A Lei nº 13.104/2015 qualificou o feminicídio como homicídio, com penas de 12 a 30 anos. Ela o incluiu no rol de crimes hediondos e definiu que ocorre por razões de condição de sexo feminino em casos de violência doméstica ou menosprezo/discriminação à mulher.
A Lei do Feminicídio foi responsável por criar uma qualificadora para o crime de homicídio, incluindo essa espécie de homicídio qualificado entre os crimes hediondos.
Hoje o feminicídio é tipo penal autônomo, previsto no art. 121-A do Código Penal, quando a vítima é mulher e a motivação é “da condição do sexo feminino”.
Chega a ser difícil acreditar, mas já se passaram mais de 10 anos desde que a Lei do Feminicídio foi sancionada!
Em 2015, o feminicídio foi introduzido no sistema jurídico criminal como uma espécie de homicídio especialmente reprovável pela legislação, de forma que o condenado pela prática do crime fosse submetido a uma punição maior do que aqueles condenados por homicídio simples.
Houve certa polêmica durante o trâmite de votação, aprovação e sanção do projeto, vez que parte dos juristas sustentava que a lei não repercutiria de forma efetiva na proteção às vítimas.
Dizia-se que a criação de uma qualificadora e a previsão de penas maiores para os casos de homicídio contra mulher, por razões da condição de sexo feminino, apenas seria o uso da lei penal como medida simbólica, e que já havia qualificadoras aplicáveis aos casos de homicídio contra mulher pela condição de sexo feminino – qualificadoras do motivo torpe ou fútil.
Por outro lado, parte da população celebrava o fato de que uma simples mudança, como a nomenclatura própria para o homicídio praticado contra mulheres, já detém valor, argumento que ainda é sustentado.
Independentemente de um ou outro posicionamento, o fato é que “novo crime” recebeu atenção da população, e em pouco tempo o tipo penal ficou amplamente conhecido.
Assim, em 2024 o feminicídio deixou de ser uma qualificadora para o homicídio e passou a ser previsto em um artigo próprio no Código Penal.
Continue a leitura para entender de forma mais aprofundada o que diz a lei, quais são as penas e qual é o papel do advogado na defesa da vítima ou acusado!
O que diz a Lei do Feminicídio?
A Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, conhecida como Lei do Feminicídio, representou um marco importante na legislação brasileira. Ela alterou o Código Penal, qualificando o feminicídio como uma modalidade de homicídio (art. 121, §2º, VI, CP) e estabelecendo causas de aumento de pena (art. 121, §7º, CP).
Para facilitar a interpretação, a lei definiu quando há “razões de condição de sexo feminino” para o crime (art. 121, §2º-A, CP), abrangendo casos de violência doméstica e familiar, ou situações de menosprezo e discriminação contra a mulher.
Além disso, o feminicídio foi incluído no rol dos crimes hediondos pela Lei nº 8.072/90, reforçando a gravidade do ato. Enquanto o homicídio simples prevê pena de reclusão de 6 a 20 anos, o feminicídio qualificado estabelece penas mais severas, de 12 a 30 anos.
A nova Lei do Feminicídio:
Em 2024, depois de quase uma década da Lei do Feminicídio em vigor, a Lei n. 14.994/24, que fez do Feminicídio um tipo penal autônomo.
Isso significa que o feminicídio não é mais uma qualificadora de homicídio, mas sim um crime previsto em artigo próprio. Desse modo, a pena foi alterada e agora é consideravelmente maior: reclusão de 20 a 40 anos. Confira o que diz o novo artigo:
Art. 121-A. Matar mulher por razões da condição do sexo feminino:
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Pena – reclusão, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos.
§ 1º Considera-se que há razões da condição do sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
§ 2º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:
I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental;
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);
V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código.
Quando um homicídio é classificado como feminicídio?
Segundo o artigo 121-A do Código Penal, podemos afirmar que ocorre um feminicídio sempre que alguém matar uma mulher por razões da condição do sexo feminino.
A mesma lei explica que se considera razões da condição do sexo feminino o crime no qual a vítima sofre violência doméstica e familiar ou quando o autor do crime age com menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Quais são as penas previstas para o feminicídio?
A pena para o feminicídio é de reclusão, de vinte a quarenta anos.
Essa pena pode ser aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado nas seguintes situações, conforme o art. 121-A, §2º, do Código Penal:
I – durante a gestação, nos 3 (três) meses posteriores ao parto ou se a vítima é a mãe ou a responsável por criança, adolescente ou pessoa com deficiência de qualquer idade; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
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II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
III – na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
IV – em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha); (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
V – nas circunstâncias previstas nos incisos III, IV e VIII do § 2º do art. 121 deste Código. (Incluído pela Lei nº 14.994, de 2024)
O que caracteriza a motivação de gênero no crime?
A motivação de gênero no crime de feminicídio tem um caráter objetivo, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O Tribunal Superior decidiu que:
o feminicídio possui natureza objetiva, pois incide nos crimes praticados contra a mulher por razão do seu gênero feminino e/ou sempre que o crime estiver atrelado à violência doméstica e familiar propriamente dita, assim o animus do agente não é objeto de análise” (AgRg no AREsp 2019202 SP 2021/0376070-2, p. 24/04/2023).
Em outras palavras, não importa o que se verifique sobre a vontade de quem cometeu o crime. Basta que o assassinato tenha ocorrido em um contexto de violência doméstica ou familiar, ou que a vítima tenha sido alvo do crime por sua condição de mulher.
É provável que esse entendimento do tribunal permaneça, agora que o feminicídio está previsto em um artigo próprio do Código Penal.
Quais são as qualificadoras do feminicídio segundo o Código Penal?
Qualificadoras são aquelas hipóteses em que o tipo penal recebe outras previsões de penas mínima e máxima, e não há nada nesse sentido ligado ao Feminicídio.
Como agora a Lei do Feminicídio é um tipo penal próprio, não existem mais qualificadora do crime de homicídio.
Porém, existem causas de aumento de pena, que são elencadas no §2º do art. 121-A do Código Penal.
Como a lei protege mulheres em situação de violência doméstica?
Não é possível afirmar que a Lei do Feminicídio tenha oferecido alguma proteção especial às mulheres em situação de violência doméstica, visto que não trouxe nenhum tipo de mecanismo de proteção, mas apenas o aumento da pena para casos em que o crime tivesse sido cometido.
Contudo, como defendido por alguns especialistas, o simples fato de se nomear e individualizar uma espécie de crime é suficiente para aumentar a atenção dada pela população.
De forma indireta, a Lei do Feminicídio pode ter trazido algum avanço na proteção às mulheres em situação de violência doméstica, embora não seja possível quantificar esse avanço.
Além disso, a nova Lei do Feminicídio, fez diversas alterações em outras infrações penais, como lesão corporal e ameaça, prevendo penas mais duras quando praticadas contra a mulher. Exemplo disso é a previsão de que o condenado por feminicídio, enquanto cumprir pena, será fiscalizado por meio de monitoração eletrônica.
A tentativa de feminicídio também é punida?
Segundo o artigo 14, parágrafo único, do Código Penal, a tentativa é punida com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.
Como a Lei do Feminicídio se relaciona com a Lei Maria da Penha?
As duas leis possuem um ponto em comum: ambas foram idealizadas na busca pela especial proteção à mulher.
A Lei Maria da Penha trouxe institutos mais amplos, tendo sido verdadeiro divisor de águas em relação à proteção jurídica da mulher como vítima de crimes, especialmente domésticos.
Enquanto a Lei do Feminicídio foi mais focada na tipificação e penas nos crimes praticados contra a vida ou integridade física da mulher, sem abordar maiores alterações em políticas públicas ou orientações para as instituições que atendem às mulheres vítimas de tais crimes.
Dessa forma, entendemos que, inegavelmente, a Lei do Feminicídio integra e complementa essa estrutura de normas protetoras da mulher inaugurado pela Lei Maria da Penha.
Existem agravantes em casos de feminicídio praticado na frente de filhos ou familiares?
A lei prevê no artigo 121-A, §2º, inc. III, CP, o aumento de pena de 1/3 (um terço) caso o crime tenha sido praticado na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima.
Ou seja, não é preciso que os ascendentes ou descendentes estejam fisicamente presentes no momento, sendo suficiente que “presenciem” o fato, mesmo que de forma virtual, como em uma chamada de vídeo, por exemplo.
Qual é a função do advogado na defesa do acusado?
O advogado tem uma responsabilidade fundamental na defesa de um acusado por feminicídio. Ele garante que os direitos do réu sejam respeitados e que ele tenha um julgamento justo, mesmo diante da gravidade e da sensibilidade desse tipo de crime.
A atuação do advogado é especialmente importante nesses casos porque crimes de homicídio já causam grande comoção social, o que pode dificultar uma análise racional dos fatos. No caso do feminicídio, a reação da população costuma ser ainda mais emocional – o que é social e psicologicamente compreensível.
Dessa forma, o advogado responsável pela defesa do acusado deve se atentar, entre outras coisas, para os seguintes pontos:
Proteção dos direitos do acusado
Ele assegura o direito à ampla defesa (em sua plenitude, especialmente no Tribunal do Júri), ao contraditório e ao devido processo legal, por meio de um acompanhamento processual efetivo.
Análise e interpretação de provas
O advogado acompanha e revisa não apenas as evidências coletadas, mas também se a forma dessa coleta ocorreu de acordo com a lei. Ele está pronto para impugnar qualquer evidência obtida sem respeito à cadeia de custódia das provas.
Construção de uma defesa sólida
É preciso elaborar uma estratégia que faça sentido para o caso, observando, por exemplo, a possibilidade de não haver provas da autoria do acusado, ou se o caso se trata de um homicídio comum, não motivado “por razões da condição do sexo feminino”, entre outras possibilidades.
Abordagem firme, mas cuidadosa
Considerando que a plenitude de defesa recebeu limites – como a impossibilidade do uso de teses que revitimizem a mulher ou outras como a “legítima defesa da honra” –, o advogado deve ser cuidadoso. Certas teses podem, inclusive, gerar a antipatia dos jurados.
Atuação no Tribunal do Júri
Essa atuação demanda preparo e habilidades totalmente diferentes das exigidas em processos submetidos ao julgamento de juízes togados.
Gestão da percepção pública e suporte
Esta é uma das questões mais delicadas em casos que se submetem ao Tribunal do Júri. Com o julgamento feito por leigos, o gerenciamento da narrativa midiática é imprescindível para proteger a reputação do acusado e minimizar o impacto negativo da exposição. Além disso, é importante oferecer suporte emocional ao acusado e seus familiares.
Tudo deve ser feito considerando que a atuação do advogado é balizada pela ética profissional e pelo respeito aos direitos humanos, buscando sempre a justiça dentro dos limites legais.
Qual é a função do advogado na defesa da vítima?
O advogado da vítima (ou de seus representantes legais) atua tecnicamente como assistente de acusação. Esse profissional tem uma função crucial em casos de feminicídio, trabalhando junto ao Ministério Público para fortalecer a acusação e garantir que a voz da vítima (ou de seus familiares, em caso de morte) seja ouvida e seus interesses sejam protegidos durante todo o processo penal.
Entre as principais atribuições do assistente de acusação, destaca-se:
Suporte à vítima e à família
O advogado oferece acolhimento e orientação, explicando pacientemente cada fase do julgamento e assegurando que os interesses dos clientes sejam considerados ao longo do processo.
Fortalecimento da acusação
O profissional colabora com o Ministério Público, oferecendo diferentes pontos de vista sobre o caso, sugerindo provas relevantes que poderiam passar despercebidas e complementando perguntas em depoimentos e interrogatórios. Ele também apresenta alegações finais que realçam os aspectos favoráveis à acusação.
Acompanhamento do processo e de recursos
O assistente de acusação pode auxiliar na fiscalização do processo, evitando falhas e garantindo que a acusação atue em todos os momentos processuais importantes.
Busca pela reparação civil
Isso inclui o ajuizamento de ação civil e, antes disso, uma atuação estratégica no processo criminal para assegurar a culpa e a responsabilidade do acusado, e a fixação de um valor mínimo para a reparação dos danos na sentença.
Em suma, o advogado assistente de acusação em um caso de feminicídio é a voz legal da vítima e sua família. Ele trabalha para apoiá-los durante o julgamento, assegurar que o agressor seja responsabilizado e que a memória da mulher seja honrada.
Conclusão:
A Lei do Feminicídio, especialmente após a alteração de 2024, representa um marco na luta contra a violência de gênero, reforçando a gravidade desses crimes e aumentando as penas aplicáveis.
Sua evolução demonstra o reconhecimento da necessidade de um tratamento jurídico específico para combater a violência contra mulheres.
O papel do advogado, seja na defesa do acusado ou como assistente de acusação, é essencial para garantir um processo justo e eficiente.
A atuação jurídica adequada assegura não apenas a punição dos culpados, mas também a valorização da memória das vítimas e a efetivação da justiça.
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Conheça as referências deste artigo
FÖPPEL, Gamil; Figueiredo, Rudá Santos. Criminal. Homicídio contra a mulher: Feminicídio é medida simbólica com várias inconstitucionalidades. Consultor Jurídico. 23 mar. 2015.
STABILE, Amanda. Lei do Feminicídio: “Quando a legislação não é clara, o Estado fecha os olhos”. Nós Mulheres da Periferia. 05 maio 2025.
MORON, Eduardo Daniel Lazarte; MATTOSINHO, Francisco Antonio Nieri. A Lei n.º 13.104/2015 (Feminicídio): simbolismo penal ou uma questão de direitos humanos?. Revista de Direitos Humanos em Perspectiva. v. 1, n. 2, p. 234, Minas Gerais, Jul/Dez. 2015.
Advogado (OAB 75.386/PR e 22.455A/MS), sócio do Alencar & Pressuto em Campo Grande-MS. Bacharel em Direito e especialista em Ciências Criminais pela PUC/PR. Possui larga experiência em procedimentos de inclusão em penitenciárias federais. Hoje atua exclusivamente na assessoria empresas, urbanas...
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