O planejamento tributário constitui um meio lícito de minimizar ou evitar a ocorrência do fato gerador tributário e, consequentemente, reduzir a carga tributária incidente. Difere da evasão, em que o contribuinte, de forma ilícita, oculta a ocorrência do fato gerador por meio de fraude, sonegação ou simulação.
Não é novidade de que tanto pessoas físicas como jurídicas estão submetidas a elevadas cargas tributárias. Todavia, por vezes, uma interpretação equivocada da legislação ou a adoção de procedimentos ultra conservadores leva esses contribuintes a arcarem com valores superior àqueles efetivamente devidos ou, ainda, àqueles que seriam exigidos caso adotasse determinadas práticas absolutamente lícitas.
É tarefa do operador do direito, especialmente aquele da área tributária, conjuntamente com profissionais de outras expertises, como contadores e administradores, buscar meios lícitos que, sem impactar muito os objetivos de pessoas jurídicas ou físicas, importem na redução da carga tributária a ser suportada.
Qual a importância do planejamento tributário?
Nas palavras de Francisco Coutinho Chaves, “planejamento tributário é o processo de escolha de ação, não simulada, anterior à ocorrência do fato gerador, visando direta ou indiretamente a economia de tributos”. Do referido conceito, pode-se extrair que há três elementos nucleares do planejamento tributário:
- ação ou omissão pelo contribuinte;
- licitude;
- diminuição da carga tributária.
É possível também adicionar ao conceito a necessidade de que essa ação ou omissão mantenha qualidade ou objetivo similar à operação que seria mais onerosa, bem como que não configure abstenção imotivada do fato gerador.
Caso contrário, a simples venda de um imóvel poderia ser considerada planejamento tributário, visto que haveria ação lícita que resultaria em diminuição da carga tributária de IPTU.
Assim, geralmente, o planejamento tributário buscará objetivos similares àqueles que seriam atendidos pela conduta mais onerosa.
Por exemplo, em casos de holding patrimonial, o aluguel dos bens imóveis continuará a ocorrer por meio da pessoa jurídica, porém de maneira menos onerosa, sob o ponto de vista tributário, em comparação àquela referente à pessoa física.
O planejamento tributário encontra guarida constitucional especialmente nos princípios da legalidade geral (art. 5º, inciso II, da CF), legalidade tributária (art. 150, I, da CF) e da livre iniciativa (art. 1º e art. 170, ambos da CF).
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Seu cerne funda-se na concepção de que o contribuinte não deve ser obrigado a optar pela operação mais onerosa quando há alternativa lícita, ainda que não usual, que resulte em economia tributária.
Sobre o tema, colhe-se da lição de Luciano Amaro:
É legítima a eleição propositada de formas jurídicas (lícitas, obviamente) que resultem ou possam resultar em menor incidência tributária. […] Noutras palavras, não configura prática ilegítima aquilo que se costuma denominar planejamento tributário.”
É evidente, portanto, a importância do planejamento tributário: evita, de maneira absolutamente lícita, que contribuintes arquem com carga tributária mais elevada do que aquela legalmente exigida.
Planejamento tributário e a evasão fiscal
É justamente a licitude que distingue o planejamento tributário – também chamado pela doutrina de elisão tributária – da evasão fiscal, essa sim ilícita, geralmente resultante de: fraude, sonegação ou simulação.
O art. 72 da lei n. 4.502/64 define fraude como:
Toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento.”
Já a sonegação encontra definição no art. 71 da mesma lei:
Toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I – da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II – das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente.”
Por fim, a simulação possui seu conceito estampado no art. 167 do Código Civil:
Todo ato ou omissão dolosa visando transparecer situação diversa da efetivamente pretendida – dissimulada.”
Trata-se da realização de um ato aparente (simulado) para encobrir outro tributariamente mais oneroso (dissimulado). Como exemplo, podemos citar uma doação encoberta por uma “compra e venda” simbólica, cujo valor é inexpressivo.
Nesse caso, o ato simulado é de compra e venda, todavia, dadas as características da operação (valor irrisório), constata-se que se trata, na verdade, de doação (cuja alíquota de ITCMD é superior ao ITBI).
Importante observar que é geralmente com a simulação que muitos planejamentos tributários flertam, colocando-se sobre uma linha tênue entre licitude e ilicitude. Desse modo, deve-se observar quais os limites que doutrina e jurisprudência impõe.
Limites ao planejamento tributário
A teoria mais célebre a respeito de planejamento tributário, usualmente aplicada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), é oriunda do direito americano: averiguação do business purpose (propósito negocial).
Em síntese, pela teoria do business purpose, verifica-se se a operação praticada pelo contribuinte possui qualquer outra razão que a não simples economia do tributo. Caso a operação atípica praticada pelo contribuinte tiver como único objetivo a diminuição do ônus tributário, será desconsiderada pelo fisco, exigindo-se o tributo relativo à operação típica.
Interessa ressaltar que, apesar de habitualmente aplicável pelo CARF, a referida teoria não possui respaldo legal no direito brasileiro. Inclusive, houve tentativa de regulamentação (MP n. 66/02) do art. 116, do Código Tributário Nacional, com a inclusão da averiguação do propósito negocial. Todavia, a MP n. 66/02 jamais chegou a se consagrar lei.
Teorias alemãs
É ainda relevante destacar as teorias alemãs da interpretação econômica e do abuso de formas jurídicas que eventualmente são aplicadas pelo CARF.
Com base nessas teorias, o negócio ou ato jurídico realizado pelo contribuinte, ainda que lícito, deverá ser visto e tributado com base em seu substrato econômico e finalidade, independentemente de sua configuração jurídica.
É o que ocorre nos casos em que um indivíduo, buscando vender seu imóvel, constitui sociedade com outro e, enquanto um integraliza o bem, o outro integraliza dinheiro. Logo em seguida, liquidam a sociedade e aquele que entrou com o imóvel sairá com o dinheiro e vice-versa (chamada operação “casa-separa”, já rechaçada pelo CARF).
Nesse caso, apesar de todas as operações serem lícitas, houve, a rigor, uma compra e venda que, sob a égide das referidas teorias, deverá ser tributada como tal.
Mais liberdade no dia a dia
Como fazer um planejamento tributário?
A elaboração de um bom planejamento tributário deve levar em conta todos os assuntos aqui tratados. Em primeiro lugar, deve-se constituir uma operação lícita, caso contrário já estaríamos nos referindo à evasão fiscal, ilícita e potencialmente criminosa.
Em segundo, devemos levar em conta o posicionamento (ainda que equivocado) do CARF e dos tribunais, especialmente no que diz respeito às teorias do propósito econômico (business purpose), da interpretação econômica e do abuso das formas jurídicas.
Assim, todo e qualquer planejamento tributário, especialmente aquele mais arrojado, terá riscos inerentes, de modo que o advogado deverá sempre cientificar seus clientes da possibilidade de insurgência do Fisco, ainda que em desatino com o ordenamento jurídico.
Com isso, o equilíbrio dos riscos e benefícios será sempre uma importante questão de qualquer planejamento tributário.
Papel do advogado
Cabe ao advogado a minimização dos riscos, sem, contudo, valer-se de conservadorismo exagerado que culmine em ônus desnecessário ao cliente. Aqui, o advogado deve utilizar de seu conhecimento jurídico e prático, com foco especialmente na jurisprudência, para dosar arrojamento e conservadorismo.
Por fim, o advogado deve sempre ter a humildade de procurar o auxílio de outros profissionais, como contadores e administradores, a fim de revestir o planejamento tributário das melhores qualidades possíveis com o somatório dessas expertises.
Conclusão
Planejamento tributário não é um assunto simples e não possui fórmulas mágicas. Não espere encontrar em livros dogmáticos uma série de planejamentos infalíveis que resultem em drásticas reduções tributárias ao contribuinte. Há sim alguns modelos bastante genéricos que, para serem eficientes, devem ser adaptados à realidade específica do cliente.
Entretanto, o planejamento tributário será realmente eficiente quando, a partir dos requisitos básicos aqui descritos, for criado, adaptado e efetivamente aplicado a um contribuinte em especial, consideradas suas particularidades.
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Advogado sócio de Bertoncini, Gouvêa & Tissot Advogados. Mestre em Direito com ênfase em Direito Tributário na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Bacharel em Direito pela Universidade Federal...
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