu tenho medo da desonra, que um homem público deve ter medo da desonra, porque um homem honrado, ele não morre nunca, mesmo depois de sepultado, ele continua vivo na memória de todos que o conheceram.” (Folha de S. Paulo online, 2010)

Assim, se tratando de bem relevante tanto para o indivíduo como para a sociedade, posto os membros da sociedade inevitavelmente dispensarão tratamento a cada indivíduo conforme a honra que atribua a cada um, é natural que o Direito Penal busque proteger a honra, seja objetiva ou subjetiva.

Rogério Greco (2022, cap. V) explica que a honra objetiva abarca a imagem que a pessoa entender der perante a sociedade, enquanto a honra subjetiva trata do:

Conceito que a pessoa tem de si mesma, dos valores que ela se auto atribui e que são maculados com o comportamento levado a efeito pelo agente”.

Importante registrar que os crimes contra a honra podem ser praticados por meio da fala e de mensagem escrita, ou mesmo por gestos ou atos simbólicos, conforme ensina Nelson Hungria (1958).

Sabendo o que são os crimes contra a honra, é importante também conhecer quais são eles, de forma que se possa diferenciar cada tipo penal.

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Quais são os crimes contra a honra? 

Os crimes contra a honra são uma espécie composta pelos tipos penais de calúnia, difamação e injúria. É importante se atentar que cada delito corresponde a um ato específico com aplicações diferentes, embora seja comum vermos os termos sendo utilizados como um conjunto inseparável ou praticamente como sinônimos.

Calúnia

Prevista no art. 138 do CP, a calúnia é praticada por aquele que atribui a outra pessoa “falsamente fato definido como crime”, sujeitando-se à pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa.

Não basta atribuir uma característica à vítima, sendo indispensável que o ofensor atribua falsamente um fato a ela. Ou seja, sabendo não ser verdade, o ofensor afirma que a vítima praticou conduta que configura crime.

Para melhor compreendermos a diferença, vejamos o seguinte exemplo:

Se uma pessoa, durante uma conversa entre amigos, diz que seu vizinho é um “ladrão” e “estelionatário”, não pratica calúnia (embora o fato configure outro crime, como veremos adiante).

A calúnia é praticada se, sabendo ser mentira, a pessoa fala que seu vizinho furtou objetos da casa ao lado ou ludibriou um idoso do bairro visando lucro ilícito.

Ou seja, a calúnia só ocorre quando o ofensor transmita essa informação falsa para um terceiro, atingindo a “honra objetiva” da vítima – isto é, sua honra perante outras pessoas.

Não é necessário que a pessoa tenha “criado” a falsa atribuição, bastando que a relate a um terceiro para que incorra nas penas do delito. Se a calúnia for cometida contra pessoa morta, é igualmente punível.

Difamação

A difamação é praticada quando uma pessoa atribui a outra um “fato ofensivo à sua reputação”. Conforme o art. 319 do CP, ela pode ser punida com pena de detenção de três meses a um ano e multa. 

Diferente da calúnia, para difamar alguém não há a necessidade de que o fato atribuído à vítima seja falso nem ilícito. Há práticas que, embora não sejam ética ou legalmente reprovadas, são censuradas pela moral social.

É conduta difamante, por exemplo, dizer a um terceiro, com a intenção de ofender a honra da vítima, que ela trai seu cônjuge reiteradamente, ou que ela comete frequentemente erros grosseiros em sua profissão.

Portanto, a difamação é aquilo que popularmente conhecemos como “fofoca maldosa”. Assim como na calúnia, o tipo penal da difamação visa proteger a “honra objetiva” da vítima, não se configurando caso o ofensor faça suas ilações apenas à própria vítima ou consigo mesmo.

Injúria

Injuriar alguém é ofender a dignidade ou o decoro desta pessoa, sendo um crime punível com detenção de um a seis meses ou multa, conforme art. 140 do CP.

Diferentemente dos outros crimes que vimos anteriormente, a injúria é praticada diretamente à vítima, não se tratando mais de ofensas à honra dela perante a sociedade, mas sim de ofensas à honra interna, subjetiva.

Anibal Bruno, citado por Rogério Greco (2022, cap. V), explica que:

Injúria é a palavra ou gesto ultrajante com que o agente ofende o sentimento de dignidade da vítima. […] Dizer de um sujeito que ele é trapaceiro seria ofender sua dignidade. Chamá-lo de burro, ou de coxo seria atingir seu decoro”.

E a pena da injúria pode deixar de ser aplicada se o ofendido:

De forma reprovável, provocou diretamente a injúria” ou se houve “retorsão imediata, que consista em outra injúria” (art. 140, § 1º, CP).

Aqui, chama atenção o fato de que o crime de injúria, enquanto que em sua classificação simples é o que tem menor pena em abstrato, possui qualificadoras cujas penas superam as dos demais crimes contra a honra.

Injúria real

Qualificadora do crime de injúria, a injúria real é tipificada no §2º do art. 140 do CP, e é constatada quando o agente usa de:

Violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes”.

E, ela é punida com detenção de três meses a um ano, e multa, “além da pena correspondente à violência”.

Veja-se que, para que os atos de violência ou vias de fato caracterizem a injúria real, eles devem ser praticados sem o intento de ofender a integridade física ou a incolumidade pessoal da vítima. Seu objetivo precípuo é a ofensa à sua honra, provocando na vítima sentimentos como desprezo e inferioridade.

De acordo com Rogério Greco, a injúria real pode ser:

O tapa no rosto que tenha por finalidade humilhar a vítima, o puxão de orelha, o fato de o agente ser expulso de algum lugar recebendo chutes em suas nádegas”.

Merece atenção o fato de, se a prática da injúria real resultar também em outro delito, como a lesão corporal, o ofensor responderá por ambos os crimes cometidos. Isso ocorre mediante concurso formal ou material, a depender do caso.

Injúria preconceituosa

A injúria preconceituosa, outra qualificadora do crime de injúria, tipificada no § 3º do art. 140, do CP, “consiste na utilização de elementos referentes a religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência”, sendo punida com reclusão de um a três anos, e multa.

São vários os exemplos práticos de injúria preconceituosa na jurisprudência. Como por exemplo, um homem, “ao xingar a vítima de ‘velha safada’, cometeu o crime de injúria qualificada” (TJDFT – 0018550-88.2016.8.07.0009, pub. 18/12/2017).

Em outro caso, foi “configurada a injúria qualificada” porque “a expressão dirigida às vítimas – ‘crentes safados’ – … evidencia … intuito de menosprezar e ofender [as vítimas] em virtude de sua religião” (TJ-MS – APR: 00074647220178120001, pub. 17/06/2021).

É preciso se atentar que a utilização de elementos referentes a raça, cor e etnia, que integravam o tipo penal da injúria preconceituosa até recentemente, mas já não integram mais a injúria preconceituosa.

Injúria racial

A injúria racial, agora compondo o art. 2º-A da Lei nº 7.716/1989 (Lei do Crime Racial), corresponde a “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional”, sendo punido com reclusão de dois a cinco anos, e multa.

Os atos de ofender a dignidade ou o decoro de alguém em razão de raça, cor, etnia outrora integravam o tipo penal da injúria preconceituosa. Porém, foram apartados para tipo penal próprio com o advento da Lei nº 14.532/2023.

O novo tipo penal possui parágrafo único, pelo qual o crime terá aumento de pena em metade, se “cometido mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas”.

Como já definido pelo STF anteriormente, “o crime de injúria racial configura uma forma de racismo e é imprescritível” (2021), entendimento que certamente se mantém agora que a injúria racial foi instituída por artigo na própria Lei do Crime Racial.

Crimes contra a honra: o que a defesa precisa saber?

Os crimes contra a honra, por sua natureza distinta, possuem certas características exclusivas, tanto nos seus requisitos para a ação penal quanto para a extinção da punibilidade.

As observações tecidas adiante não se aplicam ao crime de injúria racial, vez que, incluso na Lei do Crime Racial, foi retirado do capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal.

Exceção da verdade nos crimes contra a honra

Uma peculiaridade de alguns crimes contra a honra é a possibilidade de o ofensor invocar a exceção da verdade para que demonstre não ter incorrido na prática do crime.

O instituto da exceção da verdade é aceito no caso de calúnia e, excepcionalmente, no caso da difamação. Na difamação, a exceção da verdade só será possível quando o ofendido é funcionário público, e em caso bem específico, como será verificado em tópico próprio.

Na calúnia, conforme § 3º do art. 138, aquele que atribui a outro a prática de fato definido como crime tem o direito de fazer prova da veracidade dos fatos atribuídos ao ofendido. Se comprovada a veracidade do fato, não há crime, já que não foi imputado falsamente o fato.

Há apenas três situações nas quais a exceção da verdade não poderá ser suscitada quanto à calúnia:

Se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível”

Ou seja, se a calúnia é em relação a atribuição de fato criminoso que apenas a vítima pode buscar a responsabilização do agente (crime de ação penal privada), a exceção da verdade só será aceita caso a “vítima” da “calúnia” já tenha sido condenada pelo fato.

Se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141”.

Já aqui, o inciso I do art. 141 prevê aumento de pena para a calúnia praticada contra “o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro”, sendo que, além do aumento da pena, é incabível a exceção da verdade para a calúnia praticada contra aqueles que exercem função de governança máxima de uma nação.

Se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível”.

E, por fim, se ao ofendido for atribuído fato criminoso de ação pública, a exceção da verdade em regra sempre poderá ser alegada, a menos que sobrevenha sentença irrecorrível absolvendo o ofendido do fato a ele atribuído pelo caluniador. 

Crimes contra a honra praticados contra servidores públicos 

Os servidores públicos, pela condição de sua profissão, recebem especial proteção da lei, mas ao mesmo tempo têm maiores responsabilidades e deveres perante a sociedade. Nós podemos ver esse trato distinto também nos crimes contra a honra.

Dessa forma, não comete crime o funcionário que relata fatos difamantes ou ofende a dignidade ou o decoro de alguém, se o faz “em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício” (art. 142, inc. III, CP).

Rogério Greco (2022, 5.2.7) justifica a pertinência da imunidade concedida ao funcionário público, já que: 

Mesmo que emitindo conceitos desfavoráveis, o faz em benefício da Administração Pública, sendo seu dever […] mesmo que com seus conceitos venha a, aparentemente, macular a honra objetiva, ou mesmo a honra subjetiva das pessoas”.

Além dessa proteção no exercício da função, as penas são aumentadas quando o crime contra a honra é praticado “contra funcionário público, em razão de suas funções” (art. 141, II, CP).

Por outro lado, aquele que difamar funcionário público não comete crime se provar que ofendeu-lhe a reputação mediante a imputação de fato verdadeiro que tenha relação com o exercício de suas funções (art. 139, parágrafo único, CP).

A ressalva é muito bem vinda, posto que há atos que, se praticados por funcionários públicos, embora não configurem crime, podem configurar violação dos princípios da administração pública, e, evidentemente, serão do interesse da sociedade.

Aumento da pena nos crimes contra a honra

Os crimes contra a honra têm a pena aumentada em um terço, quando praticados contra pessoas que, por suas condições de especial vulnerabilidade ou por ocuparem cargos ou funções relevantes no poder público, hipóteses detalhadas nos incisos do art. 141 do CP.

O mesmo aumento incide quando o crime é praticado na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite sua divulgação (art. 141, CP). É o caso de crimes contra a honra praticados diante de uma plateia, em programas de televisão, radio etc.

Embora a majorante fosse aplicável para os casos de crimes praticados em redes sociais, a lei 13.964/2019 incluiu o § 3º no art. 141 do CP trouxe majorante específica para os crimes praticados nas redes.

Com a nova majorante foi estabelecido o aumento da pena em seu triplo quando o crime é “cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores”.

Numa época em que parte massiva das comunicações é realizada em redes sociais, onde muitas vezes a pessoa que primeiro publicou algo não tem controle sobre o ritmo e alcance da divulgação, revela-se importante a previsão de aumento.

A mesma lei, de 2019, incluiu também o § 1º, forçando a aplicação da pena em dobro ao crime contra a honra quando “cometido mediante paga ou promessa de recompensa”.

Exclusão do crime

Pela natureza dos crimes contra a honra, podemos perceber ambientes e profissões mais propícios à prática das condutas tipificadas, ou mesmo situações são necessárias.

O Legislador, atento a isso, listou as circunstâncias nas quais há a exclusão do crime. Ou seja, circunstâncias nas quais a prática das condutas tipificadas não configura crime.

Nos incisos do art. 142 do CP vemos que não é injúria nem difamação:

  • “a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador”;
  • “a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar”;
  • “o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício”.

Luiz Regis Prado (2010, p. 255) observa que quando a ofensa é proferida em juízo, seja em forma escrita ou oral, só há a exclusão do crime se for proferida no contexto da causa e de forma conexa a seu objeto.

A exclusão do crime no âmbito da crítica não guarda segredos, sendo clara a razoabilidade e a importância da previsão. Em relação aos funcionários públicos, já vimos melhor explicação no tópico específico (item 3.b.).

Importante destacar que, embora não cometa crime a parte ou procurador que profira ofensa em juízo, e o funcionário público na hipótese expressa, a mesma imunidade não se estende a terceiros.

Portanto, se alguém dá publicidade à injúria ou à difamação proferidas nas situações mencionadas (em juízo ou por funcionário público) estará cometendo crime, conforme parágrafo único do art. 142 do CP.

Observe-se, também, que a exclusão do crime só é possível na difamação e na injúria, não havendo previsão semelhante para a calúnia. 

A retratação dos crimes contra a honra

A retratação, extinção da punibilidade prevista de forma genérica no art. 107, VI, do CP, é mais uma singularidade dos crimes contra a honra, sendo esta cabível na calúnia e na difamação, estando excluída a injúria.

O art. 143 do CP assegura ao querelado (réu) a isenção da pena se ele, “antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação”.

Sendo uma prerrogativa do réu, não depende de aceitação por parte do ofendido (vítima/querelante), mas para que haja a isenção da pena é imprescindível que a retratação seja cabal e realizada antes da sentença.

O entendimento do STJ nesse sentido foi reafirmado na APn nº 912/RJ, cuja decisão compôs o Informativo nº 687, 8 de março de 2021:

A retratação, admitida nos crimes de calúnia e difamação, não é ato bilateral, ou seja, não pressupõe aceitação da parte ofendida para surtir seus efeitos na seara penal, porque a lei não exige isso. […] basta que a retratação seja cabal. Vale dizer: deve ser clara, completa, definitiva e irrestrita, sem remanescer nenhuma dúvida ou ambiguidade quanto ao seu alcance, que é justamente o de desdizer as palavras ofensivas à honra, retratando-se o ofensor do malfeito.”

O parágrafo único do art. 143 do CP dispõe que se a calúnia ou difamação foi cometida:

Utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa”.

A previsão tem dois pontos bastante pertinentes. Por um lado, dá ao ofendido a possibilidade de obter uma retratação que tenha, em tese, o mesmo alcance que a ofensa sofrida.

Dessa forma, se foi ofendido em programa de televisão divulgado em rede nacional, por exemplo, poderá estabelecer a necessidade de uma retratação a ser divulgada no mesmo meio.

Por outro lado, bastante interessante, isso só poderá ocorrer “se assim desejar o ofendido”. Essa previsão faz total sentido, vez que, a depender do caso, a retratação amplamente divulgada poderá ter como efeito reflexo a maior disseminação da ofensa, numa espécie de “efeito Streisand”.

Os limites dos efeitos da retratação

Vale se atentar que a retratação não é excludente de ilicitude, mas apenas de punibilidade, e surte efeitos exclusivamente na pena.

Eugêncio Pacelli e André Callegari, em livro citado no acórdão da já mencionada APn nº 912/RJ (STJ), afirmam que a retratação tempestiva “é considerada suficiente para retirar a necessidade da pena, diante de sua eficácia, pelo afastamento completo de suas consequências”.

No entanto, embora as consequências penais sejam extintas, os autores ressaltam que permanecem as consequências civis, como a possibilidade da condenação em indenizações.

Ademais, entendemos que deverá recair sobre o réu eventuais consequências processuais penais, mesmo após declarada a extinção da punibilidade. Especialmente quanto ao pagamento (ou ressarcimento) de custas e honorários, em aplicação analógica do art. 85, § 10, do CPC.

Como é o processo de crimes contra a honra?

São poucos os tipos penais que se procedem mediante ação penal privada, sendo que os crimes contra a honra são destaque nessa modalidade, além de possibilitarem instituto muito singular: as explicações em juízo.

Queixa-crime e crimes contra a honra

Em geral, nos crimes contra a honra previstos no Código Penal, “somente se procede mediante queixa” (art. 145), cabendo exclusivamente ao ofendido a legitimidade para impulsionar a justiça penal.

A exceção é no caso da injúria real que acarreta em lesão corporal. Uma vez que a lesão corporal é crime de ação penal pública, ambos os crimes serão julgados conjuntamente. se for decorrente de concurso formal ou material com a injúria real

A lei não faz acepção quanto à lesão corporal leve ou culposa, cuja ação depende de representação (art. 88 da Lei 9.099/95), de forma que se pode inferir que mesmo nesses casos a injúria real será julgada conjuntamente.

Explicações em juízo

Uma previsão bastante particular dos crimes contra a honra, disposta no art. 144 do CP, é a possibilidade de que aquele que se julgar ofendido possa pedir explicações em juízo.

Trata-se de procedimento que pode ser realizado antes do oferecimento de queixa. Nele será avaliado se o ofensor deverá responder pela ofensa, caso se recuse a dar explicações ou às der insatisfatoriamente.

A insuficiência das explicações fica a critério do juiz, e não do ofendido, sendo evidente aqui o exercício da discricionariedade pelo magistrado.

Se ausente ou insatisfatória a explicação, “isso não importará em confissão ou mesmo em uma condenação antecipada”, sendo que eventual queixa apresentada pelo ofendido “deverá ser procedida a normal instrução processual”, segundo Rogério Greco (2022).

Vemos, assim, que a explicação em juízo é faculdade do ofendido, e, se exercida, entendemos que poderá resultar no prévio reconhecimento da atipicidade da conduta, caso o juiz entenda satisfatória a explicação.

Do contrário, o ofendido poderá oferecer queixa normalmente, caso pretenda a responsabilização do ofensor.

Pessoa jurídica nos crimes contra a honra

Embora não possa ser autora de crime contra a honra, é possível que a pessoa jurídica figure como vítima em algumas hipóteses.

O entendimento do STF é no sentido de que apenas nos casos de difamação é que a pessoa jurídica pode ser vítima e oferecer queixa:

[…] CRIME CONTRA A HONRA DE PESSOA JURÍDICA: SOMENTE SE ADMITE A DIFAMAÇÃO. […] 4. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a prática dos crimes de injúria e calúnia somente é possível quando a vítima é pessoa física. […] 6. Queixa-crime rejeitada. (Pet 8481, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2020, processo eletrônico DJe-026, public. 11-02-2021)

Não obstante o entendimento do Supremo, que segue corrente doutrinária bastante consolidada, humildemente nos juntamos a autores que divergem do entendimento. Afinal, desde o advento da Lei 9.605/98 a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente, sendo possível atribuir a ela a prática de fato definido como crime.

Rogério Greco (2022, cap. V, 2.4) cita outros autores e conclui que se alguém divulga informação que sabe ser falsa, no sentido de pessoa jurídica estar poluindo ilegalmente o ambiente, “poderá ser responsabilizado pelo delito de calúnia”.

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Conclusão

Como se pode perceber, os crimes contra a honra possuem bastante características bem próprias, sendo muito distintos dos demais crimes no Código Penal.

Em geral, os advogados criminais se especializam e ganham experiência sempre voltada para a defesa criminal, deixando de observar relevantes aspectos da atuação nos interesses da parte ativa em ação penal privada.

Além disso, as previsões legais acerca dos crimes contra a honra sofreram alterações recentes, por leis promulgadas nos anos de 2009, 2015, 2019, 2021, 2022 e 2023, o que demonstra a necessidade de manter sempre atualizado o conhecimento sobre o tema.

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Conheça as referências deste artigo

“Não tenho medo da morte, tenho medo da desonra”, diz José Alencar. Folha de S. Paulo, 18 mar. 2010. Poder.
BRASIL. Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023. Brasília, DF: Diário Oficial da União de 11.1.2023 – Edição extra.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. APn n. 912/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 3/3/2021, DJe de 23/3/2021.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Injúria racial é crime imprescritível, decide STF.
BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.
DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Acórdão 1065362, 20160910189577APR, Relator: Jair Soares, 2ª Turma Criminal, data de julgamento: 6/12/2017, publicado no DJE: 18/12/2017. Pág.: 247. Inteiro teor.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. Vol. 2. 19. ed. – Barueri-SP: Atlas, 2022.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. vol. 6. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958.
MATO GROSSO DO SUL. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Acórdão em Apelação Criminal. Autos nº 0007464-72.2017.8.12.0001, Relator: Desª. Dileta Terezinha Souza Thomaz. Data de Julgamento: 11/06/2021, 3ª Câmara Criminal. Publicação: 17/06/2021.
PACELLI, Eugêncio; CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2019.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: Parte especial. Vol 2. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.


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Advogado (OAB 75.386/PR e 22.455A/MS), sócio do Alencar & Pressuto em Campo Grande-MS. Bacharel em Direito e especialista em Ciências Criminais pela PUC/PR. Possui larga experiência em procedimentos de inclusão em penitenciárias federais. Hoje atua exclusivamente na assessoria empresas, urbanas...

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