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Prisão temporária: entre a legalidade e a controvérsia

13 maio 2025
Artigo atualizado 13 maio 2025
13 maio 2025
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A prisão temporária é uma medida cautelar prevista na Lei nº 7.960/1989, utilizada na fase investigatória para garantir a eficácia das apurações criminais. Possui prazo definido e requisitos específicos para sua decretação. Embora tenha surgido para evitar abusos, ainda é alvo de críticas quanto à sua constitucionalidade e aplicação prática.

A prisão temporária é uma das mais controversas modalidades de prisão cautelar previstas no ordenamento jurídico brasileiro. 

Criada pela Lei nº 7.960/1989, surgiu como resposta institucional à prática abusiva da “prisão para averiguações”, antes realizada sem qualquer controle judicial ou motivação clara. 

A ideia original era impedir que a liberdade individual fosse restringida arbitrariamente durante a fase de investigações criminais, exigindo agora critérios mais objetivos para a imposição da medida prisional.

Apesar de sua base legal clara, a prisão temporária ainda levanta debates intensos quanto à sua constitucionalidade, aplicabilidade e compatibilidade com garantias fundamentais

Questões como o uso dessa prisão em lugar de outras medidas menos gravosas, sua duração e os critérios para sua decretação têm gerado ampla discussão entre os operadores do Direito.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento relevante ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) 3.360 e 4.109, estabelecendo critérios mais rígidos para a sua adoção, o que elevou ainda mais a importância de um estudo detido sobre o tema.

O que é prisão temporária?

A prisão temporária é uma medida de natureza cautelar, utilizada em caráter excepcional e vinculada à fase de inquérito policial. 

Ou seja, ela pode ser decretada antes do oferecimento da denúncia, com o objetivo de garantir a eficácia das investigações e impedir que o investigado comprometa a colheita de provas.

De acordo com Renato Brasileiro, visa assegurar a eficácia das investigações – tutela-meio -, para, em momento posterior, fornecer elementos informativos capazes de justificar o oferecimento de uma denúncia, fornecendo justa causa para a instauração de um processo penal, e, enfim, garantir eventual sentença condenatória- tutela-fim.

Diversamente da prisão preventiva, possui prazo preestabelecido de duração, quando a privação da liberdade de locomoção do indivíduo for indispensável para a obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais mencionadas no art. 1º, inciso III, da Lei n° 7.960/89, assim como em relação aos crimes hediondos e equiparados (Lei n° 8.072/90, art. 2o, § 4o), viabilizando a instauração da persecutio criminis in judicio – ação penal.

Sua decretação não pode ocorrer de ofício pelo juiz, mas sim mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público.

Não se confunde com a prisão para averiguações, que consistia no arrebatamento de pessoas pelos órgãos de investigação para aferir a vinculação das mesmas a uma infração, ou para investigar a sua vida pregressa, independentemente de situação de flagrância ou de prévia autorização judicial.

A referida prática, tornou-se proibida e tipificada como abuso de autoridade (art. 9º da Lei 13.869/2019). 

Ao contrário desta, a prisão temporária exige decisão judicial fundamentada, com base em fatos concretos e dentro das hipóteses legalmente previstas na Lei 7.960/89.

O que é e como funciona a prisão temporária no Brasil.

Requisitos para a Decretação da Prisão Temporária

A Lei nº 7.960/1989 estabelece em seu art. 1º três hipóteses legais para a decretação da prisão temporária:

  1. Quando for imprescindível para as investigações do inquérito policial (inciso I);
  2. Quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer dados para sua identificação (inciso II);
  3. Quando houver fundadas razões de autoria ou participação em determinados crimes previstos no inciso III da lei.

O inciso III da Lei 7.960/89 traz um rol taxativo de crimes, tais como homicídio doloso, sequestro, estupro, extorsão mediante sequestro, genocídio, tráfico de drogas, entre outros. 

Além disso, a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90, art. 2º, §4º) autoriza a prisão temporária para os crimes ali listados, como estupro de vulnerável, homicídio qualificado e tráfico de entorpecentes.

Chama-se a atenção para o cabimento de prisão temporária para o crime de homicídio simples, uma vez que mesmo não sendo tratado como crime hediondo, encontra-se inserido no rol do art. 1º, III, “a”, da Lei 7.960/89.

Apesar da clareza do texto legal, a interpretação desses requisitos tem sido objeto de grande controvérsia. 

As principais correntes doutrinárias são:

Corrente alternativa (Tourinho Filho, Júlio Mirabete, Diaulas Costa Ribeiro)

Para esta corrente, a presença de qualquer um dos três incisos bastaria para a prisão temporária. Trata-se, portanto, de requisitos alternativos. 

O que permitiria, inclusive, a prisão de alguém pelo simples fato de não possuir residência fixa. Assevere que tal situação, hoje, seria absurda e violadora dos caros princípios Constitucionais.

Corrente cumulativa (Scarance Fernandes)

Já para esta segunda corrente, todos os três requisitos devem estar presentes de modo cumulativo, o que simplesmente esvazia, por completo, o instituto.

Corrente vinculada à preventiva (Vicente Greco Filho)

Por sua vez, para esta terceira corrente a análise da prisão temporária deve ser levada a cabo em combinação com os requisitos da prisão preventiva. Ou seja, além dos três requisitos, devem estar presentes os fundamentos do art. 312 do CPP.

Corrente majoritária (Nucci, Lanfredi, Damásio E. de Jesus e Antônio Magalhães Gomes Filho)

A quarta corrente, hoje majoritária, entende que para a decretação da prisão temporária, é necessária a presença de um dos crimes elencados pelo inciso III. 

Assim, se a medida for imprescindível para as investigações ou se o endereço ou identificação do indiciado forem incertos, caberá a prisão cautelar, mas desde que o crime seja um dos indicados por lei. 

Tendo em conta tratar-se a prisão temporária de espécie de prisão cautelar, conjugam-se, assim, seus pressupostos: 1) fumus comissi delicti, previsto no inciso III; 2) periculum libertatis, previsto no inciso I ou no inciso II.

Corrente STF – Julgamento das ADI’s 3360 e 4109

Essa quinta e última corrente foi confirmada pelo STF em 2022, tendo prevalecido, no julgamento das ADI’s 3360 e 4109, o voto do ministro Edson Fachin, que definiu os seguintes cinco requisitos cumulativos para a constitucionalidade da prisão temporária:

  1. Imprescindibilidade para as investigações (periculum libertatis);
  2. Fundadas razões de autoria ou participação (fumus comissi delicti);
  3. Justificativa em fatos novos ou contemporâneos;
  4. Adequação à gravidade do crime, às circunstâncias e às condições pessoais do investigado;
  5. Inviabilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, previstas no art. 319 e 320 do CPP.

Percebe-se, portanto, que após a fixação dos requisitos para a decretação da prisão temporária pelo STF, o posicionamento doutrinário majoritário perdeu força.

Uma vez que, além de não ser mais possível a sua decretação fundada no mero fato de o representado não possuir residência fixa (inciso II), também fixou outros requisitos que antes eram exigidos, na legislação penal pátria, para a decretação da prisão preventiva.

Imprescindibilidade para as Investigações

O inciso I exige que a prisão temporária seja imprescindível para as investigações do inquérito policial. É indispensável a existência de prévia investigação (não necessariamente de um inquérito policial). 

Trata-se de um requisito que se refere ao periculum libertatis, ou seja, à necessidade concreta da prisão do investigado para assegurar o bom andamento das investigações. 

A doutrina esclarece que essa indispensabilidade deve ser demonstrada por meio de fatos objetivos e concretos, tais como o risco de fuga, destruição de provas, ameaça ou aliciamento de testemunhas ou outros fatores capazes de comprometer gravemente a apuração criminal.

Renato Brasileiro enfatiza que a prisão temporária não pode servir como mera comodidade ou facilitação do trabalho investigativo da polícia, mas deve ser justificada concretamente pela impossibilidade de se alcançar o mesmo resultado com medidas menos gravosas.

Por fim, uma vez recebida a denúncia, não mais subsiste o decreto de prisão temporária, devendo o denunciado ser colocado em liberdade, salvo se sua prisão preventiva for decretada.

Qual a diferença entre Prisão Temporária e Prisão Preventiva?

Embora ambas integrem o espectro das medidas cautelares pessoais previstas no ordenamento jurídico brasileiro, prisão temporária e prisão preventiva não se confundem, apresentando distinções substanciais quanto ao momento de aplicação, à finalidade, à duração e à base legal.

1. Momento processual de cabimento 

A prisão temporária se limita exclusivamente à fase do inquérito policial, sendo cabível apenas enquanto a investigação está em curso.

Já a prisão preventiva ostenta natureza mais ampla, podendo ser decretada em qualquer fase da persecução penal, seja durante o inquérito, seja no curso da ação penal.

2. Duração e controle temporal 

A temporária possui prazo legal determinado: em regra, 5 dias, prorrogáveis por igual período, ou 30 dias nos casos da Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90). 

A prisão preventiva, por sua vez, não possui prazo máximo fixado em lei, embora deva ser reavaliada, de ofício, a cada 90 dias, sob pena de tornar-se ilegal, conforme impõe o artigo 316, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

3. Finalidade e fundamento teleológico

A finalidade também é elemento distintivo essencial. A prisão temporária visa assegurar a eficácia da investigação criminal, viabilizando diligências iniciais sem interferência do investigado. 

A preventiva, contudo, tem escopo mais abrangente: serve para proteger a ordem pública, a ordem econômica, garantir a instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal, nos termos do artigo 312 do CPP.

4. Previsão legal e limites objetivos

A decretação da temporária está condicionada a crimes expressamente previstos no art. 1º, III, da Lei nº 7.960/89 e, na Lei nº 8.072/90 — como nos crimes hediondos, latrocínio ou tráfico de drogas. 

A preventiva, ao contrário, possui aplicação mais elástica, condicionada aos requisitos do artigo 312 e, quando for o caso, ao 313 do CPP, sendo essencial a demonstração da necessidade concreta da medida.

Qual o prazo da Prisão Temporária?

De acordo com a Lei nº 7.960/1989:

  • O prazo da prisão temporária é de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco em caso de extrema e comprovada necessidade.
  • Nos crimes hediondos e equiparados, o prazo é de 30 dias, prorrogáveis por mais 30, nos termos do art. 2º, §4º da Lei nº 8.072/90.

Tais prazos não se confundem com os prazos para encerramento do inquérito ou da instrução criminal, e devem ser rigorosamente observados. 

A extrapolação dos prazos, sem motivação adequada, pode configurar constrangimento ilegal, passível de habeas corpus.

Críticas e Controvérsias sobre a Prisão Temporária

A prisão temporária é alvo constante de críticas por parte da doutrina. Dentre os pontos mais polêmicos destacam-se:

Inconstitucionalidade Formal

Alguns autores, como Paulo Rangel e Alberto Silva Franco, sustentam que a Lei nº 7.960/89 é formalmente inconstitucional por ter origem em uma Medida Provisória (MP 111/89). 

A Constituição Federal proíbe a edição de MPs sobre matéria penal e processual penal (CF, art. 62, §1º, I, “b”), e a proteção da liberdade individual exige lei em sentido formal.

No entanto, o STF julgou a ADI 162 e entendeu, por maioria (8 votos a 2), que a lei 7.960/89 não foi fruto da conversão direta da medida provisória e, por isso, afastou o vício formal alegado.

Violação de Direitos Fundamentais

Muitos argumentam que a prisão temporária, quando utilizada sem critérios rigorosos, pode violar os princípios da presunção de inocência, da proporcionalidade e da vedação à autoincriminação. 

Exemplo disso é a decretação da prisão apenas com base na ausência de residência fixa, o que o STF já declarou ser ilegal, especialmente no caso de moradores de rua e pessoas em vulnerabilidade social. 

Chama a atenção, em especial, para o novo entendimento do STF, que exclui claramente esta possibilidade.

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Conclusão

A prisão temporária, embora prevista na Lei nº 7.960/89 como instrumento legítimo de tutela da investigação criminal, somente pode ser admitida dentro dos estritos marcos constitucionais, sob pena de transformar-se em mecanismo de supressão arbitrária da liberdade individual.

Sua aplicação exige observância rigorosa dos requisitos legais e constitucionais, especialmente daqueles relacionados ao devido processo legal, à proporcionalidade da medida e à necessidade concreta, devidamente motivada, de sua decretação. 

Não se trata de uma faculdade discricionária do Estado, mas de uma medida excepcionalíssima, cuja legitimidade repousa na presença de fundamentos objetivos e finalidade estritamente vinculada à investigação criminal.

Nesse sentido, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3360 e 4109 representou um verdadeiro marco de contenção ao uso abusivo dessa modalidade de prisão cautelar. 

O Tribunal assentou a necessidade de critérios mais rígidos e objetivos para a sua decretação, reafirmando que a prisão temporária não pode ser banalizada nem utilizada como instrumento antecipado de punição ou pressão psicológica sobre o investigado.

O uso indevido, desproporcional ou desvinculado de critérios legais fere diretamente a legalidade processual, compromete a confiabilidade das instituições e enfraquece a legitimidade do sistema de justiça criminal perante a sociedade.

Cabe, portanto, aos operadores do Direito — juízes, promotores, advogados e delegados — dominar os contornos jurídicos dessa medida, assegurando o indispensável equilíbrio entre a efetividade da persecução penal e a proteção intransigente dos direitos fundamentais. 

Somente assim será possível garantir que a prisão temporária cumpra seu verdadeiro papel constitucional: ser instrumento de justiça, jamais de arbitrariedade.

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Mais conhecimento para você

Conheça as referências deste artigo

Constituição Federal de 1988 – Norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro.
Lei nº 13.869/2019 – Define os crimes de abuso de autoridade.
Lei nº 7.960/1989 – Regula a prisão temporária.
Lei nº 8.072/1990 – Dispõe sobre os crimes hediondos
Renato Brasileiro – Manual de processo penal, 11ª ed., obra didática de referência na área.
Fernando Capez – Curso de processo penal, abordagem completa e atualizada sobre o tema.

Paulo Rangel – Direito processual penal, 26ª ed., análise doutrinária tradicional e aprofundada.
Aury Lopes Jr. (2024) – Crítica à prisão temporária como instituto desatualizado, publicada na Consultor Jurídico.
STF – ADI 3360 – Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski.
STF – ADI 4109 – Relatoria do Min. Gilmar Mendes.
Ambas tratam de temas relevantes ligados ao processo penal e à constitucionalidade de normas, julgadas em 2022.


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Advogado Criminalista com ênfase no Tribunal do Júri e Professor do Instituto de Ensino Superior e Formação Avançada de Vitória (IESFAVI); Pós graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - Uniderp, graduado em Direito pela Universidade Jorge Amado....

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