O princípio do juiz natural é um direito fundamental relativo à jurisdição. Segundo este princípio, ninguém poderá ser processado ou julgado senão pela autoridade previamente estipulada em lei.
Na organização política em que o direito impera, tal como a brasileira, o Poder Judiciário deve se manter distante de pressões políticas, bem como de preferências ideológicas, afetivas ou pessoais. Para garantir que isso aconteça na prática, a Constituição estipulou uma série de mecanismos jurídicos.
Internamente ao Poder Judiciário, positivou a necessidade de concurso público para investidura na função de juiz de direito. Aspirantes à magistratura precisam ser aprovados em exame objetivo, sem que haja apadrinhamento político. Essa situação é bastante diferente do que ocorre nos EUA, onde os juízes estaduais são eleitos e precisam disputar apoio por autoridades e figuras públicas.
Além disso, garantiu-se a vitaliciedade do magistrado. Uma vez investido no cargo e passado o período probatório, dá-se aos juízes a independência necessária para fazer seu julgamento, ciente de que apenas poderá ser afastado da função por processo judicial com decisão transitada em julgado.
Mas a imparcialidade também foi prevista do ponto de vista externo à magistratura. O que nos garante que, ao sermos processados, não estaremos diante de alguém escolhido para o caso é, justamente, o princípio do juiz natural.
Quer saber mais sobre esse importante princípio? Então continue nos acompanhando neste artigo! 😉
O que é o princípio do juiz natural?
O princípio do juiz natural é o mais basilar mandamento de um Estado de Direito. Cuida-se do direito inerente a cada sujeito de ser julgado por um juiz escolhido por regras previamente estipuladas. Segundo o princípio, apenas a lei anterior ao fato pode indicar o juiz da causa.
Assim, quando o Código de Processo Civil passa a organizar a competência para a processamento das causas, está a materializar o princípio do juiz natural.
Especificamente, quando o CPC diz que é competente o foro do alimentando, para a ação de alimentos (art. 53, II, CPC), determina que apenas o juiz lotado na comarca do alimentando poderá conhecer da causa. Havendo mais de um, a ação será distribuída por sorteio ao se protocolizar a petição inicial. Nem alimentante, nem alimentando poderão designar o julgador de sua preferência.
Como resume Fredie Didier Jr.:
as regras de distribuição [das ações] servem exatamente para fazer valer a garantia do juiz natural: estabelecem-se critérios prévios, objetivos, gerais e aleatórios para a identificação do juízo que será o responsável pela causa. É por isso que o desrespeito às regras de competência implica incompetência absoluta.”
Para aprofundar ainda mais os seus conhecimentos sobre esse tema, nós ainda recomendamos o seguinte vídeo:
Onde está previsto o princípio do juiz natural?
Como direito fundamental que é, o princípio do juiz natural está implicitamente previsto na Constituição, como interpretação do artigo 5º, incisos XXXVII e LIII. O primeiro dispositivo expressa que “não haverá juízo ou tribunal de exceção.”
Também conhecidos como tribunais ad hoc – ou tribunais para o caso – os tribunais de exceção são aqueles criados posteriormente a uma ocorrência, especificamente para julgá-la, em desrespeito ao sistema de atribuição de competências. O mais célebre juízo de exceção foi o Tribunal de Nuremberg, criado após o fim da Segunda Guerra para apurar e condenar os crimes praticados por militares nazistas.
Sobre a importância de órgãos julgadores específicos para casos envolvendo múltiplas jurisdições, no processo brasileiro:
é imprescindível que a autoridade judiciária julgadora preexista ao fato a que a ela será submetido para julgamento, bem como que seja constitucionalmente competente para tanto, a fim de que a adequação da prestação jurisdicional e a imparcialidade do órgão sejam asseguradas.”
Isso não significa que varas especializadas ou regras de prerrogativa de função estejam em desacordo com o princípio do juiz natural. Ao contrário, por se tratar de normas abstratas e aplicáveis a todos os casos que a elas se amoldem (em temática ou cargo do sujeito), são perfeitamente compatíveis com o sistema de separação de competências.
Por sua vez, o inciso LIII do artigo 5º da Constituição assevera que:
ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.”
Para além disso, a garantia de respeito ao sistema de distribuição de competência previamente estipulado, o dispositivo em questão estende o princípio do juiz natural para todos os processos que envolvam o julgamento por autoridades, não apenas as judiciais.
Dessa forma, mesmo em processos administrativos, as autoridades responsáveis por compor comissões, órgãos ou repartições julgadoras devem ser designadas por critérios objetivos, impessoais e que garantam a imparcialidade em face ao sujeito julgado.
Mais liberdade no dia a dia
Casos emblemáticos sobre princípio do juiz natural
Diversas ações rescisórias ou pedidos de nulidades se fundam no princípio do juiz natural. Afinal, sempre que houver preliminar de incompetência absoluta, estaremos a falar de ofensa à neutralidade do juízo.
Ainda assim, talvez o caso que melhor ilustre o princípio do juiz natural seja a Reclamação Constitucional n. 417, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, julgada pelo STF em 1993.
O caso em questão cuidava de uma Ação Popular ajuizada para anular a nomeação de todos os membros do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Acontece que, na ocasião, todos os juízes de primeiro grau estavam em estágio probatório, sem a dita vitaliciedade.
Dessa forma, tendo de julgar aqueles exatamente responsáveis por garantir a manutenção no cargo, não haveria garantia de independência e imparcialidade.
O caso chama atenção pois, seguindo a regra de competência tradicional, o juiz da causa seria qualquer magistrado de piso. No entanto, nessa situação, o cumprimento cego da regra iria contra o próprio princípio substantivo do juiz natural (a garantia de imparcialidade). Assim, coube ao STF processar e julgar o feito.
Conclusão
Pelo exposto, vimos que o princípio do juiz natural é, ao mesmo tempo, condição de independência do Poder Judiciário e direito fundamental do cidadão.
É garantia de autonomia do Judiciário, pois impede que juízes sofram interferências políticas para seleção de determinado julgador para determinada causa. Mas é também direito do indivíduo, na medida em que não será exposto a decisor parcial, ou eleito para seu caso.
Em outras palavras, pensar juiz natural é pensar em governo das leis, não dos homens.
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Conheça as referências deste artigo
DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 20 ed. Salvador: Jus Podivm, 2018.
Rcl 417, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/1993, DJ 16-04-1993 PP-06430 EMENT VOL-01699-01 PP-00155)
WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: vol. 1. 15 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
Advogado (OAB 97692/PR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Sou membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED) e sócio fundador da Martinelli...
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