Direitos de vizinhança são a parte do Direito Civil que prevê algumas limitações ao uso da propriedade, ou seja, alguns casos em que seu direito é limitado pelo direito de outros, especialmente de seus vizinhos, buscando reduzir os conflitos.
Vizinhos. Como não odiar, digo, amar?
Viver em sociedade é complicado, sabemos disso. Bons vizinhos são ótimos, mas a realidade é que existem muitos vizinhos complicados. Quando a relação entre vizinhos desanda, tudo vira motivo para briga.
A ideia dos direitos de vizinhança existe desde o Direito Romano, é já fez parte de vários sistemas legais anteriores, que inspiraram a criação das nossas leis. Afinal de contas, vizinhos brigam há milhares de anos, e certamente vão continuar brigando.
Por isso, há várias previsões na lei sobre onde o direito de um vizinho acaba e o do outro começa.
Continue a leitura que vamos falar mais sobre elas! 🙂
O que são os direitos de vizinhança?
Direitos de vizinhança são restrições ao direito de propriedade plena. Eles trazem a ideia de que, mesmo que seja dono de um imóvel, você não pode fazer tudo o que quer com aquele imóvel.
Os direitos de vizinhança falam sobre vários temas: desde frutos e galhos de árvores até o direito de construir e o direito de passagem no imóvel dos vizinhos, e estão previstos nos arts. 1277 a 1313 do Código Civil.
São direitos que acompanham o imóvel – propter rem, para os nossos leitores que amam um termo em latim.
Mas antes de começar a falar sobre esses direitos, vamos entender a importância dos direitos de vizinhança.
Qual a importância dos direitos de vizinhança?
Na época da faculdade, apresentei um trabalho sobre os direitos de vizinhança. Ainda jovem, com pouca experiência, pensei que não tinha necessidade de tantas coisas. Afinal, é só todo mundo sentar e conversar, certo?
Mais tarde, já advogado, enfrentei um processo que tinha como único pedido que um dos vizinhos não deixasse sua bicicleta no corredor do prédio comum. Era um prédio de dois andares, cada um com apenas um apartamento, e o vizinho de baixo prendia sua bicicleta no meio do corredor para atrapalhar a passagem do vizinho de cima.
Tenho até um vídeo no meu canal do YouTube, o Advocacia Simples, falando sobre essa experiência. Vale a pena entender até onde as pessoas podem chegar:
Não foi a única experiência complicada com vizinhos. Também já vi processos em que um vizinho prefere que seu imóvel caia do que realizar obras que podem favorecer o outro vizinho.
E digo literalmente: em uma casa de dois andares, o proprietário do andar de cima se recusava a fazer obras de estrutura que impediriam seu imóvel de cair, pois a proprietária de baixo “se aproveitaria” disso também.
Por isso é importante conhecermos as previsões dos direitos de vizinhança, sempre buscando exemplos de sua aplicação prática. Vamos começar, então?
Quais são os direitos de vizinhança?
Os direitos de vizinhança previstos no Código Civil são:
- O uso anormal da propriedade;
- As árvores limítrofes e seus frutos;
- O direito de passagem de vias, cabos e tubulações;
- Direito de passagem da água;
- Os limites entre prédios e o direito de tapagem (muros);
- O direito de construir.
Abaixo, você confere cada um deles em detalhes!
Uso anormal da propriedade
Usando aquele velho ditado de avó, “seu direito acaba quando começa o direito do outro”, conseguimos entender a principal ideia do que seria o uso anormal da propriedade, previsto nos arts. 1277 a 1281 do Código Civil.
O uso normal da propriedade é todo aquele que não gera incômodos ou danos ao vizinho. Assim, o uso anormal é aquele que afeta de alguma forma esses direitos, como define o art. 1277 do Código Civil:
Art. 1277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.
A regra não é a mesma para todos os locais, já que devem ser considerados todos os envolvidos. Um hospital com grande frequência de ambulâncias, por exemplo, não pode ser punido, assim como um aeroporto, desde que construído de acordo com a lei.
Árvores e frutos
O Código Civil traz algumas previsões sobre árvores que ficam na divisa entre dois imóveis, e também sobre seus frutos. Os textos são bem claros e acredito que não precisam de mais explicações:
Art. 1282. A árvore, cujo tronco estiver na linha divisória, presume-se pertencer em comum aos donos dos prédios confinantes.
Art. 1283. As raízes e os ramos de árvore, que ultrapassarem a estrema do prédio, poderão ser cortados, até o plano vertical divisório, pelo proprietário do terreno invadido.
Art. 1284. Os frutos caídos de árvore do terreno vizinho pertencem ao dono do solo onde caíram, se este for de propriedade particular.
A redação é bem direta e clara, e até hoje não vi questionamentos sobre esse tema.
Direito de passagem
O direito de passagem é um direito de vizinhança muito interessante, que está previsto no art. 1285 do Código Civil:
Art. 1285. O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário.
Com esse direito, o proprietário de um imóvel “preso”, ou seja, sem acesso a qualquer saída, pode obrigar um vizinho a lhe dar passagem.
É importante destacar que, como vem decidindo o STJ, não se exige que o acesso seja impossível, podendo ser apenas um acesso muito difícil ou de grande custo. A ideia da lei é, realmente, impedir que um imóvel fique cercado, dependendo da boa vontade dos vizinhos para ser utilizado.
Também existe direito de passagem para cabos e tubulações, previsto nos arts. 1286 e 1287 do Código Civil, que seguem a mesma lógica. Em todos os casos, é devida indenização ao proprietário do imóvel afetado pela passagem.
Passagem de águas
A água é essencial para a vida, e exatamente por isso o Código Civil fala muito sobre sua passagem entre os artigos 1288 e 1296. Lembre-se que estamos tratando só dos direitos de vizinhança: não são leis ambientais, de construção, ou nada do tipo.
Resumidamente, o fluxo natural da água deve ser tolerado pelo proprietário do imóvel que a recebe, mas qualquer alteração artificial deve ser indenizada. Ou seja, se a água cai naturalmente no seu imóvel, azar o seu. Se o seu vizinho mudou o curso da água, ele pode ter que alterar de volta ou indenizar.
Também é proibido fazer qualquer alteração com a intenção de prejudicar um dos vizinhos – é toda a lógica dos direitos de vizinhança que vimos até agora, certo?
Além disso, a lei fala sobre a possibilidade de canalização de água pelos imóveis vizinhos, havendo, inclusive, aplicação das previsões de passagem de cabos e tubulações para esta finalidade, sempre focando no uso essencial, seja à vida, seja a uma atividade econômica.
Como de costume, temos a lógica de que, se alguém foi prejudicado, é cabível pedir indenização e até mesmo exigir a demolição da obra, caso esteja dentro do prazo do art. 1.302 (um ano e um dia – vou abordar com mais detalhes no tópico de direito de construir).
Limites entre prédios
Todo proprietário tem o direito de delimitar o seu imóvel, tanto para deixar claros os limites da sua propriedade, como para evitar conflitos com os vizinhos, como prevê o art. 1297 do Código Civil:
Art. 1297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.
É mais um dos direitos de vizinhança que pode gerar grandes discussões, especialmente quando se presume que as divisas são de propriedade de todos os vizinhos (§1º), e que as despesas de manutenção devem ser repartidas.
No dia a dia, é muito comum vermos vizinhos se negando a dividir o custo da obra, ou mesmo se aproveitando dela para ir empurrando, aos poucos, a divisão para o lado do outro vizinho e aumentar o seu próprio imóvel.
Direito de construir ou reformar
Nenhum dos conflitos que falamos até agora se compara com os conflitos em construções, obras, reformas, e tudo que altere uma propriedade.
O Código Civil aborda esse tema com a visão dos direitos de vizinhança entre os artigos 1299 e 1313, mas esses direitos podem também ser limitados pelo Estatuto da Cidade, pelo Plano Diretor, e por outras leis municipais.
Apesar do que muitos acreditam, o direito de propriedade não é absoluto. Existem vários limites ao direito de construir na sua propriedade.
Por exemplo, o proprietário deve construir de uma forma que seu imóvel não despeje água no imóvel vizinho (art. 1300) e deve observar distâncias mínimas para abertura de janelas, de 1,5m de frente para o terreno do vizinho, e de 0,75m se a visão não for direta (art. 1301).
Há também previsão de distância mínima de 3m para construção em imóveis rurais, de possibilidade de construir junto à parede de outros imóveis em imóveis urbanos, entre diversas outras.
O ponto principal a se observar neste tópico é que seguimos a linha dos demais direitos de vizinhança: a ideia é evitar conflitos entre vizinhos, fazendo previsões mínimas de convivência de modo a reduzir o incômodo.
Como agir diante dos barulhos excessivos no direito de vizinhança?
O excesso de barulho por um dos vizinhos é um dos casos mais comuns de aplicação dos Direitos de Vizinhança.
É muito comum, por exemplo, bares gerem ruídos acima do permitido pela legislação local, se estendendo pela noite e incomodando a vizinhança. O mesmo pode ser dito para igrejas e outros templos religiosos.
Muitas pessoas acabam se sentindo impotentes, e acabam até mesmo por se mudar, ignorando que isso é uma violação aos direitos de vizinhança, um uso anormal da propriedade. Na maioria dos casos, viola também as leis do silêncio de cada município.
Nesses casos, é possível fazer uma notificação extrajudicial para o estabelecimento, dando prazo para que a situação seja corrigida. Caso não haja solução, a saída é ajuizar uma ação para que o barulho pare.
A obra do vizinho está me prejudicando, o que posso fazer pensando nos direitos de vizinhança?
Como tenho falado ao longo deste artigo, a obra de um vizinho não pode prejudicar a propriedade do outro. É muito comum, por exemplo, a construção de muros altos para fazer sombra em uma piscina, a construção de um telhado que derrama água sobre o quintal do vizinho, ou a violação ao espaço mínimo de abertura de uma janela.
Seja essa violação ou qualquer outra sobre direito de vizinhança, o vizinho pode e deve agir. Dependendo da urgência do caso, é possível até mesmo buscar uma liminar para interromper a violação.
Porém existe uma previsão importantíssima, que é o prazo decadencial para se exigir a demolição de alguma obra que venha a infringir alguma previsão do Código, conforme o art. 1302 do Código Civil:
Art. 1.302. O proprietário pode, no lapso de ano e dia após a conclusão da obra, exigir que se desfaça janela, sacada, terraço ou goteira sobre o seu prédio; escoado o prazo, não poderá, por sua vez, edificar sem atender ao disposto no artigo antecedente, nem impedir, ou dificultar, o escoamento das águas da goteira, com prejuízo para o prédio vizinho.
Parágrafo único. Em se tratando de vãos, ou aberturas para luz, seja qual for a quantidade, altura e disposição, o vizinho poderá, a todo tempo, levantar a sua edificação, ou contramuro, ainda que lhes vede a claridade.
Este prazo vale para as ações demolitórias, e se inicia a partir da conclusão da obra. Enquanto a obra estiver em curso, a ação cabível é a ação de nunciação de obra nova, que visa suspender a obra antes que ela termine. Com o fim do prazo, não há possibilidade de discussão sobre a obra realizada.
Temos grande atuação na parte de direitos de vizinhança relativa ao direito de construir.
É muito comum a propositura de ação de nunciação de obra nova e ação demolitória, mesmo em casos que não estão expressamente previstos no Código, em que se identifica que o objetivo da construção foi apenas a má-fé de um vizinho para prejudicar o outro.
Direitos de vizinhança envolvem animais de estimação?
Não há envolvimento direto entre os direitos de vizinhança e animais de estimação, pois eles cuidam de limites da utilização da propriedade entre vizinhos.
No entanto, em alguns pontos, esses direitos se tocam: em casos de excesso de barulho de animais, certamente podemos aplicar também os direitos de vizinhança.
O mesmo pode ser dito em caso de maus odores excessivos, que podem ser classificados como uma utilização anormal da propriedade e ser objeto de uma notificação extrajudicial e até mesmo de um processo, caso não haja solução.
Conclusão:
Como vimos, os direitos de vizinhança são muito amplos e envolvem várias possibilidades. O mais importante a ter sempre em mente é que nenhum direito é absoluto: sempre temos limites quando nosso direito começa a afetar o direito de outra pessoa.
Nos direitos de vizinhança, o convívio diário influencia muito na forma de condução. Vizinhos que têm uma boa convivência dificilmente terão problemas, enquanto vizinhos que já tem uma convivência difícil possivelmente não conseguirão se entender.
Nesse contexto, é importante que o advogado oriente bem todas as partes envolvidas, buscando chegar em um consenso. Ou, pelo menos, tentando evitar um conflito judicial que vai piorar ainda mais a relação de todos os envolvidos.
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Advogado (OAB 152142/RJ). Bacharel em Direito Universidade Cândido Mendes Centro - Rio de Janeiro. Pós graduado em Direito Imobiliário pela EBRADI. Possuo cursos em Empreendedorismo Jurídico com Rodrigo Padilha; Oratória e Influência do BBI of Chicago; Introdução ao Visual Law...
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Gostei de conteúdo preciso continuar estudar direito tráfico imobiliária e preciso mais formulário da disciplina
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Boas leituras! 🙂
Olá bom dia doutor, administro duas locações onde as vizinhas se desentenderam e quando se vem na calçada sempre se enfrentam e se ofendem. Uma delas insiste que a imobiliária tem a obrigação de resolver a questão e até despejar a vizinha do imóvel, mas como administrador dos aluguéis não vejo que este fato alheio a locação seja de responsabilidade nossa ou do dono, afinal acontece na rua, os imóveis não são em condomínio, vejo como algo de cunho pessoal que só pode ser resolvido através da justiça.
Concordo. Não há qualquer relação com o imóvel, são elas que precisam se resolver.
Olá, a inquilina do meu marido está construindo um segundo andar na casa. O vizinho está tentando embargar a obra porque diz que não é possível subir um segundo andar parede com parede, que ela precisaria de três metros de distância. E a arquiteta diz que isso se refere somente a prédios. Essa regra existe mesmo para casas?
Cada município tem uma regulamentação quanto a isso. É necessário verificar as normas municipais.
Moro aq a mais de 10 anos pra me chegar na minha casa tenho q passar pelo beco q hj e uma vila essa senhora não mora aq só inquilinos de agora ela q colocar um portão e não falou nada pra gente oq eu faço se ela não de a chave ou se ele portão quebra porq os inquilinos dela não tem cuidado lembra essa casa foi uma troca e meu finado marido trocou cm tio dele ele não me deu né um documento mais pago luz
Você pode exigir uma chave, sim.