O overbooking é a prática de empresas venderem mais passagens do que assentos disponíveis em voos, que pode acarretar no impedimento de passageiros que compraram suas passagens corretamente de realizarem suas viagens como planejado.
Imagine a seguinte situação: você planejou sua viagem de férias tão esperada, partindo de São Paulo com destino a Madrid. Chegado o dia, você chega no aeroporto com antecedência e quando está prestes a embarcar recebe a informação de que não poderá ingressar no avião porque está lotado. Seria um pesadelo, não?
Infelizmente isso é mais comum do que parece. O overbooking, como é chamado, é quando ocorrem mais vendas de passagens do que assentos disponíveis na aeronave correspondente.
Esse tipo de situação contraria dispositivos legais do Código de Defesa do Consumidor e pode trazer os mais variados prejuízos ao passageiro que comprou sua passagem corretamente e não pôde embarcar no avião como havia planejado.
Diante dos danos causados, as empresas podem ser responsabilizadas a indenizar os consumidores afetados.
Ficou interessado para entender melhor sobre o assunto? Continue a leitura! 😉
O que é a prática do overbooking?
O overbooking é caracterizado quando ocorre a venda de mais passagens do que assentos disponíveis em determinada aeronave, de modo que o passageiro pode ficar impossibilitado de embarcar no avião previamente contratado.
Tal prática comercial é regulada pela Agência Nacional de Aviação (ANAC) como “preterição de embarque”, que ocorre quando a companhia aérea deixa de transportar passageiro que se apresentou para embarque no voo originalmente contratado (segundo o artigo 22 da Resolução nº 400/2016).
Por que as empresas praticam o overbooking?
Muitas vezes a prática está ligada a um viés econômico e comercial de tentar minimizar eventuais prejuízos ocasionados por passageiros que cancelam seus bilhetes ou não comparecem para embarcar em determinado voo.
No entanto, ainda que possa se compreender, de certo ponto, a intenção nesse sentido das empresas, não quer dizer que o overbooking seja legal e possa ser praticado a qualquer custo, até porque contraria dispositivos legais que protegem os consumidores e pode gerar diversos prejuízos a estes, como se verá nos próximos tópicos.
Quais são as causas mais comuns de overbooking?
O overbooking pode acontecer em virtude das mais variadas circunstâncias. Porém, as causas mais comuns são as seguintes:
- Tentativa de previsibilidade de cancelamentos e ausências, com a consequente venda de mais passagens do que a quantidade de assentos da aeronave;
- Mudança de aeronave por qualquer questão técnica ou de logística, o que pode acarretar na mudança para uma aeronave de menor capacidade;
- Complicações em planejamento na reorganização de voos;
- Cancelamento ou atraso de voos com a reacomodação de passageiros em outras aeronaves.
A companhia aérea pode fazer overbooking?
A relação entre a companhia aérea e um passageiro é protegida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC – regulado pela Lei nº 8078/90), que prevê direitos básicos do consumidor, tais como, informação adequada e clara, proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, reparação de danos patrimoniais e morais, dentre outros (art. 6º).
A título de exemplo, o CDC dispõe que os serviços devem ser prestados pelos seus fornecedores de forma adequada e eficiente, respondendo os fornecedores de forma objetiva, independentemente de culpa, pelos danos causados na falha da prestação de seus serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas (artigo 14).
Ainda, também cita o CDC em seu artigo 39, inciso II, que é vedado ao fornecedor de serviços recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades.
Sendo assim, verifica-se que a prática do overbooking com o impedimento de embarque do passageiro viola diretamente os direitos do consumidor, ao passo que há uma falha na prestação de serviço das companhias que oferecem a passagem mas impedem o embarque dos passageiros que adquiriram seus bilhetes corretamente, gerando inúmeros e variados prejuízos aos consumidores.
Nesta linha, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado que o impedimento de embarque de passageiro em virtude de overbooking atinge não só os direitos do consumidor, mas também direitos fundamentais constitucionais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana (pelo constrangimento e frustração), de modo que as companhias aéreas respondem, independentemente de culpa, pela falha em seu serviço e danos causados.
Além disso, pela relação entre companhia e passageiro ser de consumo, a mera comprovação de impedimento no embarque já é suficiente para a presunção de falha na prestação de serviços, tendo a companhia aérea a responsabilidade de comprovar a razão pela qual ocorreu a preterição no embarque do passageiro.
O que acontece se der overbooking?
Muitas pessoas descobrem o overbooking por meio de algum tipo de comunicação feita pela empresa/companhia aérea antes do dia de embarque, no dia ou é descoberto na hora de embarcar.
O resultado disso é, em geral, a impossibilidade do consumidor/passageiro embarcar no avião, por não existirem mais lugares, ou seja, pelo fato de o avião se encontrar lotado.
Quais os direitos dos passageiros em caso de overbooking?
No caso de preterição no embarque ocasionada por overbooking, a ANAC prevê os direitos do passageiro afetado e as obrigações das companhias aéreas diante da situação, em sua Resolução nº 400/2016.
Resumidamente, o passageiro que sofrer preterição de embarque terá os direitos previstos pela ANAC em seu artigo 20 e seguintes e dentre eles estão:
- Assistência material, como por exemplo, hospedagem e alimentação, a depender do tempo de espera até a resolução da situação;
- Reacomodação: acomodação do passageiro em outro voo sem qualquer cobrança extra;
- Reembolso: restituição do valor pago pelo consumidor quando da compra pela passagem, incluindo as taxas;
- Execução do serviço de transporte aéreo de outra forma disponível, se possível for.
Os direitos acima não excluem a possibilidade de indenização do consumidor que sofrer danos, sejam eles materiais ou morais. Sabe-se que muitas viagens vão muito além da rotina, ou seja, compreendem eventos de trabalho ou pessoais importantes ou outras situações que podem acarretar graves prejuízos.
Não só isso, é notório que a prática de overbooking afeta diretamente os direitos do consumidor previstos e resguardados por lei, como já mencionado.
Assim, a análise de um advogado de confiança é de extrema importância a fim de verificar a viabilidade de buscar uma indenização em face da empresa/companhia aérea por meio de um processo judicial.
O overbooking gera taxa ou indenização?
A ocorrência de overbooking em tese não pode gerar nenhum tipo de taxa ou custo ao consumidor.
Por outro lado, pode gerar a condenação da empresa/companhia aérea ao pagamento de compensação/indenização por danos morais e/ou materiais ao consumidor/passageiro.
O que fazer quando há overbooking?
Caso você seja impedido de embarcar em uma aeronave mesmo tendo comprado corretamente o seu bilhete previamente, você poderá fazer o seguinte:
- Pedir um documento escrito da companhia aérea informando a negativa de embarque e as razões para o impedimento;
- Exigir seus direitos de assistência material, questionando a companhia aérea da possibilidade de reacomodação, reembolso ou execução do serviço de outra forma, verificando qual solução é a mais vantajosa ao seu caso;
- Registrar a situação como for possível, seja por escrito, fotos, vídeos, mensagens e guardar seus comprovantes e documentos relacionados à viagem;
- Buscar orientação jurídica com um advogado especialista para avaliar a possibilidade de um processo judicial de indenização.
Como provar o overbooking?
Os meios de prova são inúmeros e, dentre eles, podemos citar os seguintes:
- Declaração da companhia aérea por escrito informando a negativa de embarque e as razões que levaram ao impedimento;
- Mídias, como fotos e vídeos;
- Todos os documentos relacionados à compra da passagem, desde o próprio cartão de embarque, até e-mails de confirmação, mensagens e comunicações da empresa.
Jurisprudência de overbooking:
Chegou a hora de vermos na prática a ocorrência de overbooking e os resultados disso na esfera judicial, em ações de indenização movidas por consumidores.
Inicialmente, vejamos um caso, decidido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em que o passageiro sofreu o impedimento de embarque e foi realocado em outro voo, porém o atraso até o destino final foi de 26 (vinte e seis) horas, gerando então a responsabilidade da companhia aérea e a condenação ao pagamento de danos morais:
APELAÇÃO. Ação de indenização por danos morais. Demanda proposta por consumidor contra companhia aérea em razão da ocorrência de “overbooking”. Sentença de procedência, para condenar a companhia aérea ré a pagar a quantia de R$ 10 .000,00 a título de dano moral, com os encargos legais. Apelo da ré. Sem razão. Impedimento de embarque no voo por overbooking . Responsabilidade da companhia aérea. Ao celebrar contrato de transporte aéreo, a fornecedora de serviço se responsabiliza pelo transporte dos passageiros e respectivas bagagens, assumindo os riscos inerentes à sua atividade. Atraso de 26 horas até o destino final, sendo realocada em outro voo em virtude de ocorrência de overbooking. Não se pode perder de vista que, além do viés compensatório, a indenização por dano moral também tem por escopo reprimir e prevenir atitudes abusivas, especialmente contra consumidores, com o intuito de inibir novas e outras possíveis falhas na prestação do serviço . Arbitramento do quantum indenizatório na quantia de R$ 10.000,00 que aqui não se mostra exagerado, devendo ser mantido. Condenação da demandante, ainda, a arcar com os ônus decorrentes da sucumbência. Sentença mantida na íntegra . Recurso não provido.
(TJ-SP – Apelação Cível: 1015672-89.2022.8 .26.0477 Praia Grande, Relator.: Roberto Maia, Data de Julgamento: 23/01/2024, 20ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/01/2024) o grifado não consta no original
Agora, um caso de uma passageira, julgado pelo Tribunal de Justiça de Alagoas, que tinha chego no aeroporto com 120 minutos de antecedência para a sua viagem aérea, o que também gerou a condenação da companhia aérea:
RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO À DIALETICIDADE RECURSAL. TESE REJEITADA . TRANSPORTE AÉREO. PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM RAZÃO DA PRÁTICA DE OVERBOOKING. CONSUMIDORA CHEGOU AO AEROPORTO COM ANTECEDÊNCIA SUPERIOR A 120 (CENTO E VINTE) MINUTOS DO HORÁRIO DE PARTIDA DO VOO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS . 21, 22, 26 E 27, TODOS DA RESOLUÇÃO ANAC Nº 400/2016 E ART. 741 DO CÓDIGO CIVIL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. INCIDÊNCIA DO ART . 251-A DA LEI N.º 7.565/86 ( CÓDIGO BRASILEIRO DE AERONÁUTICA). EFETIVO PREJUÍZO DEMONSTRADO . VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJ-AL – Recurso Inominado Cível: 07014808320238020082 Maceió, Relator.: Juiz 2 Turma Recursal Unificada, Data de Julgamento: 14/11/2024, Turma Recursal Unificada, Data de Publicação: 14/11/2024) o grifado não consta no original
Por fim, trazemos um terceiro caso, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em que os passageiros chegaram no país de origem somente no dia seguinte, sendo compelidos a adquirir novas passagens aéreas para retorno. Neste caso, a companhia aérea também foi condenada:
RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. PRELIMINAR DE INOVAÇÃO RECURSAL AFASTADA . MÉRITO. AUTORES QUE ADQUIRIRAM PASSAGENS AÉREAS PARA O TRAJETO DE LISBOA/PORTUGAL PARA PORTO ALEGRE/RS. NEGATIVA DE EMBARQUE. NO-SHOW DOS AUTORES NÃO DEMONSTRADO MINIMAMENTE PELA RÉ . PRÁTICA DE OVERBOOKING. AUTORES QUE FORAM COMPELIDOS A ADQUIRIR NOVAS PASSAGENS AÉREAS PARA RETORNO AO PAÍS DE ORIGEM. CHEGADA AO DESTINO FINAL SOMENTE NO DIA SEGUINTE. DANO MORAL CONFIGURADO . QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO MERECE REDUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA, A TEOR DO ART. 46, DA LEI 9.099/95 .RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS – Recurso Inominado: 50714946920238210001 PORTO ALEGRE, Relator.: Patrícia Antunes Laydner, Data de Julgamento: 18/06/2024, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: 19/06/2024) o grifado não consta no original
Nos julgamentos acima transcritos é possível observar como a situação do overbooking foi julgada diante dos danos sofridos pelos passageiros frente à prática realizada pelas companhias aéreas.
Conclusão:
Como visto ao longo do presente artigo, a prática do overbooking, realizada pelas companhias aéreas, traz prejuízos aos passageiros que são impedidos de embarcar em uma aeronave, mesmo tendo adquirido corretamente suas passagens.
Além disso, o overbooking atinge diretamente os direitos dos consumidores defendidos pelo Código de Defesa do Consumidor, haja vista que ao consumidor deve ser prestado um serviço adequado, de qualidade e com informações claras e precisas. Isso quer dizer que o relacionamento entre consumidor e fornecedor deve ser transparente e de boa-fé.
Neste sentido, existem direitos dos passageiros previstos pela ANAC que devem ser observados e, ainda, isso não impede eventual indenização ao consumidor por danos morais e/ou materiais a ser obtida por meio de processo judicial.
O acompanhamento e aconselhamento jurídico por um advogado especialista na área é de grande relevância para orientar o passageiro que sofrer com uma situação de overbooking sobre o que fazer, como agir e a viabilidade na cobrança de indenização na via judicial.
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Advogada (OAB/PR nº 106.750). Sócia-fundadora do escritório Vieiro & Horning Advogados que atua em todo o país. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR....
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