O que é e como se configura o dano existencial? >

Veja o que é dano existencial e como ele é configurado!

Veja o que é dano existencial e como ele é configurado!

25 out 2023
Artigo atualizado 30 out 2023
25 out 2023
ìcone Relógio Artigo atualizado 30 out 2023
O dano existencial no direito do trabalho surge a partir das diversas condutas do empregador que violam os direitos fundamentais (como saúde, convivência familiar e comunitária, cultura, esporte, lazer, dignidade, proteção no trabalho) do empregado, impedindo que o trabalhador desfrute de sua vida além do trabalho, como as relações pessoais e sociais.

O pedido de dano existencial está cada vez mais presente nas ações trabalhistas, afinal, a sobrecarga laboral, a falta da desconexão e o desrespeito à legislação trabalhista aumentam diariamente o número de trabalhadores adoecidos.

E, apesar disso, vejo que muitos colegas ainda possuem um certo receio de englobar o pedido de dano existencial na reclamação trabalhista, principalmente quando já há o pedido de indenização por dano moral.

Por isso, hoje separei um artigo especial para você, advogado trabalhista, que ainda tem dúvidas sobre o que é o dano existencial e como ele pode ser incluído nos seus processos.

Continue a leitura para saber mais! 😉

O que é dano existencial? 

Bom, antes de entrarmos na parte jurídica, de como o pedido de dano existencial vem sendo concedido no judiciário, precisamos entender o seu conceito.

Ainda existe a ideia de que o dano existencial só é concedido quando o trabalhador realiza uma quantidade de horas extras absurdas, casos em que se extrapolam às 12 horas de trabalho diárias.

A premissa não está errada, realmente o trabalhador que passa metade do seu dia laborando, tem o dano existencial configurado, afinal, o empregado deixa de usufruir do seu descanso físico e psicológico, prejudicando sua convivência familiar e social, como também seu direito ao lazer.

Mas a configuração do dano existencial vai além, o dano existencial é uma espécie do dano extrapatrimonial e tem como principal característica a frustração da vida do trabalhador para além do trabalho.

No começo, eu te contei que o dano existencial surge a partir das faltas graves cometidas pelo empregador que violam o direito do empregador em usufruir os seus direitos fundamentais.

Quando falamos em dano existencial, precisamos pensar em todos os direitos fundamentais passíveis de violação:

  • a impossibilidade do convívio familiar
  • a impossibilidade do convívio social
  • a falta de lazer, cultura e esporte
  • a falta da proteção ao trabalho
  • a não proteção à saúde do trabalhador
  • o desrespeito à dignidade humana do empregado

Com a violação aos direitos fundamentais do trabalhador, ele fica impedido de efetivar a sua integração à sociedade (família, amigos, colegas, religião) e o seu pleno desenvolvimento enquanto ser humano.

A professora Flaviana Rampazzo Soares define o dano existencial como a lesão ao complexo de relações que auxiliam no desenvolvimento normal da personalidade do sujeito, abrangendo tanto a ordem pessoal quanto a ordem social. 

Ou seja, é preciso levar em conta tudo o que o trabalhador precisou deixar de fazer no seu dia a dia ou, ainda, que precisou modificar em razão do trabalho. 

Indenização em razão do dano existencial

Neste caso, é importante deixar claro que para a condenação à indenização em razão do dano existencial, é INDISPENSÁVEL demonstrar os prejuízos causados pelo empregador ao trabalhador, sejam eles atuais ou futuros.

Pense no caso de uma mulher jovem que, em razão de um acidente de trabalho, teve a amputação do seu braço.

Neste caso, ela terá direito à indenização por dano existencial, uma vez que o acidente de trabalho ocasionou um prejuízo ao projeto de vida da trabalhadora, já que houve uma imposição de limitação funcional irreversível.

Nesse sentido, eu separei uma decisão deste ano sobre um caso semelhante:

ACIDENTE DE TRABALHO. AMPUTAÇÃO DO ANTEBRAÇO DIREITO. DANO EXISTENCIAL. O dano existencial remonta à teoria do dano moral, sem, todavia, com ela se confundir, visto que tutela aspectos da dignidade humana que transcendem a clássica noção dano à personalidade. Caracteriza-se quando a violação a um direito acarreta, além de danos materiais ou morais (em sua concepção clássica), prejuízo ao projeto de vida ou às relações sociais e familiares da vítima. No caso dos autos comprovou-se o comprometimento do projeto de vida do trabalhador, diante da necessidade de redefinição de projetos relacionados à carreira tendo em vista a imposição de limitação funcional irreversível decorrente da amputação do antebraço direito. (TRT-14 – ROT: 00001627620225140141, Relator: ILSON ALVES PEQUENO JUNIOR, SEGUNDA TURMA – GAB DES ILSON ALVES PEQUENO JUNIOR)

Quando surgiu o dano existencial?

Bom, a teoria do direito ao dano existencial não surgiu no Brasil, na verdade, o conceito de dano existencial surgiu no século passado na Itália.

A partir do Código Civil Italiano, que previa a indenização por danos extrapatrimoniais, mas em relação aos ilícitos decorrentes de condutas penais.

Com o passar do tempo, o dano extrapatrimonial passou a ser aplicado pela justiça italiana nos demais ramos do direito, como no civil e trabalhista.

Algo parecido aconteceu no Brasil, já na esfera cível e penal já havia a previsão de reparação dos danos e, gradualmente, foi sendo aplicada nos demais ramos, como o trabalhista.

O que diz a legislação sobre o dano existencial? 

No Brasil, o conceito de dano existencial é recente, mas o entendimento de que há o dever de proteger e de indenizar no caso de violação aos direitos fundamentais existe desde a promulgação da Constituição Federal de 1988:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana; 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V – É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Regulamentando o direito de requerer uma indenização, vem o Código Civil que informa a possibilidade de requerer a condenação por indenização pelos danos causados:

Art. 12 – Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei

Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito 

Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 949 – No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

No direito do trabalho, a partir da reforma trabalhista de 2017, o pedido de indenização por dano moral ganhou um reforço a mais quanto a legislação já prevista na Constituição Federal e no Código Civil.

Dano existencial no Direito do Trabalho

Agora, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, passou a ter um título específico sobre o dano extrapatrimonial (moral e existencial), que determina que, existindo uma conduta danosa do empregador ao empregado, que causa prejuízo e alteração no convívio social e familiar, surge o dever de indenização em razão do dano causado:

Art. 223-A.  Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.   
Art. 223-B.  Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica, as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.  
Art. 223-C.  A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.             
Art. 223-D.  A imagem, a marca, o nome, o segredo empresarial e o sigilo da correspondência são bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa jurídica.                
Art. 223-E.  São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão. 

Art. 223-F.  A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.           
§ 1o  Se houver cumulação de pedidos, o juízo, ao proferir a decisão, discriminará os valores das indenizações a título de danos patrimoniais e das reparações por danos de natureza extrapatrimonial.          
§ 2o  A composição das perdas e danos, assim compreendidos os lucros cessantes e os danos emergentes, não interfere na avaliação dos danos extrapatrimoniais.                    
Art. 223-G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: 
I – a natureza do bem jurídico tutelado
II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação
III – a possibilidade de superação física ou psicológica
IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão
V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa
VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral
VII – o grau de dolo ou culpa
VIII – a ocorrência de retratação espontânea
IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa
X – o perdão, tácito ou expresso
XI – a situação social e econômica das partes envolvidas
XII – o grau de publicidade da ofensa.
§ 1o  Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:  
I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;     
II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;    
III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;     
IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido. 
§ 2o  Se o ofendido for pessoa jurídica, a indenização será fixada com observância dos mesmos parâmetros estabelecidos no § 1o deste artigo, mas em relação ao salário contratual do ofensor.            
§ 3o  Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.       

Inclusive, percebe-se que no artigo 223-F a própria lei trabalhista determina a possibilidade de pedir cumulativamente indenizações em razão do mesmo ato lesivo.

É possível cumular o pedido de dano moral e dano existencial?

Como vimos, a própria reforma trabalhista definiu a possibilidade de cumular os pedidos de dano material e extrapatrimonial (dano moral e dano existencial) originados pelo mesmo ato ilícito. 

Sendo que esse entendimento foi reiterado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ na Súmula 37:

São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”

Isso se dá por um simples motivo: apesar do dano moral e do dano existencial serem danos extrapatrimoniais, eles possuem finalidades distintas.

Enquanto o dano moral busca indenizar a lesão que atingiu um dos direitos de personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem), o dano existencial visa indenizar a lesão causada aos direitos existenciais (dignidade da pessoa humana).

O que o dano existencial busca indenizar não é apenas a situação atual, mas também o dano causado ao projeto de vida futuro do trabalho, que foi frustrado e não irá mais acontecer da forma que foi inicialmente planejado.

Assim, numa mesma reclamação trabalhista, é possível ter o pedido de:

  • indenização por danos morais (danos emergentes, lucros cessantes e pensão)
  • a indenização pelo dano extrapatrimonial que pode ser o dano moral, o dano existencial e/ou o dano estético).
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Qual a diferença entre dano existencial, dano moral e material? 

Assim como existe a possibilidade de cumular os pedidos de indenização de dano material e extrapatrimonial, é indispensável que o advogado saiba delimitar exatamente os seus pedidos.

O dano material é aquele prejuízo que acontece no patrimônio da pessoa, que podem ser os prejuízos efetivamente sofridos (danos emergentes), como os gastos com tratamentos médicos, bem como aquilo que o trabalhador deixou de receber (lucros cessantes, nos casos de adoecimento do trabalhador em razão de uma doença ocupacional ou acidente de trabalho), é preciso inserir o pedido de pensão vitalícia neste tópico.

Afinal, temos um trabalhador com o seu futuro comprometido, que muitas vezes fica afastado pelo INSS recebendo metade, por vezes menos que a metade, do que estava acostumado a receber enquanto trabalhava.

Além disso, mesmo recebendo menos, esse trabalhador precisará custear o tratamento médico em razão do adoecimento ocupacional. 

Assim, o pedido de pensão vitalícia visa recompor o status quo ante e a reduzir os efeitos danosos da lesão sofrida, compensando o trabalhador com o que poderia auferir com atividades remuneradas caso não houvesse sofrido a lesão. 

Já em relação ao dano moral e existencial, como vimos, os dois não se confundem e podem ser pedidos cumulativamente.

Enquanto o dano moral atinge os valores personalíssimos inerentes à qualidade de pessoa humana (a honra, a imagem, personalidade), o dano existencial atinge um projeto de vida do trabalhador, que precisará se readaptar e reestruturar após a lesão sofrida.

Jurisprudências sobre a diferenciação entre dano existencial, dano moral e material

Separei uma jurisprudência bem interessante sobre essa diferenciação, com ênfase aos seguintes trechos sobre o dano existencial: 

  • O projeto de vida do trabalhador sofre um desmonte, obrigando-o a seguir uma rota que exclui as possibilidades por ele anteriormente projetadas, impondo-se uma realidade que já não possibilita a realização de antigos planos profissionais ou de projetos pessoais, comprometendo seriamente a realização do indivíduo, o que pode decorrer de ato ilícito”.
  • “(…) o dano moral está ligado à angústia, à dor e à humilhação da ocorrência em si de fato, inclusive acidente, enquanto o dano existencial decorre da dificuldade criada para que a vítima possa prosseguir com seus projetos profissionais e pessoais, o que acarreta vazio existencial por ela experimentado”

Segue a ementa para citação desse julgado:

ACIDENTE DE TRABALHO. DANO EXISTENCIAL. O dano existencial pode ser entendido como espécie autônoma em relação ao dano moral, vez que aquele é tido como o dano que prejudica a realização pessoal do trabalhador, piorando sua qualidade de vida. Consiste na violação dos direitos fundamentais da pessoa, direitos estes garantidos pela Constituição da Republica de 1988, que resulte algum prejuízo no modo de viver ou nas atividades inerentes a cada indivíduo. O projeto de vida do trabalhador sofre um desmonte, obrigando-o a seguir uma rota que exclui as possibilidades por ele anteriormente projetadas, impondo-se uma realidade que já não possibilita a realização de antigos planos profissionais ou de projetos pessoais, comprometendo seriamente a realização do indivíduo, o que pode decorrer de ato ilícito. Tal situação é o que marca o dano existencial, de forma a destacá-lo do dano moral em si, permitindo a cumulação das indenizações por dano moral e existencial, vez que o dano moral está ligado à angústia, à dor e à humilhação da ocorrência em si de fato, inclusive acidente, enquanto o dano existencial decorre da dificuldade criada para que a vítima possa prosseguir com seus projetos profissionais e pessoais, o que acarreta vazio existencial por ela experimentado. No caso em apreço, o reclamante, que exercia atividades braçais e ainda era professor de dança, perdeu os movimentos de suas pernas em função do acidente de trabalho, com inúmeros reflexos sobre a vida pessoal e profissional, sendo nítido o grave comprometimento de seu projeto de vida em decorrência do infortúnio ocorrido em atividade de risco, desenvolvida, ademais, sem a adoção de medidas de segurança, pelo que cabível a fixação de indenização por danos existenciais. (TRT-3 – RO: 00104803520195030043 MG 0010480-35.2019.5.03.0043, Relator: Juliana Vignoli Cordeiro, Data de Julgamento: 28/02/2021, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 01/03/2021.)

Como provar o dano existencial

A primeira coisa que o advogado precisa ter claro é que o dano existencial não é presumido, é preciso comprovar os prejuízos causados ao trabalhador.

O dano existencial tem origem na conduta ilícita do empregador que causa ao empregado a privação do convívio familiar e social, bem como a frustração dos projetos de vida. 

Com isso, o empregado precisa demonstrar quais foram os prejuízos:

  • a impossibilidade do empregado de se relacionar e de conviver em sociedade 
  • a impossibilidade do empregado realizar atividades de lazer (esportes e cultura) com a família e amigos
  • a impossibilidade do empregado de cultivar a sua religião e participar de atividades a ela inerentes
  • a impossibilidade do empregado de conseguir se desconectar do trabalho
  • o que o acidente de trabalho ou doença ocupacional causou nos seus projetos de vida
  • a impossibilidade do trabalhador de exercer sua liberdade de escolha em razão do trabalho

Enfim, todos os prejuízos gerados pelo dano existencial precisam ser demonstrados na reclamação trabalhista.

Para constatação do dano existencial, é possível utilizar um roteiro criado pela professora Flaviana Rampazzo,  com quatro passos, conforme mencionado por Sebastião Geraldo de Oliveira em sua obra Indenizações por acidente do trabalho ou doenças ocupacionais:

1. Um não mais poder fazer 

A pessoa por força da conduta lesiva da qual foi vítima não tem mais condições de praticar algo que tinha o hábito de fazer na vida pessoal ou profissional.

2. Um ter que fazer diferente 

Após o ato danoso a vítima terá que passar por um processo de readaptação ou reabilitação para continuar sua atividade, normalmente com redução da produtividade, além das implicações inevitáveis na sua rotina extra laboral.

3. Um ter que fazer que não necessitava fazer antes 

Em decorrência do dano injusto, a vítima terá que mudar sua rotina, incorporando compulsoriamente outras atividades que demandam tempo, esforço ou incômodo, tais como fisioterapia, consultas, assistência para deslocamento e outros procedimentos.

4. Uma necessidade de auxílio para poder fazer 

O ato danoso pode determinar a necessidade permanente ou temporária de auxílio de outra pessoa, para realização das atividades pessoais ou profissionais que fazem parte do cotidiano da vítima.

Esses 4 passos demonstram o caminho que o advogado precisa seguir para demonstrar os prejuízos causados na vida do trabalhador.

Como eu sou especialista em Síndrome de Burnout, vou pegar um exemplo muito comum que chega aqui no meu escritório, o Arraes e Centeno: bancário com o esgotamento profissional.

Seguindo o roteiro feito pela professora Flaviana Rampazzo, é muito comum observar o seguinte:

  1. O bancário não tem condições de retornar ao banco, muitos passam mal só de pensar em ter que entrar numa agência bancária ou fazer uma comunicação por e-mail → não mais poder fazer
  2. Em muitos casos, o bancário não consegue mais retornar à atividade e, na grande maioria, precisam aprender uma nova profissão, do zero, após anos de dedicação ao banco → ter que fazer diferente
  3. O bancário, com o diagnóstico de Síndrome de Burnout, precisa de tratamento médico constante, em alguns casos inclusive internação psiquiátrica para lidar com o seu adoecimento →  ter que fazer o que não necessitava fazer antes
  4. O bancário adoecido, que está sem renda e em tratamento médico, passa a ser dependente de terceiros, seja em razão da necessidade financeira ou pela dificuldade em realizar atividades que eram simples → necessidade de auxílio para poder fazer

Pelo roteiro elaborado pela professora Flaviana, é possível demonstrar com fatos os prejuízos causados pelo dano existencial ao trabalhador, já que o ato lesivo provocou uma série de alterações não programadas na rotina de vida do trabalhador, uma alteração completa no seu projeto de vida.

Dicas para profissionais da advocacia

Por isso, a minha orientação para você, colega advogado, que deseja incluir o pedido de indenização por dano existencial nas suas ações é: escute o seu cliente.

Procure entender como aquele trabalho interferiu na vida dele, o que ele deixou de fazer, o que ele precisou começar a fazer.

Vá além da ficha de atendimento e da análise dos documentos, converse sobre a vida do seu cliente.

Recentemente, conversando com um cliente, ele me contou que após anos de tratamento, está, finalmente, conseguindo migrar para outra profissão, mas que é uma dor muito grande, afinal, ele precisou largar tudo o que fazia para se tratar e só depois tentar se redescobrir em uma nova profissão.

Então a minha orientação, depois de mais de 20 anos de experiência, é que você converse com o seu cliente, entenda a dor dele, para aí, sim, fazer os pedidos corretos na ação trabalhista.

Quais são os prejuízos mais comuns decorrentes dos danos existenciais?

Para ficar ainda mais claro como a justiça vem entendendo e aplicando a indenização em razão do dano existencial, eu separei três situações passíveis de indenização:

1- Jornada de trabalho exaustiva

No caso, o trabalhador chegou a fazer mais de 6 horas diárias de hora extra de segunda a sexta e com poucas folgas.

O interessante neste caso é que o Tribunal Superior do Trabalho – TST entendeu que, diante do caso concreto, não foi necessário demonstrar os prejuízos causados ao trabalhador, já que a conduta ilícita do empregador restou comprovada, entendeu pela aplicação do dano in re ipsa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA, INTERPOSTO PELA RECLAMADA. RECURSO REGIDO PELA LEI 13.467/2017. INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO EXAUSTIVA. DANO IN RE IPSA . O Tribunal Regional, na análise dos cartões de ponto, consignou que o autor laborava em regime exaustivo de jornada, ultrapassando habitualmente o limite legal em mais de duas horas, chegando a perfazer mais de seis horas extras por dia, de segunda a domingo, usufruindo de poucas folgas, e, inclusive, com supressão do intervalo para refeição e descanso. Em razão da constatação da prática de jornada de trabalho exaustiva, a Corte a quo reconheceu a ocorrência de dano existencial. O TST entende que a jornada excessiva e exaustiva configura abuso do poder diretivo do empregador, por restringir o direito ao descanso e ao lazer, gerando consequências negativas à higiene e à saúde do trabalhador. Assim, a submissão do obreiro à jornada excessiva ocasiona dano existencial, em que a conduta da empresa limita o desfrute da vida pessoal do empregado, inibindo-o do convívio social e familiar, além de impedir o investimento de seu tempo em reciclagem profissional e em estudos. Dessa forma, a reparação do dano não depende da comprovação dos transtornos sofridos pela parte, tratando-se, em verdade, de dano moral in re ipsa – em que o dano emerge automaticamente, desde que configurada a conduta ilícita, nos termos do art. 186 do Código Civil. Ilesos os arts. 818 da CLT e 373, II, do CPC/2015. Agravo de instrumento não provido.(TST – AIRR: 6966920175050036, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 27/06/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 09/08/2022)

2 – Não concessão de férias por cinco anos

No caso, o trabalhador teve a privação ao direito às férias por cinco anos e o Tribunal Superior do Trabalho – TST, entendeu que essa situação suprimiu ou limitou as atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas, ou quaisquer outras desenvolvidas pelo empregado fora do ambiente laboral:

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS POR CINCO ANOS. Demonstrada possível ofensa ao art. 186 do CCB, deve ser provido o agravo de instrumento. II – RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS POR CINCO ANOS. O dano existencial é espécie do gênero dano imaterial cujo enfoque está em perquirir as lesões existenciais, ou seja, aquelas voltadas ao projeto de vida (autorrealização – metas pessoais, desejos, objetivos etc) e de relações interpessoais do indivíduo. Na seara juslaboral, o dano existencial também conhecido como dano à existência do trabalhador, visa examinar se a conduta patronal se faz excessiva ou ilícita a ponto de imputar ao trabalhador prejuízos de monta no que toca o descanso e convívio social e familiar. Nessa esteira, para ocorrência do dano existencial, consoante construção doutrinária e jurisprudencial, torna-se imprescindível a demonstração inequívoca dos danos à existência do trabalhador ocasionados, por exemplo, pela não concessão das férias por um longo período no decurso da relação empregatícia. No caso, verifica-se que a privação ao direito às férias por longo período (por cinco anos) resulta indiscutivelmente em medida que suprimiu ou limitou as atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas, ou quaisquer outras desenvolvidas pelo empregado fora do ambiente laboral, restando, ao contrário do que afirmou o Regional, patente a existência de dano imaterial, sendo, contudo, na modalidade de dano moral in re ipsa. Urge registrar, outrossim, que houve claro descumprimento reiterado das normas de segurança e saúde do trabalho, sujeitando o trabalhador ao prejuízo contra a saúde física e mental. Na hipótese dos autos, constato que o elemento culpa emergiu da conduta negligente da Reclamada em relação ao dever de cuidado à saúde, higiene, segurança e integridade física do trabalhador, incorrendo no dever de indenizar em face da não concessão de férias no período de cinco. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR: 245178920155240086, Relator: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 25/10/2017, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/11/2017)

3 – Acidente de trabalho típico

No caso, o trabalhador teve a perda da mão direita, o que o impossibilita de exercer a profissão que anteriormente desempenhava, além das limitações diárias sofridas em razão da perda da mão dominante. Neste caso, o TST majorou o valor da indenização por dano existencial de R$ 5.000,00 para R$ 25.000,00:

RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS POR ÂNGELO CAMILOTTI E CIA. LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) E RIO VERDE REFLORESTADORA LTDA. E OUTRO. DANO MORAL, ESTÉTICO E EXISTENCIAL. PERDA DA MÃO DIREITA. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Diante da ausência de critérios objetivos norteando a fixação do quantum devido a título de indenização por danos morais e estéticos, como também por dano existencial, cabe ao julgador arbitrá-lo de forma equitativa, pautando-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem assim pelas especificidades de cada caso concreto, tais como: a situação do ofendido, a extensão e gravidade do dano suportado e a capacidade econômica do ofensor. Tem-se, de outro lado, que o exame da prova produzida nos autos é atribuição exclusiva das instâncias ordinárias, cujo pronunciamento, nesse aspecto, é soberano. Com efeito, a proximidade do julgador, em sede ordinária, com a realidade cotidiana em que contextualizada a controvérsia a ser dirimida habilita-o a equacionar o litígio com maior precisão, sobretudo no que diz respeito à aferição de elementos de fato sujeitos a avaliação subjetiva, necessária à estipulação do valor da indenização. Conclui-se, num tal contexto, que não cabe a esta instância superior, em regra, rever a valoração emanada das instâncias ordinárias em relação ao montante arbitrado a título de indenização seja por danos morais e estéticos, seja por dano existencial, para o que se faria necessário o reexame dos elementos de fato e das provas constantes dos autos. Excepcionam-se, todavia, de tal regra as hipóteses em que o quantum indenizatório se revele extremamente irrisório ou nitidamente exagerado, denotando manifesta inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aferível de plano, sem necessidade de incursão na prova. 2. No caso dos autos, tem-se que o Tribunal Regional, ao manter o valor atribuído à indenização devida por danos morais e estéticos em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e o dano existencial em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), levou em consideração o abalo moral sofrido pelo reclamante em decorrência do acidente de trabalho, o qual lhe causou a perda da mão direita, impossibilitando-o de exercer a profissão que anteriormente desempenhava, além das limitações diárias sofridas em razão da perda da mão dominante . Nesse particular, restou consignado pela Corte de origem que o reclamante, ao perder a mão direita, não só teve evidente redução da capacidade laboral, como também sofreu diversos transtornos pelas cirurgias e tratamentos médicos aos quais foi submetido, pelas dores físicas e psicológicas, pelo longo afastamento do trabalho e das atividades sociais e de lazer, sendo evidente, ainda, o menosprezo à sua dignidade, assim configurado pela omissão da reclamada, que se quedou inerte, ao não tomar providências suficientes para oferecer melhores condições de trabalho ao obreiro acidentado. 3. Não obstante a gravidade do sinistro a que acometera o reclamante, esta Corte superior, por suas Turmas, tem decidido, em casos semelhantes ao dos presentes autos em que o obreiro, vitimado por acidente do trabalho, perdeu um dos seus membros superiores ou inferiores, que se revela consentânea com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade a fixação do valor de indenização por danos morais em valores próximos a R$ 100.000,00 (cem mil reais), porquanto suficiente para minimizar a dor moral e psicológica provocada pela amputação. Evidenciada a desproporcionalidade do valor fixado a título de indenização por dano moral e estético, por consectário impõe-se igual redução à indenização fixada a título de dano existencial. 4. Rearbitra-se os valores das indenizações por danos morais e estéticos no montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e por dano existencial no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). 5. Recursos de Revista conhecidos e parcialmente providos. (TST – RR: 12926720145090094, Data de Julgamento: 21/06/2017, Data de Publicação: DEJT 23/06/2017)

Conclusão

Espero que com esse artigo eu tenha conseguido contribuir com o seu conhecimento, colega advogado.

Mas, principalmente, espero que com esse artigo eu tenha conseguido te mostrar a importância de conversar com o seu cliente e entender como o trabalho interferiu na vida dele.

Como sócia-fundadora de um dos maiores escritórios digitais do país, o Arraes & Centeno, sei muito bem quais são as principais dores dos advogados que precisam se adaptar às reformas legislativas.

Por isso, dedico parte do meu dia para a divulgação de conhecimento e conteúdo, seja no Youtube, no Instagram ou em Blogs, como o da Aurum.

Se ficou com alguma dúvida, pode me procurar em uma das minhas redes sociais ou participar de uma das nossas lives ao vivo e enviar a sua pergunta.

Um abraço e até a próxima. 😉

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Oliveira, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional.Salvador, JusPODIVM, 2022.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade civil por dano existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 de julho de 2017.


Priscila Arraes Reino
Social Social Social Social

Advogada formada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco em 2000, sócia fundadora do Arraes & Centeno Advogados Associados. Co-criadora do Canal do Youtube do Arraes & Centeno Advocacia, com mais de 550 mil inscritos. Especialista em Direito do Trabalho...

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  • Lúcio de Moura Leite 05/01/2024 às 15:59

    Parabéns pelo brilhante trabalho. Sou advogado de relações sindicais, porém, sou apaixonado pelo direito laboral, e ainda mais pela dedicação de alguns colegas, como foi no presente trabalho.
    Lúcio de Moura Leite – Advogado em São Paulo

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