A Convenção de Genebra e seus Protocolos Adicionais compõem o ramo de Direito Internacional conhecido como Direito Humanitário, cujo objetivo é proporcionar proteções mínimas, normas de tratamento humano e garantias fundamentais aos indivíduos que se tornam vítimas de conflitos armados.
Com a persistência de conflitos armados e os seus horrores em diversas partes do globo e da inevitabilidade de que novos conflitos ocorram, é natural que as pessoas questionem se determinados atos são passíveis de punição pela comunidade internacional.
Ou, em outras palavras, se a guerra pode ser regulamentada, a fim de minimizar o sofrimento das pessoas diretamente afetadas. A exemplo da recente guerra russa na Ucrânia.
A resposta para a pergunta é positiva, ao menos para a maior parte dos internacionalistas, sendo essa a missão pela qual forjou-se o Direito Humanitário, também conhecido como “Direito na Guerra” ou “Direito de Genebra”.
A última denominação faz alusão às quatro Convenções celebradas em Genebra, em 1949, com objetivo proteger as pessoas que não participam das hostilidades da guerra, além daqueles que deixam de participar do conflito em dado momento.
Para melhor compreendermos e respondermos aos desafios atuais e futuros sobre o tema, o texto apresentará os pontos principais das Convenções de Genebra e os três Protocolos Adicionais às Convenções.
Continue a leitura para saber mais! 😉
Contexto Histórico da Convenção de Genebra
A ideia de que a humanidade deve ser protegida contra os flagelos da guerra é encontrada em todos os povos da Antiguidade. No entanto, somente no Século XIX foram realizados esforços mais diretos para afastar a barbárie dos cenários dos conflitos armados.
A concepção do Direito Humanitário foi impulsionada pelo ideal humanista que permeou movimentos como o Iluminismo e a Revolução Francesa, emergindo a concepção atual de dignidade da pessoa humana.
Podemos dizer que a sociedade internacional passou a prestar atenção às vítimas colaterais dos conflitos bélicos após a publicação do livro “Um Souvenir de Solferino”, em 1862. Nele é narrado a experiência do suíço Henrique Dunant com os inúmeros feridos de guerra acudidos na vila de Solferino após uma batalha.
Suas ideias resultaram na criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em fevereiro de 1863, e na assinatura, em agosto de 1864, das Convenções de Genebra para a Melhoria das Condições dos Exércitos em Campanha, que indicam o nascimento do Direito Internacional Humanitário.
Em 1906, a proteção foi estendida aos feridos em combates navais. Após a Primeira Guerra Mundial, em 1926, foi assinado tratado a respeito do tratamento dado aos prisioneiros de guerra.
Finalmente, em 1949, esses tratados foram revistos e numerados, acrescentando-se ao núcleo do Direito Humanitário mais uma Convenção a respeito da proteção aos civis. Esse conjunto de acordos internacionais, são as chamadas “Convenções de Genebra”.
Mais liberdade no dia a dia
Mesmo com o enorme progresso do Direito Internacional Humanitário a partir das Convenções de 1949, com o passar do tempo elas vêm se mostrando insatisfatórias em termos de efetividade às novas tecnologias militares e os tipos de conflitos armados que passaram a predominar.
Como em guerras de libertação nacional e ações violentas sem fronteiras conduzidas por grupos internos aos Estados, mas antagônicos.
Como consequência, em 08 de junho de 1977, pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário Aplicável aos Conflitos Armados, criaram-se dois Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra com a finalidade de acrescentar-lhes normas.
Posteriormente, em 08 de dezembro de 2005, criou-se o terceiro protocolo adicional.
Leia também: O que é e quando se aplica Direito Internacional Privado!
As quatro Convenções de Genebra
Convenção I
Confere proteção aos feridos e enfermos na guerra terrestre, garante tratamento humano, assistência médica e proteção contra a violência, assassinatos e torturas.
Determina que, em qualquer tempo e lugar, os feridos e adoentados devem ser protegidos, independentemente de sua ideologia no combate, conforme disposto em seu artigo 12:
Serão tratados com humanidade pela Parte no conflito que tiver em seu poder, sem nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada no sexo, raça, nacionalidade, religião, opiniões políticas ou qualquer outro critério análogo. É estritamente interdito qualquer atentado contra a sua vida e pessoa e, em especial, assassiná-los ou exterminá-los, submetê-los a torturas, efetuar neles experiências biológicas, deixa-los premeditadamente sem assistência médica ou sem tratamento, ou expô-los aos riscos do contágio ou de infecção criados para este efeito.”
Para além de enfermos e feridos, recebem proteção da I Convenção os responsáveis pela assistência sanitária das vítimas, como o pessoal dos serviços de saúde e militares com funções ligadas a serviços médicos. Reconhece ainda a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho como sinais visíveis de proteção.
Convenção II
Estabelecida em substituição à Convenção X de Haia, de 1907, trata da proteção dos feridos, enfermos e náufragos das forças armadas do mar. O acordo alarga as proteções descritas na primeira convenção, utilizando-se da mesma base principiológica, mas com adaptações para as forças armadas no mar, feridos, doentes e náufragos.
Traz ainda, designação especial aos navios hospitais, que são embarcações construídas e especializadas para socorrer, tratar e transportar feridos, doentes e náufragos, utilizados comumente pelas Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e outras sociedades reconhecidas para a mesma finalidade.
Esses navios não podem ser capturados ou atacados, mas apenas vistoriados e fiscalizados, conforme as orientações de seu artigo 31.
Convenção III
Dispõe sobre as garantias mínimas que devem ser dadas aos prisioneiros de guerra, como a obrigação de trata-los humanamente, sendo a tortura e quaisquer atos de pressão física ou psicológica proibidos.
Aborda sobre as condições sanitárias a nível de higiene e alimentação, e prega o respeito à religião dos prisioneiros. Garante ainda que devem ser soltos e repatriados nos casos previstos e sem demoras, quando do encerramento da guerra.
Além disso, estabelece proteções específicas para mulheres e outros prisioneiros que enfrentam riscos particulares, devendo receber alimentação, roupas, cuidado, abrigo e de receber CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha).
O termo prisioneiro de guerra também é definido nesta Convenção, sendo reconhecido todo como combatente capturado, podendo este ser um soldado de um exército, um membro de uma milícia ou até mesmo um civil, como os resistentes.
Convenção IV
A quarta Convenção trata da proteção dos civis em tempos de guerra, inclusive em território ocupado. Objetiva minimizar os impactos dos conflitos armados para os civis, garantindo as mesmas proteções previstas na primeira Convenção para os soldados, doentes e feridos.
Acrescentou ainda regramentos adicionais relativos ao tratamento de civis, como a proibição de ataques a hospitais civis, transportes médicos, etc. Aborda também sobre os direitos dos internados (prisioneiros de guerra) e dos sabotadores e discute a forma como os ocupantes devem tratar uma população ocupada.
Protocolos Adicionais às Convenções de Genebra
Protocolo I
O primeiro Protocolo Adicional estende a abrangência do Direito Humanitário às guerras de libertação nacional, no exercício do direito de autodeterminação dos povos.
Aprimora sobretudo a proteção das pessoas e dos bens civis, bem como dos serviços de socorro, além dos mecanismos de identificação e sinalização protetivas.
Seu texto desenvolve sobretudo a proteção das pessoas e dos bens civis, bem como dos serviços de socorro, e aprimora os mecanismos de identificação e sinalização protetivas.
Protocolo II
Refere-se à proteção das vítimas durante conflitos armados não internacionais (guerras civis).
Constitui inegável desenvolvimento das disposições contidas no art. 3º, comum às Convenções de 1949, excluindo, porém, em razão do princípio da não ingerência internacional em assuntos de estrita competência interna, os tumultos e agitações de caráter isolado, nos quais não se possa detectar um mínimo de organização e responsabilidade.
Em razão de alguns países de destaque no cenário não terem ratificado este protocolo, especialmente os com histórico de conflitos internos, em 1997, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha lançou apelo no sentido de tornar algumas normas dos Protocolos reconhecidas como Direito consuetudinário.
Ou seja, válidas para todos os Estados.
Protocolo III
O último protocolo, adotado em 8 de dezembro de 2005, tratou de acrescentar outro emblema, o “Cristal Vermelho”, à lista de emblemas humanitários.
De acordo com as Convenções de Genebra e seus demais Protocolos, o emblema é definido como um símbolo de neutralidade e proteção em uma situação de conflito armado. Sendo seu objetivo, portanto, o de proteger feridos, doentes e os que os tratam de forma neutra e imparcial.
Comitê Internacional da Cruz Vermelha
O primeiro emblema, conhecido como Cruz Vermelha, é uma reversão das cores da bandeira da Suíça.
O Crescente Vermelho foi utilizado pela primeira vez por voluntários do CICV durante a guerra Russo-Turca, entre 1877 e 1878, sendo oficialmente adotado em 1929, e até o presente, cerca de 33 países islâmicos o reconhecem.
Por sua vez, o Cristal Vermelho foi adotado como novo emblema entre os Movimentos da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, em 2005, através do Protocolo III em questão.
Países signatários das Convenções de Genebra e a posição brasileira
A Convenção de Genebra de 1949 teve grande aceitação entre todos os Estados. Atualmente, 196 países são partes nessas Convenções, seja de forma integral ou com ressalvas.
O Brasil aderiu à Convenção de Genebra pelo Decreto n. 42.12, de 21 de abril de 1957, no governo do Presidente Juscelino Kubitscheck.
Os Protocolos I e II de 1977, adicionais às Convenções de Genebra, foram adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário, aplicável aos Conflitos Armados, pelo Decreto n. 849, de 25 de julho de 1993.
E, mais recentemente, ainda houve um Protocolo Adicional III, que foi aprovado em Genebra, em 8 de dezembro de 2005, e assinado pelo Brasil em 14 de março de 2006. Entrou em nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 7.196, de 1º de junho de 2010.
Desse modo, tanto o Brasil quanto os demais signatários são comprometidos a respeitar e fazer respeitar as suas regras, conforme previsão legal. Neste sentido, possuem o dever de levar o conhecimento de tais regramentos às suas Forças Armadas.
O Direito Internacional consuetudinário ainda complementa os tratados em todos os tipos de conflitos.
Conclusão
É inquestionável que os conflitos armados vitimam milhões de vidas humanas, imprimindo-lhes sofrimento para além do que nossa compreensão é capaz de imaginar.
Deste modo, o Direito Humanitário, cujo objetivo é limitar os efeitos nocivos de tais conflitos, é imprescindível para o desenvolvimento da humanidade. Afinal, desde que o homem se organizou em tribos e estados, tais conflitos existem e, quando inevitáveis, precisam de limites.
Uma vez que tais regramentos encontram-se primordialmente nas Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais, o texto pretendeu lançar luz ao tema, que a despeito de sua importância ainda é pouco difundido, vindo à tona apenas em épocas de maior tensão no cenário global.
Logo, para além das inúmeras medidas e debates idealizadores de manutenção da paz no Direito Internacional, é importante discutirmos também preventivamente os direitos na guerra ou “jus in bellum”.
Por fim, merecem destaque dois apontamentos não realizados em razão da pretensão resumida do texto. O primeiro é que as Convenções e regras afins devem ser aplicadas sem discriminação. Ou seja, independente de raça, sexo, nacionalidade, religião ou opinião política dos agentes.
O segundo é sobre a importância do art. 3º, comum às quatro Convenções, que estabelece a sua aplicação a conflitos armados não internacionais. Isto é, em conflitos armados internos, o que é essencial, pois hoje são a maioria.
Mas e aí, gostou do texto? Espero que ele tenha sido de grande ajuda 🙂 . Para aprofundar ainda mais os seus conhecimentos sobre esse tema, sugiro também consultar a bibliografia disponibilizada abaixo.
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Conheça as referências deste artigo
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional público. 12ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.
REZEK, J.F. Direito Internacional Público – Curso Elementar, Ed. Saraiva, 13a edição, 2011.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. Salvador: JusPODIVM, 2018.
Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...
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