A medida provisória é um mecanismo pelo qual o Presidente da República editará norma com força de lei, condicionado à relevância e urgência do tema objeto da medida. A medida provisória possui um prazo de vigência e deverá ser submetida ao Congresso Nacional imediatamente para ser analisada.
A Administração Pública tem seu atuar balizado pela lei, não podendo excedê-la em suas atividades.
Medina (2022, p. RL-1.15), citando decisão do STJ e doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, explica as restrições que recaem sobre os atos da Administração Pública:
A legalidade na Administração Pública é estrita, não podendo o gestor atuar senão em virtude de lei, extraindo dela o fundamento jurídico de validade dos seus atos” (STJ, RMS 30.518, j. 19.06.2012). Afirma-se, na doutrina, que “o princípio da legalidade, no Brasil, significa que a Administração nada pode fazer senão o que a lei determina”
Enquanto aos cidadãos tudo é permitido, a não ser que seja proibido (garantia expressa na Constituição Federal, art. 5º, inc. II), à Administração Pública, tudo é proibido, se não for legalmente permitido – princípio da legalidade estrita.
Como se sabe, o processo legislativo é complexo e pode levar meses ou anos até que um projeto de lei seja aprovado.
Entretanto, o mundo real não espera que os parlamentos e congressos editem leis para que os fatos aconteçam. Ao contrário, eventos locais e globais estão se desenrolando diariamente, e alguns deles demandam intervenção imediata da Administração Pública.
Exemplos claros e recentes são a pandemia de COVID-19 e a tragédia da barragem de Brumadinho-MG.
Em ambos os casos (um global e um regional) houve a necessidade de atuação do Poder Público, de forma a assegurar a integridade física e outras garantias individuais das pessoas afetadas.
Nesses casos citados, sendo eles muito específicos, as leis federais até então vigentes não eram suficientes para viabilizar uma ação efetiva da Administração Pública federal em favor das vítimas e da sociedade em geral.
Assim, como agir diante da urgente necessidade de atuação da Administração, quando não há lei em vigor que considere as particularidades de uma dificuldade enfrentada pela população?
Para este problema é que surge a medida provisória como solução – um meio pelo qual o representante do Poder Executivo poderá editar norma com força legal, para viabilizar ação da Administração Pública nos casos de urgência e necessidade.
Para entender em detalhes as medidas provisórias, siga com a leitura do texto! 😉
O que é a medida provisória?
Instituída pelo art. 62 da CF/88, a medida provisória é um instituto à disposição do Presidente da República, no caso de relevância e urgência, pelo qual ele editará uma norma que possui força de lei.
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
O artigo possui diversos parágrafos que limitam e regulamentam o uso da medida provisória pelo Presidente da República. Já no §1º vemos as matérias que não podem ser objeto de medida provisória:
O parágrafo citado, assim como todos os demais, foi incluído na Constituição pela EC 32/2001. Por isso, podemos notar uma reação a um marco histórico na política brasileira.
O inciso II, que veda o uso de medida provisória para bloquear ativos financeiros da população, é evidente resposta à Medida Provisória 168/1990 – convertida em lei no mesmo ano pelo Congresso – pela qual o então presidente Fernando Collor bloqueou parte do saldo em poupança da população por 18 meses.
A conversão da medida provisória em lei é a única maneira pela qual a norma poderá se manter vigente após seu prazo de validade.
Como o próprio nome do instituto faz notar, essa normatização não terá a perenidade que as leis geralmente possuem, já que, em geral, só deixam de vigorar quando revogadas por outra lei ou por declaração de inconstitucionalidade em ação direta no STF.
Diferente das leis aprovadas pelo Congresso, as medidas provisórias, ainda que tendo força de lei, têm a vigência limitada no tempo, sendo que não pode o Presidente da República, ao editar uma medida provisória, atribuir a ela tempo de vigência superior ao estabelecido na Constituição Federal.
Após a publicação da medida provisória, sua validade é de 60 dias, prorrogável por igual período. Dentro desse prazo, caberá ao Congresso Nacional votar acerca de sua conversão em lei.
Como a medida provisória é convertida em Lei?
A conversão de uma medida provisória em lei é necessária, conforme já mencionado, para que ela não perca automaticamente a vigência.
Os parágrafos do art. 62 da CF/88 regulamentam a votação da conversão de medida provisória em lei pelo Congresso Nacional:
Portanto, vemos que a medida provisória será convertida em lei mediante aprovação do Congresso Nacional, passando por votação na Câmara dos Deputado e, depois, no Senado, devendo tal aprovação ocorrer dentro do prazo de vigência da medida provisória.
Se o Congresso tardar 45 dias em analisar a conversão da medida provisória, esta entrará automaticamente em regime de urgência na casa em que estiver aguardando apreciação.
Não sendo analisada até o decurso do prazo, ou se rejeitada, perderá a eficácia e não poderá ser reeditada na mesma sessão legislativa. Ou seja, o Presidente não poderá publicar nova medida provisória com o mesmo teor naquele mesmo ano.
Caso o Congresso aprove a conversão da medida provisória em lei, não poderá emendar o projeto com temas estranhos. A limitação foi assentada pelo STF na ADIn 5127, quando foi estabelecida a “impossibilidade de se incluir emenda em projeto de conversão de Medida Provisória em lei com tema diverso do objeto originário da Medida Provisória” (citação em NERY JUNIOR e NERY, 2022, p. RL-1.28).
O regime de urgência na conversão de medida provisória:
Após a EC nº 32/2001, que incluiu o texto citado, o Congresso sofreu com a estagnação de sua pauta, que repetidamente era travada em razão de medidas provisórias que automaticamente entravam em regime de urgência, o que inviabilizava a análise de outros projetos.
Motivado por essa questão, o Deputado Régis de Oliveira formulou a Questão de Ordem n. 411/2009, em 11 de março de 2009. FARIA (2017, p. 35-36) esclarece bem a argumentação suscitada pelo Deputado:
[O]s projetos de resolução previstos no inciso VII do art. 59 da Constituição Federal não estariam compreendidos entre as “deliberações legislativas”, cuja apreciação é vedada quando a pauta está sobrestada devido à existência de medidas provisórias com prazo constitucional de quarenta e cinco dias vencido.
O Deputado alegou ainda que as resoluções têm caráter administrativo, com matéria interna corporis, não fazendo parte, assim, do processo de elaboração de leis em geral, que produzem efeitos externos, ou seja, alcançam terceiros.“
FARIA continua, registrando que Michel Temer, então Presidente da Câmara dos Deputados, entendeu que o art. 62, § 3º, da CF/88 deveria ter interpretação restritiva, ampliando as espécies de projetos que não teriam a análise paralisada em razão de medida provisória incluída em regime de urgência:
Na sessão ordinária de 17 de março de 2009, o Deputado Michel Temer, respondeu a supracitada Questão de Ordem nos seguintes termos: “Além das resoluções, que podem ser votadas apesar do trancamento por uma medida provisória, também assim pode ocorrer com as emendas à Constituição, com a lei complementar, com os decretos legislativos e, naturalmente, com as resoluções.” […]
o Presidente [da Câmara] deixou claro que não faria sentido matérias que não podem ser abordadas por MPs serem impedidas de deliberação devido ao trancamento de pauta por medida provisória. No entanto, destacou que tais matérias deveriam somente ser apreciadas em sessões extraordinárias:
“Por isso, que ao dar esta intepretação, o que quero significar é que as medidas provisórias evidentemente continuarão na pauta das sessões ordinárias, e continuarão trancando a pauta das sessões ordinárias, não trancarão a pauta das sessões extraordinárias.”
Alguns deputados, descontentes com a decisão, impetraram Mandado de Segurança no STF (MS 27931). O pedido cautelar para suspensão da decisão de Temer foi indeferido.
O Ministro Relator entendeu que a nova interpretação devolveria à Câmara “o poder de selecionar e de apreciar, de modo inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País” (Decisão monocrática do MS 27931, citada em FARIA, 2017, p. 38).
Referido MS só teve o mérito julgado anos depois. Recorremos mais uma vez às exposições de FARIA (2017), acerca da decisão:
Recentemente, em 29 de junho de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, por maioria e nos termos do voto do Relator, o julgamento do MS 27931 (BRASIL, 2017). Foi decidido que o sobrestamento previsto no § 6º do art. 62 da Constituição Federal alcança apenas as matérias passíveis de regramento por medida provisória, excluindo-se, portanto, as PECs, os PLPs, os PDCs, os PRCs e os PLs que tratem de temas excluídos do âmbito de incidência das MPs.”
Portanto, atualmente o regime de urgência no qual entram automaticamente as medidas provisórias que tardam em ser analisadas não obsta todos os trabalhos do Congresso Nacional até sua apreciação, mas apenas os projetos de lei ordinária que tratem de temas que podem ser regulamentados por medida provisória.
Exemplos de medidas provisórias:
No ordenamento jurídico brasileiros há muitas medidas provisórias que já foram convertidas em lei, e outras tantas que vigoraram até a expiração do prazo.
Mas vamos citar algumas que são mais recentes e deixam bem demonstrada a urgência e necessidade que justificaram sua publicação.
Covid-19
Em 2020 o Presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória n. 946/2020, durante a emergência sanitária gerada pela pandemia do coronavírus. Nela, entre outras disposições, foi autorizado que cada trabalhador realizasse o saque de até R$ 1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais) de seu FGTS, entre junho e dezembro daquele ano.
Em 2019, Jair Bolsonaro já havia se utilizado de medida provisória (MP n. 875/2019) para conceder Auxílio Emergencial Pecuniário para parte das vítimas vitimadas na calamidade pública “em decorrência do rompimento e do colapso de barragens no referido Município” (art. 1º da MP).
Nenhuma das medidas citadas foi convertida em lei, mas puderam cumprir seu propósito, ao menos em parte, oportunizando a liberação de valores de FGTS e o pagamento de Auxílio Emergencial à população necessitada conforme o contexto durante suas vigências.
Salário mínimo
O Presidente Lula, por sua vez, em 2023 publicou a MP n. 1172/2023, que estabeleceu a política de valorização permanente do salário mínimo e um pequeno aumento, alterando o valor estabelecido por medida provisória publicada pelo presidente anterior.
A MP nº 1172/2023 foi convertida na Lei nº 14.663/2023, que consolidou o valor do salário-mínimo estabelecido na MP, assegurando o valor de R$ 1.320,00 (mil trezentos e vinte reais), e definindo que o salário-mínimo será atualizado em 1º de janeiro de cada ano, sendo o valor:
Veículos sustentáveis
Também foi publicada pelo Presidente Lula a MP n. 1175/2023, que tratava do desconto na compra de veículos sustentáveis novos. Essa MP teve seu prazo expirado sem que fosse aprovada no Congresso, perdendo sua vigência.
Mas, assim como as medidas provisórias citadas, publicadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ela já atingiu sua finalidade de fomentar a economia e as vendas de veículos novos, sendo que a expiração de sua vigência não causa prejuízo.
Importa ressaltar que é extremamente natural que presidentes da república lancem mão de medidas provisórias como ferramenta de implementação de políticas públicas ou gestão do Poder Executivo, e é natural que parte seja convertida em lei e parte não.
As medidas provisórias citadas apenas constam com o fim de melhor ilustrar a aplicação do instituto, e foram selecionadas apenas entre o Presidente atual e o último em razão da contemporaneidade dos eventos.
Mais liberdade no dia a dia
Como funciona a medida provisória?
Conforme demonstrado, a medida provisória é uma ferramenta pela qual o Presidente da República edita norma com força de lei e com vigência imediata.
Em razão da rapidez e facilidade com que pode ser editada, importa que esse instituto tenha limites bem definidos, para impossibilitar que o chefe do Executivo se torne uma manifestação do Poder Legislativo.
Assim, as medidas provisórias só são válidas se não abordarem temas vedados pela Constituição, são imediatamente submetidas ao Congresso Nacional e têm um prazo de validade exíguo, de 60 dias, prorrogáveis por outros 60 dias.
Nesse prazo, a medida provisória pode ser convertida em lei ou revogada. Caso sequer seja analisada, expira-se automaticamente a sua vigência quando decorrido o prazo.
Qual o prazo da medida provisória?
O prazo estabelecido pela Constituição Federal é de 60 dias, prorrogáveis por outros 60 dias, sendo que o prazo tem início assim que publicada a medida provisória (art. 62, § 3º, CF).
Na prática, a vigência total de uma medida provisória pode superar 120 dias. Isso porque o prazo “contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional” (art. 62, § 4º, CF).
A Constituição Federal estabelece que a sessão legislativa ocorre de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro (art. 57, CF), e, portanto, tanto entre 23 de dezembro e 1 de fevereiro como entre 18 e 31 de julho há o recesso.
Considerando que os dias do recesso suspendem o prazo para análise da medida provisória – que continua em vigência, o prazo de 120 dias poderá vigorar por até 160 dias.
Quais são as restrições de uso da medida provisória?
As restrições ao uso da medida provisória são estabelecidas no § 1º do art. 62 da CF. CRUZ (2017, 2.2.1) permite fácil compreensão das restrições:
Existem medidas provisórias que foram convertidas em lei?
Como mencionamos anteriormente, é normal que o presidente da república faça uso do instituto da medida provisória, e diversas medidas são convertidas em lei, assim como diversas têm seu prazo expirado e deixam de vigorar.
A MP nº 1172/2023, que tratava do aumento do salário-mínimo, foi convertida na Lei nº 14.663/2023. A MP n. 1162/2023, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida, também foi convertida, se tornando a Lei nº 14.620 de 2023.
A MP n. 881/2019, MP da Liberdade Econômica, foi convertida na Lei n. 13.874/2019, enquanto a MP n. 871/2019, que instituiu diversas alterações nos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), foi transformada na Lei n. 13.846, de 2019.
Como se pode perceber, seria impossível citar nesse artigo todas as medidas provisórias convertidas em lei, já que todo ano são editadas várias medidas provisórias, e boa parte delas são apreciadas e aprovadas pelo Congresso Nacional.
Conclusão:
Como pudemos verificar, as medidas provisórias são instrumentos de grande relevância para o Presidente da República, que por meio delas pode criar ou modificar políticas públicas e muitas outras questões do interesse da Gestão Pública.
Entretanto, exatamente por ser uma ferramenta tão poderosa, é extremamente importante a limitação do tempo de vigência e dos temas que podem ser abordados, estabelecidos pela Constituição Federal, impedindo assim que a função do Legislativo seja usurpada.
É importante, também, conhecer os diferentes processos pelos quais pode nascer uma lei em nosso país – afinal, só assim o cidadão poderá desenvolver senso crítico para atribuir a cada político a sua real parcela de responsabilidade nas normas que não são aprovadas ou sequer apresentadas.
Por fim, considerando a frequência com que as medidas provisórias são publicadas, e os diversos temas sobre os quais elas podem dispor, revela-se importante que os cidadãos acompanhem os atos do chefe do Executivo, a fim de sempre ter conhecimento sobre as mudanças que ele pretende implementar.
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Conheça as referências deste artigo
FARIA, Vanessa Pimentel de. Repercussão da Questão de Ordem nº 411/09 na atividade legislativa do plenário da Câmara dos Deputados. Centro de formação, treinamento e aperfeiçoamento da Câmara dos Deputados. 2017. Disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados.
MEDINA, José Miguel Garcia. Constituição Federal Comentada. ed. 2022. Livro eletrônico: Revista dos Tribunais.
NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada. ed. 2022. Livro Eletrônico. Revista dos Tribunais.
CRUZ, Fabrício Bittencourt da. Medida Provisória: dogmas e realidade. ed. 2017. Revista dos Tribunais. Livro Eletrônico.
Advogado (OAB 75.386/PR e 22.455A/MS), sócio do Alencar & Pressuto em Campo Grande-MS. Bacharel em Direito e especialista em Ciências Criminais pela PUC/PR. Possui larga experiência em procedimentos de inclusão em penitenciárias federais. Hoje atua exclusivamente na assessoria empresas, urbanas...
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