A Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/2012) teve o intuito de viabilizar a realização de grandes eventos esportivos no Brasil, notadamente a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014, atendendo a compromissos assumidos pelo país junto à FIFA.
A Copa do Mundo de Futebol é um dos eventos esportivos mais populares do planeta. Em 2018, quando o torneio foi realizado na Rússia, a FIFA mediu audiência recorde de 3,5 bilhões de telespectadores. Somente a final, disputada entre França e Croácia, atraiu mais de 1 bilhão de telespectadores.
Para o torneio de 2022, que vai acontecer nos meses de novembro e dezembro no Catar, espera-se que esse recorde seja novamente quebrado.
Um torneio desse tamanho demanda planejamento prévio e a assunção de obrigações por parte de todos os interessados, em especial do país sede da competição.
Por ser um torneio de natureza privada, mas que envolve o interesse público, tanto o Direito Privado, por meio de instrumentos particulares, quanto o Direito Público, por meio da legislação, movimentam suas ferramentas com a finalidade de tornar o evento realidade.
Nesse contexto, para tirar do papel a Copa do Mundo de 2014, o Brasil precisou adotar algumas medidas, onde uma delas foi a edição da Lei Geral da Copa.
Agora que mais uma Copa do Mundo está chegando, que tal relembrarmos um pouco no que consistiu a Lei Geral da Copa? 😉
O que é a Lei Geral da Copa?
A Lei Geral da Copa é um conjunto de compromissos que teve como objetivo proporcionar segurança jurídica à FIFA, viabilizando a realização de grandes eventos esportivos no país.
Em 2007 o Brasil foi escolhido como o país sede da Copa do Mundo de 2014, recebendo da FIFA, entidade organizadora do evento, um caderno de encargos a serem observados para viabilizar o torneio.
Como forma de cumprir os compromissos assumidos perante a FIFA, mesmo diante de calorosos protestos populares que se seguiram até a realização do mundial, sob o jargão “não vai ter Copa”, foi promulgada em 2012 a Lei nº 12.663, conhecida como Lei Geral da Copa.
Tratou-se de diploma legal multidisciplinar indispensável para que a Copa do Mundo pudesse ser realizada, operando alterações no Estatuto do Torcedor – Lei nº 10.671/2003, no Estatuto do Estrangeiro – Lei nº 6.815/80 e, ainda que não expressamente, no Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078/90 e no Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/03.
A Lei Geral da Copa, portanto, tinha como um dos principais objetivos dar maior segurança jurídica à própria FIFA na realização do torneio. Nisso, a Lei Geral da Copa trouxe algumas previsões discutíveis, inclusive sendo objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que será abordada em tópico próprio.
Portanto, é importante lembrar que a realização do torneio não foi imposta pela FIFA, mas que o Brasil se voluntariou a sediar o evento e, ao assim se oferecer, precisou cumprir às exigências da entidade máxima do futebol.
Por isso, ao mesmo tempo em que são compreensíveis os protestos populares que se seguiram ao anúncio do Brasil como país sede, pois importantes investimentos que poderiam ser vertidos em melhores condições à população foram direcionados à realização do evento, compreende-se, do ponto de vista jurídico, a necessidade de uma Lei Geral da Copa.
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Quando foi criada a Lei Geral da Copa?
O Brasil foi eleito como país sede da Copa do Mundo de 2014 em outubro de 2007. Somente em setembro de 2011, por meio do Projeto de Lei nº 2330, é que o Poder Executivo submeteu ao Congresso o texto da Lei Geral da Copa.
Diante da relevância, o Projeto de Lei Geral da Copa tramitou de forma urgente e foi convertido em Lei em junho de 2012, sob o nº 12.663.
Durante o processo legislativo, houve a constituição de uma Comissão Especial com a qual contribuíram diversos setores, entre eles entidades que representam o futebol no Brasil (Confederação Brasileira de Futebol e Federações estaduais), entidades de defesa do consumidor, entidades de regulamentação publicitária e entidades de proteção à Propriedade Industrial.
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A Lei Geral da Copa era constitucional?
A Lei Geral da Copa foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade, autuada sob nº 4.976, proposta pelo Procurador-Geral da República.
Em decisão de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, que foi acompanhado pelos seus pares – com exceção do Min. Joaquim Barbosa, que divergiu apenas no tocante à constitucionalidade do artigo 53 –, os referidos dispositivos não foram declarados inconstitucionais.
Os dispositivos apontados como inconstitucionais seriam os artigos 23, 37 a 47 e 53 da Lei 12.663/12, transcritos a seguir:
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Quais os principais artigos da Lei Geral da Copa?
A Lei Geral da Copa possui 71 artigos divididos em dez capítulos. Entre os principais artigos, é possível citar, primeiramente, aqueles que foram objeto de apreciação na ADI 4.976 – Ação Direta de Inconstitucionalidade. São eles:
Artigo 23 da Lei 12.663/12:
O artigo 23, que dispôs sobre a responsabilização da União perante a Fifa, foi questionado pela Procuradoria-Geral da República, pois, no seu entender, o dispositivo, ao adotar a teoria do risco integral, desconsideraria a disciplina constitucional que adotou a teoria do risco administrativo.
No entanto, o Supremo Tribunal Federal assentou em sua decisão que o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – CF/88, que disciplina a responsabilidade civil da Administração Pública, constitui um “mandamento básico sobre o assunto”. Assim, é possível em situações especiais que o Estado amplie a respectiva responsabilidade.
Artigos 37 a 47 da Lei 12.663/12:
Os artigos 37 a 47 disciplinaram a concessão de prêmio em dinheiro e pagamento de auxílio especial mensal aos ex-jogadores das seleções brasileiras das Copas de 1958, 1962 e 1970.
O questionamento da Procuradoria-Geral da República se cercou na violação ao princípio da igualdade, “já que não expressa qualquer razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público’”.
Além disso, o auxílio especial mensal seria inconstitucional por não indicar a fonte de custeio.
A irresignação foi rejeitada, consignando o Supremo Tribunal Federal ser justificada a implementação dos benefícios, sobretudo tendo em consideração o valor do futebol perante a cultura nacional, sendo dever do Estado, nos termos do artigo 215, § 1º, da Constituição Federal, proteger as manifestações das culturas populares.
Levou-se em consideração, ainda, o estado de penúria vivenciado por alguns dos ex-atletas, que, por tudo o que representaram na construção do sentimento nacional em relação às seleções brasileiras, deveriam ter sua dignidade preservada.
O Supremo Tribunal Federal rejeitou a inconstitucionalidade do auxílio mensal, pois entendeu que referido auxílio não integraria “o rol de benefícios e serviços regularmente mantidos e prestados pelo sistema de seguridade social”, mas de benesse assistencial. Portanto, não se aplicaria a exigência prevista no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal.
Artigo 53 da Lei 12.663/12:
A Procuradoria-Geral da República argumentou que o artigo 53 seria inconstitucional por ofender o princípio da isonomia tributária, insculpido no artigo 150, inciso II, da Constituição da República.
O Supremo Tribunal Federal afastou tal argumento, assentando o seguinte:
Assim, é de se concluir, por tudo quanto foi exposto, que a isenção das custas judiciais ora tratada não foi concedida a um beneficiário em particular, de modo a configurar um privilégio indevido.
Ao contrário, cuida-se de benefício fiscal concedido por um Estado soberano que, mediante uma política pública formulada pelo governo, buscou garantir a realização, em seu território, de eventos de maior expressão, quer nacional, quer internacional, o que torna legítimos os estímulos destinados a atrair o principal e indispensável parceiro envolvido, qual seja, a FIFA, de modo a alcançar os benefícios econômicos e sociais pretendidos”.
A decisão lembrou, ainda, que outras isenções tributárias já haviam sido concedidas à FIFA por meio da Lei nº 12.350/2010. Portanto, ante o interesse constitucional relevante, o pleito da Procuradoria-Geral da República foi rejeitado.
Além desses artigos questionados na ADI nº 4.976, vale mencionar:
- Os artigos 3º a 10º, que disciplinaram a proteção especial dos direitos de Propriedade Industrial;
- Os artigos 16 a 18, que tutelaram situações relativas ao chamado marketing de emboscada, que foi tipificada como crime pelos artigos 32 e 33;
- O artigo 11, que impôs a restrição comercial nos Locais Oficiais de Competição.
Lei Geral da Copa: aplicação temporária ou excepcional?
Além das previsões acima mencionadas, a Lei Geral da Copa trouxe disposições penais no Capítulo VIII.
Esses dispositivos, nos termos do artigo 36 da Lei Geral da Copa, vigoraram até dia 31/12/2014. Portanto, é possível afirmar tratarem-se de previsões de aplicação temporária.
Sobre os crimes de caráter temporário, vejamos o que diz o artigo 3º do Código Penal:
Art. 3º – A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
Apesar do prazo temporário, as normas mantiveram sua ultratividade. Ou seja, os crimes cometidos durante sua vigência continuaram, mesmo após o prazo estipulado, tendo o tratamento mais gravoso ao agente, excepcionando a regra da retroatividade da lei penal mais benéfica.
Os tipos penais criados pela Lei Geral da Copa também não escaparam das críticas. Primeiramente, questiona-se a própria constitucionalidade da lei penal temporária à luz do disposto no artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal.
Ainda, no caso da Lei Geral da Copa, questiona-se se as condutas ali tipificadas justificaram a adoção do regime de exceção previsto no artigo 3º do Código Penal. Isso porque não estaria presente uma situação emergencial ou de grande anormalidade que justificasse a criação de tipos penais temporários.
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Conclusão
Na arena do debate de ideias, da construção de nossa cidadania e do fortalecimento da consciência democrática, ante o engajamento da população em torno da Copa do Mundo de 2014, podemos afirmar que a experiência foi um marco importante em nosso país.
No entanto, hoje, olhando para trás, cabe a reflexão sobre o famigerado legado da Copa. Até que ponto nosso país conseguiu aproveitar as oportunidades surgidas com esse evento de dimensão mundial?
Para além das arenas esportivas construídas com grandes investimentos públicos, obras de infraestrutura que sequer foram terminadas, quais os benefícios materiais a realização da Copa do Mundo no Brasil trouxe aos brasileiros?
Essas são perguntas que, mesmo após 8 anos da realização do torneio, continuam sendo feitas e padecem de respostas unânimes.
Um dos maiores ídolos do futebol brasileiro chegou a afirmar, por ocasião de questionamento sobre os gastos públicos, que “não se faz Copa com hospital”. Mal sabia ele que, menos de 6 anos depois, estádios de futebol precisaram ser utilizados como hospitais.
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Advogado (OAB/PR 52.439). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Sócio fundador da Tisi Advocacia, em Curitiba-PR, com atuação em Direito Empresarial, Direito Civil, Propriedade Intelectual e Direito Desportivo....
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