A contravenção penal é um tipo de infração considerada menos grave do que os crimes. No Brasil, sua definição e punição estão previstas na Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), que estabelece sanções mais leves, como prisão simples — geralmente em regime aberto ou semiaberto — ou multa. Entre os exemplos mais comuns estão a perturbação do sossego, o jogo do bicho e as chamadas vias de fato, que são agressões sem lesões aparentes.
As contravenções penais compõem uma categoria de ilícitos penais prevista no Decreto-Lei nº 3.688/1941.
Trata-se de uma legislação antiga, elaborada sob um contexto constitucional diferente do atual, mas que foi recepcionada pelas Constituições posteriores.
Apesar disso, é importante destacar que diversos dispositivos dessa norma já não têm mais aplicação prática, por terem sido superados por legislações mais recentes e específicas.
Neste artigo vamos nos aprofundar sobre o tema e trazer os principais aspectos da lei. Continue a leitura! 😉
O que é a contravenção penal?
Contravenção penal é a ação ou omissão voluntária tipificada dentro dos limites desta legislação. Diferente do conceito de crime, a contravenção penal não depende de dolo ou culpa, salvo disposição legal específica. Trata-se daquilo previsto no artigo 3º do Decreto, criticável de diversas maneiras.
Na Teoria Finalista do Crime, o crime é compreendido como fato típico, antijurídico e culpável. Por sua vez, o fato típico se divide em conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade. Por fim, a conduta se divide em ação dolosa ou culposa, sendo o dolo a vontade consciente de praticar o ato ilícito, com o conhecimento de sua ilicitude.
Dentro desse contexto, o artigo 3º da Lei das Contravenções Penais admite uma forma de responsabilidade objetiva do agente, o que, em tese, é vedado no âmbito penal. Isso porque o dispositivo dispensa a análise do dolo e, consequentemente, do conhecimento da ilicitude e da intenção de praticar o ato.
Assim, para a configuração de uma contravenção penal, bastaria a prática do ato e a ocorrência do resultado (jurídico ou naturalístico), sendo irrelevante a verificação das intenções ou da consciência do agente quanto ao contexto de sua ação.
Esse entendimento amplia as possibilidades de responsabilização, já que os critérios tradicionais da conduta criminosa, como dolo e culpa, passam a ser exigidos apenas se considerados relevantes no caso concreto.
Diferença entre crime e contravenção penal:
Antes de tudo, é importante destacar as diferenças entre crime e contravenção penal, especialmente no que diz respeito às formas de sanção aplicadas à conduta ilícita.
No caso de crime as penas podem ser privativas de liberdade (reclusão ou detenção), em regime fechado, semiaberto ou aberto, alternativas (prestação de serviços comunitários, interdição de direitos, prestação pecuniária) e multa.
No caso de contravenções penais, as penas previstas (art. 5º) são multa ou prisão simples, sendo esta cumprida sempre em regimes semiaberto ou aberto.
É importante observar que todas as contravenções penais possuem uma pena máxima igual ou inferior a 2 anos, sendo consideradas infrações de menor potencial ofensivo, aplicando-se o rito processual e benefícios da Lei 9.099/95.
Benefícios processuais aplicáveis às contravenções penais
As contravenções penais admitem a aplicação de benefícios como a composição civil dos danos, transação penal e suspensão condicional do processo.
A exceção seria para contravenções penais relacionadas com violência doméstica ou familiar, hipótese em que incide a vedação do artigo 41 da Lei 11.340/06.
Em relação à suspensão condicional do processo, merece destaque a previsão de uma forma específica prevista no artigo 11 do Decreto-Lei 3.688/41. Neste caso, o feito pode ser suspenso por 1 a 3 anos, sem que exista a necessidade do beneficiado de se submeter às condições previstas no parágrafo 1º do artigo 89 da Lei 9.099/95.
Trata-se de uma possibilidade jurídica mais benéfica, com menor prazo de duração e menos condições a serem seguidas, devendo ser aplicado nos casos em que a composição civil de danos e a transação penal não sejam possíveis.
Nesta mesma direção, a baixa duração das penas previstas para as contravenções penais permitiria a conversão da reprimenda corporal em penas alternativas (art. 44 do Código Penal), bem como a suspensão de sua execução, pelo período de 02 a 04 anos (art. 77 do Código Penal).
Nesta última categoria não há a punição da tentativa (art. 4º), ou seja, se pune apenas a forma consumada da conduta, aquela em que se produza um resultado jurídico ou naturalístico previsto em um dos dispositivos do Decreto.
Apesar da baixa gravidade das condutas, expressa pela baixa pena prevista, contravenções penais se processam mediante Ação Penal Pública Incondicionada (art. 17), sendo dispensável a representação da vítima.
Outro ponto relevante para o tema diz respeito à dinâmica da reincidência. Observa-se que a condenação por contravenção penal não configura reincidência, na hipótese de cometimento de crime (art. 63 do Código Penal).
Por sua vez, a condenação por crime ou contravenção, geram reincidência no processo por nova contravenção (art. 7º), respeitando algumas peculiaridades da legislação relacionadas com o tipo de ilícito penal e o local em que foi praticado.
Os efeitos práticos desta dinâmica acabam sendo limitados, considerando a baixa duração das penas, a aplicação de benefícios da Lei 9.099/95 e as restrições com relação ao regime inicial de cumprimento de pena, obstando a aplicação de regime inicial fechado ao réu reincidente em contravenção penal.
Tipos de contravenções penais:
Diversas contravenções penais não possuem mais aplicabilidade prática, considerando o surgimento de dispositivos legais posteriores (mais recentes) e específicos, que acabam por se sobrepor ao seu teor.
Vejamos alguns artigos:
- Artigos 18 e 19, referentes a fabricação, comércio, porte e posse irregular de arma ou munição. Aplica-se o disposto nos artigos 12 a 21 da Lei 10.826/03. A exceção acaba sendo com relação a armas brancas (facas, espadas, canivetes), hipótese em que o dispositivo ainda é aplicável.
- Artigo 28, referente ao disparo de arma de fogo. Aplica-se o disposto no artigo 15 da Lei 10.826/03. Cumpre destacar, no entanto, o disposto no parágrafo único, que torna o tipo penal aplicável para a hipótese da queima irregular de fogos de artifício ou da prática conhecida como “soltar balão”.
- Artigo 32, referente a condução de veículo automotor sem habilitação. Aplica-se o disposto no artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro. Cumpre destacar a exceção feita com relação a embarcações náuticas, hipótese em que o dispositivo ainda é aplicável.
- Artigo 34, referente a direção perigosa de veículo automotor. Aplica-se o disposto no artigo 308 ou 311 do Código de Trânsito Brasileiro, a depender do contexto do caso concreto.
- Artigo 45, referente ao ato do agente de se passar por funcionário público. Aplica-se o disposto no artigo 328 do Código Penal.
- Artigo 64, referente a crueldade no tratamento contra animais. Aplica-se o disposto no artigo 32 da Lei 9.605/98.
Superada a questão da superação parcial do Decreto-Lei 3.688/41 por normas mais recentes e específicas, é importante destacar algumas das contravenções penais que ainda apresentam aplicabilidade prática no cenário jurídico atual.
Fabricação
A primeira delas diz respeito à fabricação, comercialização e posse de instrumentos utilizados na prática de crimes patrimoniais, muitas vezes chamadas de “gazuas”.
A previsão está nos artigos 24 e 25 do Decreto e possui penas que chegam a 01 ano para a posse e a 02 anos para a fabricação e comercialização.
A reflexão resta no fato de que a posse destes instrumentos pode ser entendida como meio para a prática de crimes patrimoniais, hipótese em que seria aplicado o princípio da consunção.
Vias de Fato
A próxima Contravenção Penal, a ser considerada, é a chamada Vias de Fato, prevista no artigo 21 do Decreto.
Neste caso, diferente do crime de lesão corporal, há um embate físico entre autor e vítima, que não produz lesão.
Com efeito, evidente que se trata de infração que não deixa vestígios, tornando o laudo de exame de corpo delito dispensável para a comprovação da materialidade, bastando a produção da prova dos fatos por outros meios, como gravações e testemunhas.
A pena máxima prevista é de 03 meses, sendo destaque para a causa de aumento para vítima maior de 60 anos (1/3) ou mulher, quando a conduta é praticada com motivação de gênero (triplica).
Perturbação de sossego
Em terceiro lugar, observa-se a contravenção penal de perturbação da paz e do sossego alheio, prevista no artigo 42 do Decreto e com pena máxima prevista de até 03 meses de prisão simples.
A conduta trabalha com a emissão excessiva de ruído, em suas diversas formas, e expressa uma preocupação constante do cotidiano das grandes cidades.
Não são raros os casos de estabelecimentos comerciais que emitem ruído acima dos limites legalmente previstos pela legislação municipal, provocando incomodo na vizinhança.
A conduta sujeita os responsáveis por tais estabelecimentos não apenas a sanções administrativas, mas também a responsabilização pela citada contravenção penal.
O ponto de destaque acaba sendo que a legislação municipal que estabelece os limites de ruído em determinada região da cidade, bem como a dinâmica de isolamento acústico, acaba atuando como verdadeira norma penal em branco, necessária para o preenchimento da tipicidade desta contravenção penal.
Não bastando, o questionamento da infração administrativa na esfera municipal pode atuar como questão prejudicial heterogênea, passível de impedir a tramitação da análise da responsabilidade criminal, enquanto não resolvida.
Nesta mesma direção, dinâmica similar pode ser observada nas normas condominiais para a emissão de ruído em excesso, passíveis de possibilitar ou não, o preenchimento da tipicidade desta contravenção penal, no contexto de desavenças entre moradores de determinado prédio.
Exercício irregular da profissão
A quarta contravenção penal de destaque diz respeito ao exercício irregular da profissão (art. 47), aplicável principalmente no contexto de categorias profissionais regulamentadas por entidades de classe e que dependam de autorização especial para o seu exercício, como a advocacia e a medicina.
Neste caso, os agentes que atuem sem a devida autorização respondem pelo delito, além da possibilidade de sua responsabilização cível e criminal, pelos danos que venham a causar (lesão corporal ou morte).
Ademais, a responsabilização ocorre também no contexto de profissionais que estejam com o registro suspenso (ainda que temporariamente), como no caso de profissional da advocacia que, uma vez suspenso em razão de procedimento no Tribunal de Ética (transitado em julgado), continue a exercer o ofício.
A pena vai de 15 dias a 03 meses ou multa.
Exploração de jogos de azar
A exploração de jogos de azar depende de autorização legal, sem a qual uma das contravenções penais previstas nos artigos 50 a 58 estará preenchida.
Observa-se que desde o advento da Lei 13.756/18 (e dispositivos subsequentes), ocorreu uma grande expansão das espécies de jogos de azar autorizadas a funcionar, reduzindo a aplicação dos dispositivos do Decreto em comento.
O ponto interessante, é a atual variação, por meio de ato do Poder Executivo, a respeito dos atores autorizados – ou não – a funcionar neste mercado.
Desta forma, o preenchimento desta contravenção penal, depende da análise se os responsáveis pela empresa detinha, ao tempo do fato, autorização para funcionar ou se estavam suspensos em seu funcionamento, ainda que temporariamente.
Nesta mesma direção, decisão em eventual judicialização de ato administrativo que suspenda o funcionamento de uma destas empresas pode ter efeito direto sobre a responsabilização criminal do agente, gerando novamente questão prejudicial heterogênea, passível de obstar o trâmite de inquérito policial e ação penal por estes fatos.
Conclusão
A Lei das Contravenções Penais, com mais de 80 anos de vigência, é um instrumento legal que reflete um ordenamento jurídico ultrapassado e que passou por poucas atualizações desde sua criação.
Sua aplicação, atualmente, depende da conjugação com outros dispositivos legais, muitas vezes extrapolando os limites do Direito Penal.
Neste ato de conjugação observa-se o aperfeiçoamento de todo o ordenamento jurídico, com a tutela de bens jurídicos antes tratados como contravenção penal (maus tratos de animais), em legislações novas e mais específicas, reduzindo ainda mais o escopo de aplicação deste Decreto.
Por fim, há que se considerar também o excesso de trabalho da polícia e o caráter de ação penal pública incondicionada desta legislação, o que termina por onerar excessivamente os órgãos de persecução penal e que poderiam oferecer um maior foco de sua capacidade investigativa para condutas dotadas de maior gravidade e, consequentemente, de maior impacto na vida social.
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Conheça as referências deste artigo
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 24ª edição. São Paulo, Saraiva Educação, 2018.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 6ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
PACELLI, Eugênio e CALLEGARI, André. Manual de Direito Penal: parte geral. 3ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2017.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: volume único. 20ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2022;
ZAFFARONI, Eugênio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: volume 1: parte geral. 9ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
Advogado (OAB/SP 318.248). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós-graduado em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Pós-graduado em Direito...
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