O habeas data é uma ação constitucional que tem por objeto o conhecimento ou retificação de informações pessoais do autor, constantes em bancos de dados de caráter público.
Virou costumeiro explicar a atual economia dos dados a partir da expressão estrangeira “data is the new oil” (dados são o novo petróleo). Seja para entender o comportamento de consumidores, angariar novos clientes ou analisar o mercado.
O fato é que grandes empresas têm investido tempo e recursos para minerar, refinar e explorar os dados disponíveis na camada digital da sociedade. Mas, a compreensão do valor dos dados não é recente, e tampouco foi introduzida pela iniciativa privada.
Na verdade, os regimes autoritários que marcaram a Europa e América Latina no século XX já dedicavam forças-tarefas para investigar seus cidadãos e eliminar os dissidentes. No caso da ditadura brasileira, o governo arquivava, sigilosamente, informações referentes à convicção filosófica, política e religiosa dos indivíduos, além de seus comportamentos na esfera íntima.
É nesse contexto político que surge a figura do habeas data.
Positivado pela primeira vez na Constituição de 1988, o habeas data evoca os abusos estatais dos anos 1964 a 1985. Nasce como meio de impedir a coleta indiscriminada de dados de supostos “inimigos do regime”.
E, posteriormente, se torna esperança aos familiares dos desaparecidos nas mãos dos militares. Isto é, na medida em que revela as informações em posse do Estado.
Continue a leitura para entender mais sobre esse dispositivo! 😉
O que é o habeas data?
Tal como o mandado de segurança, o habeas data é um remédio constitucional. Ou seja, é um instrumento previsto na Constituição para que cada cidadão possa frear ilegalidades ou abusos de poder cometidos por autoridades públicas.
No caso da Constituição de 1988, o artigo 5º, inciso LXXII, garantiu o direito fundamental ao habeas data. Seu intuito é assegurar, ao autor da ação, o conhecimento de suas informações disponíveis em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Assim como, para corrigir dados equivocadamente coletados.
Desta forma, especificamente no caso do habeas data, o abuso de poder atacado é a vigilância indevida sobre determinado sujeito, ou a manutenção de dados incorretos.
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Qual a diferença entre habeas corpus e habeas data?
Eis uma dúvida de destaque nos serviços de busca online. Talvez porque muitos deixem de formular a pergunta em razão da aparência trivial e por força da timidez. A diferença entre os remédios constitucionais está na finalidade de cada um.
O habeas corpus serve para defender aquele que sofre limitação, ou ameaça de limitação, à liberdade de locomoção. Por isso, possui caráter eminentemente penal.
Por sua vez, o habeas data, objeto de nossa atenção, é direcionado para obtenção ou retificação de dados em posse da autoridade pública. Possui caráter civil e a proteção é sobretudo direcionada ao direito de privacidade.
Na realidade, além do status de ações constitucionais, as figuras nutrem entre si poucas semelhanças. Se a confusão é por causa do prenome idêntico, sugiro que os traços de diferenciação se concentrem no objeto da expressão em latim:
- corpus sugere a coação física – corporal – à liberdade;
- data significa dados.
Portanto, o primeiro protege o corpo da violação estatal, o segundo protege os dados pessoais.
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A Lei do Habeas Data (Lei nº 9.507/97) e sua regulamentação.
Apesar da enunciação constitucional do habeas data, o instituto possui regulamentação autônoma na Lei nº 9.507/97.
É no diploma infraconstitucional que se encontram:
- as hipóteses de cabimento;
- os pressupostos de admissibilidade;
- as condições de legitimidade das partes;
- a competência de julgamento;
- e, o procedimento judicial.
Quais os requisitos do habeas data?
Nos termos do artigo 7º da Lei nº 9.507/97, será cabível o habeas data em três hipóteses:
- assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante;
- retificar os dados disponíveis no banco, quando o impetrante não preferir fazê-lo por processo sigiloso;
- para a anotação nos documentos do interessado, de explicação sobre dado verdadeiro, mas que exija justificativa.
Assim, além dos elementos necessários em toda petição civil, teremos que estar diante de ao menos uma dessas situações. A partir disso, a petição inicial do habeas data deverá vir acompanhada da prova da recusa ao acesso às informações, ou do decurso de mais de dez dias do pedido sem decisão.
Sendo caso de retificação ou explicação de informações, valerá a recusa, ou o decurso de quinze dias. A negativa da via administrativa explícita ou tácita é condição da ação.
Assim ficou decidido na Súmula 2 do Superior Tribunal de Justiça, ao determinar que:
Não cabe habeas data (CF, art. 5º, LXXII, a) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa.”
Do contrário, simplesmente não haveria interesse de agir. Isto é, não haveria utilidade em mover o Poder Judiciário.
Em caso de indeferimento da petição inicial, caberá apelação, nos termos do art. 10, parágrafo único e art. 15 da Lei do Habeas Data.
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Quem pode impetrar habeas data?
Relativamente à legitimidade ativa, o habeas data pode ser ajuizado por qualquer pessoa, seja física, jurídica, nacional ou estrangeira. Isso decorre do status de direito fundamental que a própria ação possui no ordenamento jurídico.
Afinal, o caput do artigo 5º estabelece que os direitos fundamentais são garantidos não apenas aos brasileiros, mas a todos aqueles residentes no país.
Em regra, o impetrante só poderá pleitear o conhecimento ou retificação de suas próprias informações. Tal caráter personalíssimo é consequência natural de seu fundamento: evitar que as informações pessoais sejam difundidas a terceiros.
A exceção foi firmada pelo STJ, ao admitir que os herdeiros legítimos do morto e o cônjuge supérstite possam impetrar o habeas data. Indo além da interpretação literal do texto, o Tribunal compreendeu o histórico do instituto, dedicado a barrar abusos estatais.
Assim, reconheceu que os órgãos públicos não poderiam manter indevidamente informações necessárias aos familiares do titular. A compreensão foi utilizada, principalmente, para que esses legitimados pudessem buscar informações de pessoas desaparecidas durante o período da ditadura militar, perseguidos pelo regime.
Quem será sujeito passivo no habeas data?
No que se refere à legitimidade passiva, serão sujeitos os detentores dos bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.
Nesse sentido, já decidiu o STF pelo cabimento de habeas data em face dos órgãos da administração fazendária. Isto é, com o intuito de conhecer o pagamento de tributos constantes nos sistemas informatizados.
Contudo, há uma sensível discussão sobre a extensão dos sujeitos, em razão da expressão “caráter público” utilizada.
Conforme o parágrafo único do art. 1º da Lei do Habeas Data, tem caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações.
Como se vê, não há nenhum impedimento para propositura da ação a pessoas jurídicas de direito privado. Desde que as informações armazenadas sejam divulgadas para terceiros.
De quem é a competência para julgamento do habeas data?
O artigo 20 da Lei nº 9.507/1997 disciplina a competência para processamento do habeas data. Em linhas gerais, a instância de julgamento originária irá variar conforme o sujeito passivo da ação, seguindo a mesma regra de atribuição do mandado de segurança.
Nesse sentido, caberá ao STF julgar o habeas data contra os atos:
- da chefia do Poder Executivo e Legislativo federais;
- do Tribunal de Contas da União;
- do Ministério Público Federal;
- dos ministros do próprio STF.
Por sua vez, ao STJ compete processar a ação contra os atos dos Ministros de Estado ou do próprio Tribunal. Aos Tribunais Regionais Federais cabe o julgamento de atos do mesmo tribunal ou de um juiz federal.
Porém, na grande maioria dos casos a competência será do juiz federal ou estadual. No primeiro caso, quando o ato for de autoridade federal não enquadrada anteriormente. Por fim, a competência estadual é residual, aplicável nos demais casos.
Qual o procedimento do habeas data?
Recebida a petição inicial e não sendo caso de pedido liminar, o juiz determinará a notificação do polo passivo, para que em até 10 dias preste informações. Portanto, não se trata propriamente de uma contestação. Pois, não deveria haver conflito já que o pedido envolve o interesse público.
Na sequência, será intimado o representante do Ministério Público, para que apresente parecer no prazo de cinco dias. Com a manifestação do parquet, os autos serão encaminhados para decisão.
Sendo procedente o pedido, o juiz designará data e horário para que o coator apresente ao impetrante informações a seu respeito, constante em seus registros, ou apresente em juízo a prova da retificação ou anotação requerida.
Justamente por possuir força constitucional, o processo é célere e simplificado. Não apenas, possui prioridade sobre todos os atos judiciais, com exceção do habeas corpus e do mandado de segurança.
A gratuidade do habeas data e a função do advogado.
Outra característica da constitucionalidade do habeas data está na gratuidade do instrumento. Nos termos do art. 21 da Lei nº 9.507/1997, tanto o procedimento administrativo quanto a ação judicial são isentos de custas.
Isso em nada interfere nos honorários do profissional que irá prestar os serviços advocatícios. O habeas data é ação que exige manejo técnico e estudo arguto, além inexistir proveito econômico no resultado.
Dessa forma, o pagamento do advogado deverá sempre respeitar o piso ético estipulado pela Seccional da OAB onde o patrono se encontra inscrito.
Caso o interessado não possua recursos para arcar com um advogado privado, deverá comprovar a insuficiência econômica e buscar a Defensoria Pública atuante na comarca. Ou, poderá requisitar ao Poder Judiciário que lhe seja nomeado um advogado dativo.
Diferentemente do habeas corpus que pode ser escrito de próprio punho, a ação de habeas data exige capacidade postulatória. Em outras palavras, é preciso que o interessado esteja representado em juízo por um advogado ou defensor público.
Ficou com dúvidas sobre algum ponto trazido? Para complementar o assunto, nós recomendamos o seguinte vídeo explicativo:
Exemplo de habeas data
Passadas décadas desde a redemocratização, o instituto do habeas data vem perdendo relevância. Não apenas porque o Estado deixou de investir recursos na investigação de seus cidadãos, mas igualmente porque o acesso à informação pessoal se tornou muito mais fácil.
No mais das vezes, basta o simples pedido administrativo. Ainda assim, restam atos na estrutura pública a serem remediados por habeas data.
Talvez os principais momentos de constrangimento ao direito à informação ocorram no bojo da advocacia de servidores públicos. Em especial, nos litígios envolvendo concursos ou sanções disciplinares.
Nesse sentido, merece destaque o seguinte ementário:
O julgado em questão cuida de servidor do Poder Judiciário que, após 37 anos de serviço público, se viu demitido após avaliação de desempenho em relatório reservado, realizado pela magistrada a quem esteve subordinado.
Buscando assegurar conhecimento das anotações que culminaram na perda do cargo, impetrou habeas data. Interessante notar que as informações almejadas pelo impetrante dizem respeito ao comportamento adotado e avaliado durante a época em que esteve à frente da função pública.
Dessa forma, não apenas dados isolados, mas condutas e inferências pessoais são igualmente sujeitos à demonstração por habeas data.
Perguntas frequentes sobre o tema
Habeas data é gratuito?
Nos termos do art. 21 da Lei nº 9.507/1997, tanto o procedimento administrativo quanto a ação judicial do habeas data são isentos de custas. Mas, cuidado! Isso não interfere nos honorários do profissional da advocacia.
Qual a lei do habeas data?
Apesar da enunciação constitucional do habeas data, o instituto possui regulamentação autônoma na Lei nº 9.507/97.
Conclusão
A existência do habeas data conta uma história, a história da vigilância do Estado sobre a vida íntima dos cidadãos. A mera positivação do instrumento na Constituição atual é prova dos excessos vividos durante a ditadura militar.
Felizmente, o habeas data tem caído em desuso. Aliás, essa é a sina de todos os remédios constitucionais, conforme progride a democracia e os abusos de poder perdem espaço para a legalidade.
Sua importância, contudo, permanece atual, sobretudo na economia dos dados. Seja para conhecer que informações os órgãos governamentais mantêm sobre o sujeito, seja para verificar que dados têm sido repassados indevidamente para terceiros, a ação cabível será o habeas data.
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Referências Bibliográficas
Conheça as referências deste artigo
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 154.
RE 673707, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-195 DIVULG 29-09-2015 PUBLIC 30-09-2015.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Edusp, 2021, p. 326.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 454.
TJPR – Órgão Especial – HD – 595739-3 – Colombo – Rel.: DESEMBARGADOR PAULO ROBERTO VASCONCELOS – Unânime – J. 05.11.2010.
Advogado (OAB 97692/PR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Sou membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED) e sócio fundador da Martinelli...
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