A Lei nº 15.071/24 atualiza o tratamento das remessas internacionais no Regime de Tributação Simplificada (DL 1.804/80) e traz mudanças importantes no Programa MOVER (Lei 14.902/2024). O diploma cria base legal para que o Ministro da Fazenda possa reduzir (inclusive a zero) o Imposto de Importação sobre medicamentos acabados destinados a uso pessoal. Além disso, estabelece deveres para plataformas de e-commerce, como o envio antecipado de dados e o repasse de tributos cobrados.
Quem compra produtos do exterior pela internet ou depende de medicamentos inexistentes no mercado brasileiro conhece, na prática, a complexidade dos tributos, das regras e dos prazos envolvidos.
É nesse cenário que surge a Lei nº 15.071/2024, sancionada em 23 de dezembro de 2024, como parte do esforço para modernizar o tratamento das remessas internacionais e ajustar políticas industriais voltadas à descarbonização automotiva.
A norma atualiza o Decreto-Lei nº 1.804/1980, que disciplina o Regime de Tributação Simplificada (RTS) e promove ajustes na Lei nº 14.902/2024, que instituiu o Programa MOVER.
No varejo digital, cria deveres mais claros para as plataformas de e-commerce, como a prestação antecipada de informações à Receita Federal e o repasse transparente dos tributos.
Na área da saúde, estabelece base legal para que o Ministro da Fazenda possa reduzir, inclusive a zero, o Imposto de Importação (II) incidente sobre medicamentos acabados importados por pessoa física para uso próprio, afastando limites de valor e pisos mínimos de alíquota.
Trata-se de um ponto sensível, com impacto direto sobre pacientes que precisam de tratamentos ainda indisponíveis ou financeiramente inacessíveis no país.
Este texto busca explicar, em linguagem acessível, as mudanças práticas: como ficam as remessas no RTS, o que esperar das novas rotinas no e-commerce, quais são os benefícios e desafios para consumidores e empresas e de que forma os ajustes no MOVER podem impactar a cadeia automotiva.
Também destacamos os principais dispositivos da lei e seus efeitos, ressaltando limites relevantes e pontos que ainda dependem de regulamentação. Continue a leitura!
O que é a Lei 15.071/24?
A Lei nº 15.071/2024 atualiza o tratamento das remessas internacionais no Brasil e ajusta pontos do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER).
Sancionada em 23/12/2024 e publicada em 24/12/2024, a norma altera, principalmente, o Decreto-Lei nº 1.804/1980 (que rege o Regime de Tributação Simplificada – RTS) e a Lei nº 14.902/2024 (MOVER).
No campo tributário-aduaneiro, a lei promove três inovações centrais:
Medicamentos importados para uso próprio
Inclui no Decreto-Lei nº 1.804/80 o art. 1º, §2º-B, que autoriza o Ministro da Fazenda a reduzir (inclusive a zero) ou ajustar a alíquota do Imposto de Importação (II) para classes de medicamentos quando importados por pessoa física para uso próprio.
A norma permite afastar o limite de valor do RTS e desconsiderar pisos mínimos de alíquota, criando base legal para uma política de importação mais acessível a pacientes.
Obrigações das plataformas de e-commerce
Acrescenta o art. 2º-A ao Decreto-Lei nº 1.804/80, impondo deveres às empresas de comércio eletrônico que atuam com remessas internacionais no âmbito do RTS.
Essas plataformas devem enviar dados à Receita Federal antes da chegada da remessa e repassar os tributos federais e estaduais cobrados do destinatário ao responsável pela declaração de importação.
O dispositivo também define “empresa de comércio eletrônico” como aquela que utiliza plataformas e meios digitais para intermediar a venda de produtos.
O objetivo é ampliar a transparência, agilizar a liberação das mercadorias e reduzir a assimetria concorrencial entre produtos importados e nacionais.
Restituição do Imposto de Importação (II)
Introduz o art. 2º-B no Decreto-Lei nº 1.804/80, regulamentando a restituição do Imposto de Importação pago no RTS ao consumidor, desde que haja a efetiva devolução do produto ao exterior, em consonância com o Código de Defesa do Consumidor.
A proposta de responsabilização sem devolução foi vetada, restando sua eventual reintrodução condicionada à análise do veto pelo Congresso, reforçando que a restituição está condicionada ao retorno efetivo da mercadoria.
Essas mudanças não alteram as exigências sanitárias da Anvisa (como prescrição, controle especial ou proibições) nem substituem as regras aplicáveis à bagagem de viajantes.
Tratam exclusivamente de remessas postais ou courier e da incidência do II no RTS. Além disso, a lei não prevê isenção do ICMS, ao contrário, deixa explícito que tributos estaduais podem ser devidos, cabendo às plataformas o repasse dos valores ao declarante.
Impactos no e-commerce e no processo de importação
A Lei nº 15.071/24 moderniza o fluxo das remessas internacionais ao estabelecer deveres claros para empresas de comércio eletrônico e ao ajustar a lógica do Regime de Tributação Simplificada (RTS).
O objetivo é conferir previsibilidade ao consumidor e responsabilizar quem intermedeia as vendas, reduzindo fraudes e atrasos no desembaraço.
Quem é “empresa de comércio eletrônico”?
A lei define como empresa de e-commerce aquela que utiliza plataformas, sítios eletrônicos ou meios digitais para intermediar a venda de produtos.
Esse enquadramento alcança tanto empresas nacionais quanto estrangeiras que comercializam com consumidores brasileiros por meio de remessas internacionais.
Principais deveres no Regime de Tributação Simplificada (RTS):
Com as mudanças no RTS, as plataformas de e-commerce que operam com remessas internacionais passam a assumir responsabilidades mais claras.
A seguir, destacamos os principais deveres previstos no novo modelo.
Dados antecipados:
A plataforma deve enviar à Receita Federal, antes da chegada do veículo transportador, as informações necessárias para registrar a declaração de importação.
Repasse de tributos:
Os valores de tributos federais e estaduais cobrados do destinatário devem ser repassados ao responsável pela declaração de importação. Na prática, isso favorece checkouts com tributos discriminados, reduzindo surpresas na entrega.
Transparência e velocidade:
Com dados completos e pagamento antecipado, a tendência é de liberação mais rápida e com menor incidência de retenções por inconsistências.
O que não muda no RTS?
- As exigências sanitárias da Anvisa permanecem (receitas médicas, controles especiais e restrições de substâncias);
- A lei não isenta o ICMS. O imposto estadual pode incidir conforme a unidade federativa, e a obrigação de repasse não altera a competência tributária;
- O RTS aplica-se apenas a remessas postais ou por courier. Bagagem de viajante e importação formal continuam sujeitas a regras próprias.
Política operacional vigente (fora do texto legal):
Para bens em geral (exceto medicamentos para uso próprio), a Receita Federal prevê atualmente:
- 20% de II para remessas de até U$50;
- 60% de II para remessas entre US$50,01 a U$3.000, com dedução fixa de US$20 no imposto devido.
Essa gradação decorre de atos infralegais editados em 2024 e pode ser ajustada administrativamente.
Para além disso, a lei autoriza o Ministro da Fazenda a ajustar as alíquotas do RTS, observando, entre outros critérios, a adesão das plataformas a programas de conformidade. A mensagem é clara, o cumprimento das regras tende a reduzir entraves operacionais e pode resultar em tratamento mais favorável no RTS.
Impactos na importação de medicamentos para uso próprio:
A lei incluiu no Decreto-Lei nº 1.804/1980 o art. 1º, § 2º-B, que autoriza o Ministro da Fazenda a reduzir (inclusive a zero) ou ajustar a alíquota do Imposto de Importação (II) para medicamentos acabados importados por pessoa física para uso próprio.
Essa autorização permite afastar o limite de valor do RTS e desconsiderar pisos mínimos de alíquotas.
A regra não é genérica para qualquer bem, aplica-se apenas a medicamentos prontos para consumo, destinados a uso pessoal. Não se estende a insumos farmacêuticos, matérias-primas ou preparações magistrais.
Com base nessa autorização, atualmente, a regulamentação estabelece Imposto de Importação = 0% para medicamentos de uso próprio importados por remessa internacional até cerca de US$10.000 por remessa.
Acima desse valor, não há isenção automática, o tratamento depende do ato normativo em vigor. Como se trata de matéria infralegal, a política pode ser ajustada administrativamente.
A lei não alterou as regras da Anvisa. Continuam exigidos: prescrição médica, quando cabível, cumprimento de regras para substâncias sujeitas a controle especial, importação em quantidades compatíveis com o tratamento e observância de demais condicionantes sanitárias.
Em relação aos tributos e custos adicionais, a flexibilização atinge apenas o Imposto de Importação. O ICMS pode incidir conforme a legislação de cada unidade federativa. Podem existir ainda custos logísticos (ex.: serviços postais) e taxas do operador.
Para evitar recusas e atrasos, é recomendável:
- Apresentar documentação clínica objetiva (receitas e relatórios médicos sucintos);
- Descrever claramente o produto (nome do medicamento, dosagem, forma e quantidade);
- Garantir a compatibilidade entre a quantidade importada e o período terapêutico;
- Informar corretamente os dados do destinatário e acompanhar a remessa no sistema do operador. Em caso de devolução (arrependimento ou problema na compra), lembrar que a restituição do II no RTS só ocorre se houver retorno efetivo da mercadoria ao exterior.
Principais artigos comentados:
DL nº 1.804/1980, art. 1º, § 2º-B (medicamentos e ajuste de alíquotas)
O § 2º-B autoriza o Ministro da Fazenda a:
- Reduzir (inclusive a zero) ou ajustar as alíquotas do Imposto de Importação para produtos acabados pertencentes a classes de medicamentos, importados por pessoa física para uso próprio, afastando o limite de valor do RTS e os pisos mínimos do § 2º-A;
- Modular as alíquotas do § 2º-A (bens em geral no RTS), observados os pisos de 20% e 60%, inclusive para diferenciar por via postal e por adesão ao programa de conformidade da RFB.
Por que importa? Dá base legal para II = 0% (quando regulamentado) em medicamentos de uso pessoal e cria a “válvula” de ajuste das faixas do RTS para os demais bens, preservando mínimos em lei.
DL nº 1.804/1980 – art. 2º-A (deveres do e-commerce e definição)
A empresa de comércio eletrônico que realize remessas no RTS deve:
- Prestar informações à RFB antes da chegada do veículo transportador, para registro da declaração;
- Repassar ao responsável pela declaração os tributos federais e estaduais cobrados do destinatário, no sistema informatizado de controle de remessas.
O parágrafo único define empresa de e-commerce (nacional ou estrangeira) como aquela que utiliza plataformas/sítios/meios digitais para intermediar a venda de produtos.
É importante porque reforça transparência e celeridade no desembaraço e viabiliza checkout com tributos discriminados, sem criar isenção de ICMS.
DL nº 1.804/1980 – art. 2º-B (restituição do II no RTS e veto)
A RFB disciplinará o procedimento de restituição ao consumidor do Imposto de Importação pago no RTS nas hipóteses do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e quando houver desistência da compra com devolução efetiva do produto ao exterior.
O inciso II (hipótese sem devolução) foi vetado. Ou seja, sem retorno ao exterior, não há restituição com base neste artigo.
É importante porque assegura o direito de restituição em casos legítimos, sem transferir automaticamente a responsabilidade tributária ao e-commerce quando não houve devolução.
Lei nº 14.902/2024 (MOVER) – veículos e autopeças
A Lei 15.071/24 alterou a Lei 14.902/2024 para:
- Art. 2º, § 10 – permitir importação de veículos por PF/PJ direta ou indiretamente (conta e ordem/encomenda), com tratamento tributário equivalente, mediante ato de registro do art. 3º;
- Art. 26, §§ 6º e 7º – autorizar, em autopeças não produzidas, importação direta, por encomenda ou por conta e ordem (tratamento equivalente) e atribuir a condição de investimentos à empresa habilitada encomendante/adquirente;
- Art. 29, §4º – vetado.
A Lei é importante porque abre vias operacionais com isonomia e vincula a contrapartida de investimentos ao sujeito habilitado que demanda as importações.
Regras de transição e vigência:
A Portaria MF nº 156/1999, incluindo a isenção prevista no § 2º do art. 1º, continua aplicável às remessas com Declaração de Importação (DI) registrada até 31/7/2024. Para remessas com DI registrada a partir de 1º/8/2024, aplicam-se os artigos 32 e 34, inciso II, da Lei nº 14.902/2024.
A nova legislação revoga as Medidas Provisórias 1.249/2024 e 1.271/2024, convalida os atos praticados com base nas MPs 1.236/2024, 1.249/2024 e 1.271/2024, e entra em vigor na data de sua publicação: 24 de dezembro de 2024.
Conclusão
A Lei nº 15.071/24 representa um avanço relevante em duas frentes: moderniza o tratamento das remessas internacionais no âmbito do RTS e ajusta o MOVER, conectando política tributária, comércio digital e indústria automotiva.
Para o cidadão, o ponto mais sensível é a criação de base legal que autoriza o Ministro da Fazenda a zerar o Imposto de Importação sobre medicamentos importados por pessoa física para uso próprio, afastando limites de valor e pisos mínimos de alíquota. Trata-se de uma medida que tende a ampliar o acesso a tratamentos ainda indisponíveis ou onerosos no mercado nacional.
No e-commerce, a lei fortalece transparência e previsibilidade. Informações antecipadas à Receita Federal e repasse de tributos pelo intermediador tornam o processo mais ágil e reduzem surpresas ao consumidor.
Ao mesmo tempo, a norma preserva a integridade das exigências sanitárias da Anvisa e mantém a possibilidade de incidência do ICMS, conforme a legislação estadual.
Em termos práticos, pacientes que importam medicamentos para uso próprio terão benefícios concretos, desde que observem rigorosamente as regras sanitárias e a incidência de ICMS.
Plataformas e lojistas precisam reforçar a governança de dados e tributos. Já os operadores jurídicos devem acompanhar a regulamentação infralegal e a apreciação dos vetos para orientar clientes com precisão.
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Luiz Paulo Yparraguirre é Mestre pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ), Pós Graduado em Advocacia Empresarial (PUC) e em Direito Médico e Hospitalar (UCAM). Membro da World Association for Medical Law (WAML). Sócio do...
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