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Seção I – Disposições Gerais

Art. 46 a 50
Comentado por Rodrigo Tissot
27 mar 2024
Atualizado em 2 jul 2024

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Ao iniciar os dispositivos a respeito da aplicação do direito contratual às relações de consumo, o legislador evidencia a obrigatoriedade de que os consumidores tenham prévio conhecimento do contrato, sob pena de que a avença não produza vinculação. Mais que isso, o CDC determina que os termos do contrato devem ser claros e compreensíveis. 

Trata-se de uma medida inicial de proteção ao consumidor para evitar que cláusulas abusivas sejam impostas, notadamente em contratos de adesão

Como consequência, verifica-se na prática forense a declaração de nulidade de diversas cláusulas que não são apresentadas de forma transparente e compreensível aos consumidores, por violação ao dispositivo comentado. 

Na prática, um consumidor que assine um contrato de telefonia com cláusulas em letras pequenas e linguagem complexa, sem que haja clareza, poderá pleitear a nulidade das cláusulas atingidas. 

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Para a realização de interpretação dos contratos, o legislador se preocupou em estabelecer parâmetros protetivos em favor do consumidor. Assim, a partir da vulnerabilidade dos consumidores, as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. 

Dessa forma, em contratos em que haja contradição, omissão ou dubiedade, a interpretação sempre levará em conta o que seja melhor para o consumidor. 

Pensemos em um contrato que possui carência, mas cujo prazo esteja definido de forma ambígua. Neste caso, a interpretação quanto ao prazo deverá ser aquela que garanta o maior período de carência dentro da viabilidade hermenêutica.  

Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.

A norma estabelece uma forma de vinculação do fornecedor a partir da manifestação de vontade, mesmo que não haja um contrato formalizado. Dessa forma, escritos particulares (como conversas de whatsapp), recibos e pré-contratos geram obrigações ao fornecedor, que podem ser exigidas pelo consumidor por meio da execução específica. A execução específica é um procedimento próprio para garantir o cumprimento de uma obrigação. 

Exemplo prático: Consumidor adquiriu um eletrodoméstico sem que haja no contrato a previsão de garantia estendida. No momento da entrega do produto, lhe foi dado um recibo com a promessa de garantia estendida gratuita. Nesta hipótese, poderá o consumidor exigir o cumprimento da garantia, inclusive de forma judicial.  

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

O artigo 49 estabelece o que se chama de “direito de arrependimento”, pelo qual o consumidor que adquire produtos ou serviços fora do estabelecimento comercial, poderá desistir da compra em um determinado prazo, sem que o fornecedor possa se opor à decisão do consumidor.

Na prática, quando o consumidor compra produtos ou serviços fora do estabelecimento (pela internet, por telefone ou mesmo a domicílio), entende-se que não teve a oportunidade de avaliar e refletir totalmente sobre o produto/serviço. Por isso, o legislador garantiu o direito de que o consumidor, em 7 dias contados do recebimento do produto ou serviço, simplesmente opte por devolvê-lo, com o direito de restituição integral do preço. 

Trata-se de direito potestativo, ou seja, pode ser exercido mesmo que o fornecedor não concorde. Mais, o fornecedor deverá arcar com os custos de transporte do produto, tanto de ida, quanto de volta. 

Dessa forma, caso um consumidor adquira um tênis e não goste de sua cor, poderá devolvê-lo, sem qualquer ônus ou multa, desde que observado o prazo de 7 dias contados do recebimento. O fornecedor deverá, neste caso, devolver todo o dinheiro corrigido, sem qualquer questionamento. Ultrapassado o prazo de 7 dias, o direito simplesmente deixa de existir, por isso a observância do prazo é muito importante. 

Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.

Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.

Ainda no campo contratual, o legislador se ocupou de regrar a aplicabilidade das garantias contratuais, tão utilizadas como argumento de venda por diversos fornecedores. 

É sabido que o CDC estabelece a garantia legal para produtos e serviços, sendo o prazo determinado a partir da durabilidade ou não durabilidade do produto/serviço. Para além da garantia legal, os fornecedores passaram a oferecer garantias contratuais, muitas vezes chamadas de “garantias estendidas”, de forma gratuita ou onerosa. 

Para evitar que os fornecedores “descontem” o prazo da garantia legal da garantia contratual, o CDC determinou que a garantia contratual, ou seja, voluntária, será somada à garantia legal, devendo ser conferida por termo escrito. 

Este termo de garantia deverá regrar, de forma clara, os detalhes da garantia, como o prazo, local de exercício e os ônus que estão a cargo do consumidor. Para além disso, o termo deve ser entregue no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instruções, instalações e uso do produto, sempre de forma didática e ilustrativa. 

Na prática, portanto, caso um consumidor adquira um eletrodoméstico durável, com garantia estendida de 12 meses, ele terá este prazo somado à garantia legal de 90 dias. É importante destacar que primeiro é contado o prazo da garantia legal (90 dias) para depois ser iniciado o prazo da garantia contratual (12 meses). Como resultado, o consumidor fará jus ao prazo total de garantia de 15 meses. 

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Advogado (OAB 51419/SC). Sócio de Bertoncini, Gouvêa & Tissot Advogados, onde atua nas áreas de Direito Civil, Direito Empresarial, Direito dos Contratos, Responsabilidade Civil e Direito do Consumidor. Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduado em...

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