A Lei das Estatais é o conjunto de normas que regulamenta a figura do Estado empresário. De forma geral, ela informa quando as regras do Direito Administrativo darão espaço para o Direito Privado.
As empresas estatais, que envolvem tanto o foco em lucro como desempenho do interesse público, são regulamentadas pela Lei das Estatais, que dispõe sobre diversas características desse tipo de empresa.
Neste artigo você vai entender o que são empresas estatais, do que trata a Lei das Estatais e as principais funções. Confira! 😉
O que são as empresas estatais?
Pensar na empresa estatal não é simples. O conceito envolve a ideia de empresa – entidade destinada ao lucro – e a ideia de Estado – entidade voltada à realização do interesse público.
De um lado haveria a busca pelo interesse privado (lucro), de outro, o dever de atingir interesses amplos muitas vezes avessos ao lucro. A situação aparenta ser paradoxal.
Para resolver essa cilada lógica, os doutrinadores procuraram identificar qual elemento seria predominante na empresa estatal: o público ou o privado.
Segundo Ricardo Marcondes Martins, a presença do Estado como agente econômico, induziria, necessariamente, a aplicação do regime jurídico de direito público para disciplinar a personalidade jurídica. Afinal, sempre que a Administração Pública estiver presente, o Direito Administrativo incidirá.
Isso implica reconhecer o que Ricardo Marcondes aponta, que diz:
empresa estatal não é empresa privada, não possui liberdade de atuação, não pode perseguir interesse secundário que não seja coincidente com o primário, [a realização do interesse público].”
Esses limites de atuação e finalidade ficam claros na Constituição Federal, nos termos do artigo 173, a criação de empresa estatal só é permitida quando for necessária à segurança nacional ou a relevante interesse coletivo.
Em outras palavras, a empresa estatal é mais “estatal” que “empresa”. Mas é também uma empresa, ainda que em menor grau, isso porque ainda é uma entidade que explora diretamente a atividade econômica no mercado capitalista e em regime de concorrência.
Nesse complexo cenário, criou-se um regime jurídico sui generis. Uma exceção legal que, em determinados casos, admite a incidência do Direito Privado para a Administração Pública. Essa exceção é a Lei nº 13.303/2016 – a Lei das Estatais.
Falsas empresas estatais
A incidência do Direito Privado sobre a Administração Pública é exceção que apenas se justifica pela exploração direta da atividade econômica pelo Estado. Apesar disso, a maleabilidade conferida pelo Direito Privado muitas vezes atrai a Administração e incita o administrador a chamar de empresa estatal o que não é.
Nesse caso, estaríamos diante de uma contrafação administrativa, que, segundo Ricardo Marcondes, é o uso indevido de um conceito jurídico com o propósito de auferir benefícios secundários decorrentes da aplicação de regime jurídico diverso do que deveria imperar. Veja um exemplo que facilita essa compreensão!
A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo tem a finalidade de fiscalizar o tráfego urbano. A URBS foi instituída para regular as concessionárias de serviço público do transporte coletivo de Curitiba. Em ambos os casos, as entidades se denominam sociedades de economia mista, mas a primeira exerce atividade administrativa de poder de polícia, a segunda faz controle de concessionárias. Nenhuma realiza atividade de exploração econômica.
Na verdade, essas figuras não passam de autarquias públicas. Possuem autonomia funcional e financeira, mas são regidas integralmente pelo regime de Direito Administrativo.
A regra é clara: só se admite a forma de empresa estatal para a atividade de exploração econômica, seja em razão de interesses coletivos ou para garantir a segurança nacional. Somente isso justifica a aplicação mitigada do Direito Privado. Nos demais casos, há contrafação administrativa.
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O que diz a Lei das Estatais?
A Lei das Estatais é o conjunto de normas que regulamenta a estranha figura do Estado empresário. Basicamente, informa quando as regras do Direito Administrativo darão espaço para o Direito Privado.
Essa tarefa não é simples. A extensa lei – um verdadeiro estatuto – dispõe sobre:
- Diferenciação entre as empresas públicas e as sociedades de economia mista;
- Regime de gestão e governança das estatais;
- Posição jurídica dos acionistas, seus direitos e deveres;
- Composição da diretoria;
- Dever de licitar;
- Execução de contratos com terceiros;
- Sanções administrativas por lesão às estatais e, por fim
- Fiscalização pelo Estado e pela sociedade.
Nesta incursão inicial, trataremos de quatro tópicos importantes:
- Da diferença entre empresas públicas e sociedades de economia mista;
- Da gestão das estatais;
- Da posição do acionista controlador;
- Da fiscalização das empresas estatais.
Empresa públicas x sociedades de economia mista
As empresas estatais podem adotar duas naturezas jurídicas distintas: a empresa pública e a sociedade de economia mista.
Nos termos do art. 3º da Lei das Estatais, a empresa pública é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei e com patrimônio próprio. Seu capital – e, portanto, seu quadro societário – será detido pela União, pelos Estados e/ou pelos Municípios.
Desde que a Administração Direta (União, Estados e Municípios) permaneça com a maioria do capital votante, é lícita a inclusão de entidades da administração pública indireta (autarquias, fundações e outras estatais) no corpo societário, sem que isso retire a natureza da empresa pública. Não há, porém, participação de agentes econômicos privados.
A sociedade de economia mista, por sua vez, é a entidade criada por lei, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações votantes pertencem majoritariamente à União, aos Estados e aos Municípios, ou ainda à entidade da administração indireta.
Não há impeditivo para que agentes econômicos privados participem como acionistas, desde que não se perca o poder de controle da companhia pela Administração Pública.
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Gestão das estatais
As empresas estatais são reguladas por um estatuto, tal como as sociedades anônimas em geral. Esse estatuto, porém, exige o cumprimento de compromissos de governança e de impacto socioambiental típicos da persecução do interesse público que lhe são inerentes.
A título de exemplo, as empresas estatais devem seguir regras de transparência rigorosas, com a publicação não apenas de relatórios financeiros e distribuição de dividendos, mas também de competitividade, equidade e sustentabilidade (ambiental e econômica). Parte-se da premissa de que a transparência é uma das mais eficientes soluções para evitar a prática de ilícitos.
Igual exigência se dá com o controle de riscos. Seja através do estatuto ou de políticas internas, as estatais devem adotar regras sobre: a conduta dos administradores e empregados, controle interno de gestão de riscos, conflito de interesses e vedação à corrupção e a estipulação de um canal de denúncias. Isso conforme o art. 9º da Lei das Estatais.
Ponto interessante diz respeito à possibilidade de resolução de conflito de acionistas por arbitragem. A fim de garantir a celeridade – mas sobretudo o sigilo – das contentas internas, as estatais poderão criar comissão arbitral específica e vinculá-la em cláusula arbitral para todos os acionistas.
O acionista controlador
Fundamental para a compreensão das empresas estatais é o conceito do acionista controlador. Trata-se da pessoa jurídica que retém a maior parte do capital votante.
No caso da empresa pública, o acionista controlador será algum ente da Administração Direta. No caso da sociedade de economia mista, será algum ente da Administração Direta ou Indireta. Jamais haverá um agente econômico privado na posição do controlador.
Existem obrigações legais para o acionista controlador. O art. 14 da Lei das Estatais prescreve a proibição de divulgar informação que impacte na cotação de títulos no mercado (valuation) sem autorização do Conselho de Administração. Igualmente, deve manter o Conselho de Administração independente, sem exercer influência indevida sobre ele, tal como a promessa de reeleição ou manutenção no cargo.
Agindo com abuso de poder societário, os acionistas ou terceiros prejudicados poderão pleitear a reparação, independentemente de autorização da assembleia-geral.
Fiscalização pelo Estado e pela Sociedade civil
A empresa estatal disciplinada pela Lei das Estatais é aquela com receita operacional bruta superior a noventa milhões de reais. Em razão de seu porte econômico, pode perpetrar enormes danos a acionistas ou a terceiros, daí a importância de fiscalização. O Capítulo III da Lei das Estatais dispõe sobre tal fiscalização.
Por parte do Estado, o controle é feito internamente pela própria Administração e pelos Tribunais de Contas a elas relacionados. Assim, quando houver a participação da União, será o TCU. Quando houver a participação apenas de Estados e Municípios, ou suas entidades indiretas, o controle será o respectivo TCE.
Ao promover a supervisão, os órgãos de controle terão acesso irrestrito a todos os documentos da estatal, os sigilosos e publicados no exterior, garantindo-se a manutenção do sigilo durante a auditoria.
Por outro lado, o art. 87, §1º, da Lei das Estatais faculta a qualquer cidadão impugnar editais de licitação publicados em contrariedade à Lei. Igualmente, poderão realizar denúncias, via canal direto da estatal, por abuso de poder societário, seja pela prática de atos de corrupção ou pela promoção de danos a terceiros.
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Mais liberdade no dia a dia
A função social da empresa pública e da sociedade de economia mista
Viu-se que as empresas estatais são mais estatais que empresas, isso porque não podem se desvencilhar do interesse público que motivou sua criação para auferir lucro. Esse é um benefício exclusivo dos agentes econômicos privados.
Em vista disso, o art. 27 da Lei das Estatais é categórico ao dispor que as empresas estatais terão a função social de realização do interesse coletivo ou da segurança nacional estipulados na lei que os criar.
O interesse coletivo será orientado pela ampliação do acesso aos consumidores aos produtos e serviços ofertados pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista, sem que se comprometa o crescimento economicamente sustentável.
Igualmente, deve levar em consideração o desenvolvimento ou o emprego de tecnologia brasileira para a produção e oferta de seus serviços, além de adotar práticas de sustentabilidade ambiental e de responsabilidade social corporativa.
Quanto aos imperativos de segurança nacional, os fundamentos eram extraídos da Lei n. 7.170/83, onde estabelecia-se como bens jurídicos de segurança nacional a:
integridade territorial e a soberania nacional,” o “regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”.
Bem como “a pessoa dos chefes dos Poderes.” Atualmente, essa normativa foi revogada, mas a Lei n. 14.197/2021 (vigente) conservou esses fundamentos.
Por fim, faculta-se às empresas estatais firmar convênios e patrocínios para a promoção de atividades culturais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica para fortalecimento da marca da companhia. Por isso é tão comum assistir a festivais de cinema, música e participar de eventos esportivos e acadêmicos que contam com o apoio de empresas estatais.
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Conclusão
O tema das empresas estatais força uma interessante aproximação entre o direito e a economia. No campo econômico, vê-se um esforço para garantir a segurança financeira, competitividade e sustentabilidade das empresas estatais dentro do mercado.
A presença do direito, como sempre, atua como promotor do dever-ser, estipulando regras para que a posição do Estado não seja de interferir indevidamente nos negócios privados, mas de agir como catalisador do desenvolvimento e promotor da soberania nacional.
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Conheça as referências deste artigo
FRAZÃO, Ana. Regime societário das empresas estatais públicas e sociedades de economia mista. In: DAL POZZO, Augusto Neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (Coord.). Estatuto jurídico das empresas estatais. São Paulo: Editora Contracorrente, p. 141.
MARTINS, Ricardo Marcondes. O estatuto das empresas estatais à luz da Constituição Federal. In: DAL POZZO, Augusto Neves; MARTINS, Ricardo Marcondes (Coord.). Estatuto jurídico das empresas estatais. São Paulo: Editora Contracorrente, p. 85.
MARTINS, Ricardo Marcondes. Teoria das contrafações administrativas. A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, ano 16, n. 64, p. 115-148, abr. jun./2016.
Advogado (OAB 97692/PR). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná - UFPR e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/PR. Sou membro do Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas e Desenvolvimento Humano (NUPED) e sócio fundador da Martinelli...
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