O estágio de Direito é um momento importante para o estudante da área, principalmente porque é através dele que se tem contato pela primeira vez com o ambiente de trabalho. O estagiário, por sua vez, é peça fundamental em um escritório de advocacia, que auxilia o advogado tanto nas funções mais simples, como também nas mais difíceis.

Assim, ter uma boa equipe de estagiários é essencial para que os trabalhos ocorram perfeitamente. A dificuldade está em encontrar estudantes que se identifiquem com os valores e filosofias do escritório e que se adequem a rotina de uma banca de advogados. Por isso, apesar de não deter conhecimento técnico de recrutamento e seleção, neste post tentarei dividir um pouco da minha experiência sobre processos de seleção para estágio de Direito.

Os níveis de estagiários

A ideia principal do estágio aqui do escritório é a de formação de bons profissionais para o mercado de trabalho, seja para trabalhar em seu próprio escritório, seja para atuar em pequenas, médias ou grandes bancas.

Com isso em mente, divido os estagiários da minha equipe em três níveis: os de início de curso (1ª a 3ª fase); os intermediários (4ª a 6ª fase), e; os de final de curso (7ª a 10ª fase). Essa divisão funciona para atribuição de tarefas e para melhor organização da equipe.

Enquanto os estagiários de início de curso são encarregados de questões administrativas do setor, tais como cadastro de processos no software de gestão e relatórios simples, aqueles de final de curso já elaboram petições, pareceres e contratos mais complexos. Dessa maneira, os estudantes evoluem dentro do estágio na medida do crescimento do conhecimento técnico adquirido na graduação e agregam tarefas e responsabilidades em igual compasso.

A primeira etapa da seleção de estagiários

Gosto de entrevistar pessoalmente cada candidato a estágio. Acredito que o contato e a percepção da entrevista ajudam muito na escolha do estagiário e minimizam as chances de erro na seleção. Assim, depois da escolha dos currículos encaminhados, faço uma primeira entrevista com as pessoas selecionadas.

Utilizo esse encontro para ter uma percepção da postura e desenvoltura dos candidatos. Costumo iniciar a entrevista fazendo questionamentos sobre o currículo encaminhado e sobre as razões de o estudante ter procurado uma oportunidade em um escritório de advocacia, sem seguir um padrão ou um roteiro pré-definido.

Entretanto, existem duas indagações que faço obrigatoriamente em todas as entrevistas, pois entendo que refletem um valor primordial para mim: a busca de constante evolução e desenvolvimento intelectual e profissional.

Quem leu o post relacionado a elaboração de petição inicial sabe que eu primo pelo método de abordagem dos fatos narrados e dos argumentos. É uma postura que sempre tento repassar aos meus estagiários. Dessa maneira, questiono aos candidatos, em uma primeira entrevista, se eles costumam ler literatura e com qual frequência.

A outra pergunta que está em meu roteiro de entrevista é sobre o método de estudo adotado e quais os doutrinadores são utilizados para explorar determinada disciplina. Candidatos que não buscam o constante aprimoramento e atualização são imediatamente descartados por mim.

Aliás, essa indagação é a que mais restringe o número de candidatos a integrar a minha equipe de estagiários. Tenho observado que os estudantes de Direito estão cada vez menos acostumados a pesquisar e estudar por livros, preferindo às ferramentas de buscas disponíveis na internet a doutrina. Percebo que os estudantes, ao utilizarem tal método moderno de pesquisa e estudos, acabam por desenvolver o raciocínio lógico e argumentativo do Direito com maior dificuldade, sobretudo, porque, em sua maioria, os materiais encontrados na internet são rasos, com pouco conteúdo agregado.

Por isso, como um dos “antigos que pesquisam em livros”, cada vez que vejo que um estagiário está utilizando exclusivamente a internet para fazer uma pesquisa doutrinária por mim solicitada, levanto, vou até a biblioteca do escritório para separar os principais livros sobre o tema e os deixo na mesa do estagiário. Ou seja, aos poucos vou incutindo neles a cultura “dos antigos”, o que faz com que os estagiários se aprofundem no conhecimento jurídico e evoluam o raciocínio argumentativo.

Os estudantes devem compreender que o estágio em escritório de advocacia é o momento para adquirir conhecimento e experiência na área, de aproveitar o know how de todos os advogados da banca, com o objetivo de se tornar bons profissionais e se destacar no mercado de trabalho. Assim, é crucial que o estagiário saiba desenvolver todas as atividades, principalmente a de raciocinar.

Estágio de direito: a segunda etapa da seleção

Depois da primeira entrevista, os candidatos que se destacaram são chamados para uma segunda etapa da seleção. Tal etapa consiste em verificar se os estudantes possuem noções de interpretação de texto, se eles conseguem transcrever isso de forma clara para o papel, bem como se eles conseguem comunicar também verbalmente o que compreenderam.

Para tanto, separo um texto ou decisão curtos, com nível de dificuldade condizente com a fase da graduação dos candidatos, e peço que eles leiam e escrevam o que entenderam do teor do documento. Destaco que a redação não precisa ser longa, mas sim, de no máximo quinze linhas.

Logo após o fim do tempo estipulado para a redação, peço que os candidatos expliquem verbalmente o que compreenderam. Aproveito esse momento para realizar perguntas específicas sobre o tema dado, de modo a verificar a capacidade de raciocínio lógico e rápido deles.

Com essa segunda etapa, consigo avaliar a escrita, a capacidade de interpretação de texto e a desenvoltura dos candidatos. Todos esses “testes” aplicados nas duas etapas são, na verdade, o dia-a-dia de um advogado, que deve saber se portar perante o cliente, compreender o Direito, interpretar um documento (seja ele uma decisão, um contrato, ou qualquer outro), transmitir a sua ideia e sustentá-la perante quem quer que seja.

A seleção de estagiário de Direito é o início de uma relação de confiança e de respeito mútuos, que se conquistam quando o líder da equipe destaca a importância e revela a essencialidade de cada função exercida dentro do estágio e o estudante se dedica com afinco às suas atribuições. Afinal, não basta que o estagiário tenha todas as qualidades procuradas durante as entrevistas, é preciso que ele se veja o estágio como uma oportunidade e queira se desenvolver dentro dele. Para que isso ocorra, é fundamental que o líder da equipe deixe os estagiários confortáveis para fazer questionamentos, por mais bobos que possam parecer, e, principalmente, é essencial que o coordenador do estágio se dedique aos seus estudantes.

Fernando Cascaes é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduado em Direito Societário e Empresarial e membro da American Bankruptcy Institute (ABI).