O limbo previdenciário ocorre quando o empregado que estava afastado do trabalho recebendo benefício por incapacidade temporária ou permanente tem alta junto ao INSS, mas acaba sendo considerado inapto para o trabalho.
Ou seja, existe uma divergência de entendimento sobre a condição de saúde do empregado. E, respectivamente, a possibilidade de retorno ao trabalho também acaba sendo divergente entre os avaliadores: perito do INSS e médico da empresa.
É nesse contexto que surge o chamado limbo previdenciário, também conhecido como:
- limbo jurídico previdenciário;
- limbo jurídico previdenciário trabalhista;
- limbo previdenciário trabalhista;
- dentre outras variações.
A ocorrência do limbo previdenciário pode acarretar diversas consequências para o trabalhador e para seu empregador, especialmente de cunho financeiro.
Assim, convidamos o leitor a nos acompanhar para uma melhor compreensão do que é o limbo previdenciário, descobrindo se é possível evitá-lo ou, quais medidas podem ser adotadas para minimizar as consequências aos envolvidos. 😉
O que é limbo previdenciário?
O limbo previdenciário ocorre sempre que existe uma divergência de entendimento sobre a condição de saúde e capacidade para o trabalho de um empregado.
De um lado tem o INSS dizendo que aquele trabalhador possui condições de trabalhar, motivo pelo qual há o indeferimento ou a cessação do benefício por incapacidade.
Já do outro lado está o médico do trabalho da empresa com conclusão diferente, de que aquele empregado não tem condições de retornar às suas atividades em razão de problemas de saúde.
Aqui já temos uma primeira situação que define a ocorrência do limbo previdenciário: a divergência sobre a condição de saúde do empregado se dá entre o perito do INSS e o médico da empresa.
Assim, caso haja divergência entre o médico “particular” do empregado em relação ao entendimento do INSS e/ou do médico da empresa, não estamos diante do limbo previdenciário.
A expressão limbo previdenciário surge justamente do conflito de entendimento médico, pois não sendo considerado incapaz para o trabalho pelo INSS, o trabalhador não recebe benefício. Por outro lado, não sendo considerado capaz pelo médico do trabalho, a pessoa não pode retornar ao trabalho e não recebe salários.
Ou seja, no final o maior prejudicado pelo limbo previdenciário é o empregado, já que não tem nenhuma fonte de renda. Seja decorrente de benefício do INSS, seja em razão de salário.
Quando acontece o limbo previdenciário?
Como dito anteriormente, o limbo previdenciário ocorre sempre que existe entendimento divergente entre o INSS e o empregador.
Aqui existe uma outra discussão sobre o que caracterizaria o limbo previdenciário: se seria a inexistência de capacidade laboral para qualquer atividade ou se referida incapacidade deve se dar somente para as atividades e funções habituais do empregado.
INSS
Isso porque a avaliação do médico perito do INSS muitas vezes é no sentido de saber se aquela pessoa possui condições de trabalhar. Assim, o INSS acaba avaliando a capacidade de exercer qualquer atividade e não avaliando especificamente as atribuições e funções do empregado.
E, isso ocorre apesar de a legislação trazer como requisito o fato de o empregado “ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual”.
Médico do trabalho
Por outro lado, o médico do trabalho da empresa avalia de forma especifica se os problemas de saúde do trabalhador afetam a capacidade para o exercício de suas atividades habituais efetivas naquela empresa.
E, isso pode ser muito diferente da capacidade de trabalho em geral.
Por exemplo, pense em um empregado que tem por função a atividade de motorista. Pode acontecer algo que impeça esse funcionário de exercer sua função de motorista, mas ainda pode ser capaz de exercer funções administrativas internas.
Com isso, o perito do INSS pode considerá-lo apto ao trabalho enquanto o médico da empresa pode considerá-lo inapto. E, é essa diferença na forma de avaliação médica que na maioria das vezes causa o limbo previdenciário.
Leia também: O que é salário de benefício, como calcular e o que diz a lei!
Qual o entendimento que prevalece quando existe divergência entre perito do INSS e médico do trabalho?
Você pode se questionar se, nesses casos, o médico da empresa não teria melhores condições de atestar a existência de incapacidade. Isto é, ao levarmos em conta que ele teria maior conhecimento sobre o trabalho.
A resposta lógica ao questionamento seria que sim, que o médico do trabalho possui maiores condições de afirmar se determinada pessoa se encontra apta para o trabalho, já que saberia as reais condições do trabalho em determinada empresa.
Mas, por força da lei, as conclusões dos profissionais do INSS possuem presunção relativa de verdade. Isso ocorre pois estamos falando de atividade desempenhada por função pública.
Isso significa que havendo divergência de conclusão médica entre o perito do INSS e o médico do trabalho da empresa, a opinião deles será considerada a “correta”.
Essa conclusão vem da alínea “a” do inciso “I” do parágrafo terceiro do artigo 30 da Lei nº 11.907/2009. Segundo o texto legal, é competência do médico perito do INSS a emissão de parecer conclusivo quanto à incapacidade laboral.
No mesmo sentido, esse é o entendimento majoritário de nossos tribunais. Como por exemplo, no julgado RR-10655-82.2018.5.03.0069 do Tribunal Superior do Trabalho.
Mais liberdade no dia a dia
É possível contestar a decisão do INSS?
Apesar de haver a presunção de veracidade das conclusões do médico perito do INSS sobre a capacidade do trabalhador, ela é relativa. Portanto, pode ser objeto de contestação e impugnação pela empresa, caso discorde.
Entretanto, essa contestação e impugnação deve ocorrer de forma fundamentada. Na maioria das vezes, isso pode querer dizer que a empresa deverá ter muitos subsídios técnicos-médicos que comprovem a condição do empregado.
Ou seja, a empresa deve basear sua argumentação em exames complementares realizados pelo trabalhador. Se possível, ainda deverá ter laudos de assistentes técnicos que demonstrem de forma clara, direta e objetiva que aquele trabalhador não consegue desempenhar atividades na empresa.
Além disso, essa contestação ou impugnação pode ocorrer tanto na esfera administrativa quanto judicial.
Vias administrativas
Administrativamente, a empresa pode apresentar recurso ao Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS). Esse é o órgão responsável por avaliar se as decisões proferidas pelo INSS estão corretas ou não.
Isso porque, o Regimento Interno do CRPS disciplinado pela Portaria nº 116, dispõe em seu artigo 29 que detém legitimidade para recorrer das decisões do INSS. Sendo assim, o interessado, segurado ou beneficiário da Seguridade Social.
Além disso, a norma contemplou diversos sujeitos aptos a recorrer das decisões, na medida que falou de interessado, segurado e beneficiário da Seguridade Social. E, sendo a previdência administrada pelo INSS um dos pilares da seguridade social, que ainda é composta pela saúde e assistência social.
Daí porque a empresa pode impugnar a decisão do INSS que considera o trabalhador apto ao trabalho. No mesmo sentido, temos as disposições constantes do art. 537 da Instrução Normativa INSS nº 77, de 21 de janeiro de 2015.
Entretanto, esse direito deve ser exercido dentro do prazo de 30 dias contados da data em que se teve conhecimento da decisão proferida pelo INSS, esse prazo está previsto no artigo 31 do Regimento Interno do CRPS.
Vencido o prazo ou sendo julgado improcedente, mantém-se a decisão trazida pelo INSS e a empresa poderá recorrer ao Poder Judiciário.
Acompanhamento do processo administrativo
De acordo com os artigos 76-A e 76-B do Decreto nº 3048/1.999, a empresa pode protocolar requerimento de benefício por incapacidade de empregados seus.
Além disso, ainda pode ter acesso às decisões proferidas pelo INSS sobre benefícios requeridos por seus empregados, mesmo que o requerimento não tenha sido feito pela empresa.
Para isso, o empregador deverá acessar o site específico para Consultas por Empresas, disponibilizado pelo Ministério da Previdência. Portanto, é sugerido que as empresas adotem como procedimento padrão acompanhar o andamento das solicitações de benefícios de seus empregados.
E, deve ser feito de forma periódica sempre que o empregado ficar afastado do trabalho em razão de problemas de saúde Assim, é permitido que a empresa tenha conhecimento da decisão do INSS e, se for de seu interesse, conteste a decisão.
O que acontece com a empresa que impugnar ou contestar decisão do INSS?
Pode surgir a dúvida se existe algum ônus para a empresa em caso de contestação de decisão favorável ao empregado. E, a resposta é sim.
Isso ocorre em razão do limbo previdenciário. Além disso, havendo processo trabalhista do empregado contra a empresa, a jurisprudência tende a condenar a empresa a arcar com o pagamento dos salários dos empregados após a alta pelo INSS.
Somente durante o período de efetiva percepção de benefício por incapacidade pelo empregado que existe a suspensão do contrato de trabalho, nos termos dos artigos 475 e 476 da CLT. Ou seja, somente durante o período de vigência do benefício que a empresa está desobrigada ao pagamento de salários ao empregado.
Ainda, entendem os tribunais que é função social da empresa assegurar o mínimo existencial aos seus empregados. Além de ser o empregado a parte mais frágil em toda essa relação, já que fica no limbo previdenciário não por vontade própria, mas em razão da divergência de entendimento entre empresa e INSS.
Assim, sugere-se que sempre que a empresa se deparar com uma situação em que o empregado pode acabar no limbo previdenciário, adote todas as medidas possíveis para evitar referida situação ou procure minimizar os impactos ao empregado.
Seja alocando-o de forma temporária em funções compatíveis com suas limitações ou, se não for possível, que conceda licença remunerada.
Além do pagamento de salários referente ao período em que o empregado ficou no limbo previdenciário, se houver o entendimento de que a empresa cometeu ato ilícito poderá haver a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, nos termos apresentados nas decisões anteriores.
Com relação a outros tipos de benefícios, como plano de saúde, auxílio alimentação, dentre outros, se faz necessária a consulta às normas coletivas de trabalho da entidade sindical – convenções e acordos coletivos – já que cada categoria de empresas e trabalhadores pode ter disposição diferente.
Mas sempre que o empregado ficar na situação do limbo previdenciário a empresa terá quer arcar com o pagamento dos salários, além de eventuais outros benefícios e indenizações?
Não. Nossos Tribunais têm entendido que caso o empregado tenha o benefício indeferido ou cessado e se negue a retornar ao trabalho, ainda que em outras funções de forma temporária, não terá direito a qualquer tipo de reparação e/ou indenização.
Isso porque, nessas situações entende-se que a empresa não cometeu nenhuma irregularidade. Pelo contrário, quem não cumpriu com suas obrigações foi o empregado, que se recusou a retornar em atividade compatível com suas restrições e limitações.
Como se vê, caso o empregado concorra de alguma forma para que não haja o retorno ao trabalho, poderá a empresa ser dispensada do pagamento de valores referente ao período de ocorrência do limbo previdenciário.
E caso sejam acolhidas as alegações da empresa contra a decisão do INSS que considerou o empregado apto para o trabalho, resultando no restabelecimento do benefício e, tendo a empresa pago ao empregado valores a título de salário e outros benefícios entre a cessação / indeferimento do benefício e o restabelecimento, a empresa pode fazer algo?
Sim. Se após a empresa apresentar impugnação/contestação à decisão do INSS que considerou o empregado apto, e sendo referidos argumentos considerados válidos, seja no âmbito administrativo, seja no âmbito judicial, entende-se que a empresa poderá buscar do INSS a reparação dos danos materiais suportados, decorrente do pagamento indevido de salários e demais benefícios ao empregado.
Isso porque, foi a conduta ilícita do INSS, seja por ação ou omissão, através de seu médico perito, que resultou no indeferimento e/ou cessação do benefício ao empregado.
E tanto a Constituição Federal (art. 5º, X) quanto o Código Civil (art. 187, 186 e 927) asseguram o direito à reparação pelos danos sofridos, dever este que se aplica também à administração pública.
Ressaltamos que referido pedido de reparação necessariamente deverá ser pleiteado através de processo judicial, havendo, por consequência, todas as implicações e riscos de uma ação, motivo pelo qual deve a empresa avaliar a viabilidade de referido processo, já que eventual improcedência pode implicar em mais despesas, como custas processuais e honorários de sucumbência.
Qual o papel do advogado trabalhista no limbo previdenciário?
O papel mais importante do advogado trabalhista com relação ao limbo previdenciário é orientar ao seu cliente, seja empresa, seja empregado, quais os riscos e possíveis consequências, permitindo assim que o cliente tenha subsídios para decidir como agir em referida situação.
Sendo o cliente um empregador – já que tudo o que foi dito não se aplica somente às pessoas jurídicas empregadores, mas a qualquer tipo de empregador, inclusive pessoa física – sugere-se que este seja orientado a:
- Sempre acompanhar junto ao INSS o andamento e resultado dos benefícios requeridos por seus empregados, pois isso permite saber em tempo hábil o resultado;
- Havendo subsídio para contestar a decisão do INSS, interpor o recurso cabível, pois isso pode evitar o pagamento de valores indevidos aos empregados afastados, ou até mesmo viabilizar o ressarcimento de referidos valores;
- Tendo conhecimento do indeferimento e/ou cessação do benefício e, não sendo possível recorrer da decisão, entrar em contato com o empregado, convocando-o para retornar ao trabalho. Eventual recusa do empregado pode eximir a empresa de pagar valores em razão do limbo previdenciário, ou até mesmo rescindir o vínculo por justa causa em razão do abandono de emprego;
- Sempre que possível readequar o empregado em funções compatíveis com suas limitações e, não havendo nenhuma, estudar o pagamento de uma licença remunerada. Tais procedimentos também podem afastar eventual condenação em decorrência do limbo previdenciário;
Conclusão
Como visto, não é possível evitar a ocorrência do limbo previdenciário, já que este decorre da divergência de entendimentos médicos sobre condições clínicas de trabalhadores. Todavia, existem formas de se evitar ou minimizar as consequências, especialmente as financeiras para os empregadores.
Assim, é importante que tanto o empregador quanto seu advogado estejam atentos para situações que possam levar à ocorrência do limbo previdenciário e, identificando-as adotem medidas possíveis e necessárias para a minimização do efeitos, especialmente sobre os trabalhadores, que via de regra são os que acabam sofrendo mais com o limbo previdenciário.
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Conheça as referências deste artigo
Código Civil – Lei nº 14.406, de 10 de janeiro de 2002
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Lei nº 11907, de 2 de fevereiro de 2009
Instrução Normativa 77/2015, de 21 de janeiro de 2015
Regimento Interno CRPS – Portaria nº 116, de 20 de março de 2017 do extinto Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário
Regulamento da Previdência Social – Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999
RR-10655-82.2018.5.03.0069, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 18/06/2021
RR-1002150-86.2015.5.02.0241, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 21/05/2021
RR-1000596-30.2017.5.02.0441, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 27/11/2020
Advogada especialista em Direito Previdenciário e Direito Empresarial Previdenciário. Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB Santos/SP. Vice-presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas - Câmara Previdenciária Administrativa da OAB Santos/SP. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela...
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