A ação penal pública incondicionada é quando o Ministério Público é o responsável por acusar alguém. Nesses casos, a investigação e o início do processo acontecem mesmo sem que a vítima ou outra autoridade peça. Ou seja, o Ministério Público age por conta própria, sem depender da vontade de ninguém.
O processo penal tem muitas particularidades que o distinguem muito de outras demandas judiciais. Provavelmente sua característica mais marcante seja a de que, em regra, há forte interesse público sobre as ações penais.
Aqui, quando dizemos interesse público, queremos dizer não apenas o interesse do Estado, como responsável direto pela segurança pública, mas também o interesse “do público”, dos cidadãos como indivíduos.
Isso ocorre porque o crime, por sua natureza, salvo raríssimas exceções, corresponde não apenas a uma ofensa à vítima, mas a toda a sociedade e, talvez, ao próprio conceito que cada um tem sobre a vida em comunidade.
Por isso é comum vermos o engajamento do povo ao acompanhar programas televisivos de notícias policiais.
As notícias sobre crimes com vítimas específicas (como assaltos ou sequestros), mesmo sendo de fatos que ocorreram em alguma cidade distante, desperta uma insatisfação e revolta interna como se estivesse acontecendo com algum conhecido.
Nem todo crime gera essa reação, e nem toda ação penal poderá ser movida exclusivamente com base no interesse do povo, mas são essas as mais comuns, como poderemos ver.
Além disso, neste artigo, veremos as diferenças entre cada tipo de ação penal, e quais as principais características da ação penal pública incondicionada.
Continue a leitura! 😉
O que é ação penal pública?
A ação penal pode ter duas naturezas: pública ou privada. Essa classificação diz respeito a quem tem a titularidade para movê-la, e, como estabelece o Código de Processo Penal, cabe exclusivamente ao Ministério Público promover a ação penal pública (art. 257).
A regra geral é que a ação penal seja pública (art. 100, CP), e poderá ser condicionada ou incondicionada (art. 24, CPP).
Se não há previsão legal de condição para o oferecimento da denúncia de determinado crime, então a ação será incondicionada.
As ações penais públicas classificadas como condicionadas são aquelas que o Ministério Público, mesmo sendo o único autorizado a promovê-la, só poderá fazê-lo se houver pedido (representação) do ofendido ou do Ministro da Justiça, conforme o caso.
O que é ação penal pública incondicionada?
É chamada de incondicionada a ação penal que o Ministério Público pode oferecer denúncia independente de pedido ou autorização, seja do ofendido ou de qualquer outra autoridade.
É cabível na maioria dos crimes, se tratando da regra geral. Assim, se não há previsão legal determinando que ação penal seja privada ou pública condicionada, o crime será processado por ação pública incondicionada.
Marcão (2024, p. 107) explica que as ações penais são públicas incondicionadas nos casos em que prevalece o interesse público.
Ou seja, independentemente de qual a vontade e opinião do ofendido, o Estado e o povo têm profundo interesse no caso, por se tratar de prática excessivamente reprovável do ponto de vista da segurança pública e da moral.
Qual o prazo da ação penal pública incondicionada?
Dúvida comum é sobre o prazo para que o Ministério Público ofereça denúncia, dando início à ação penal.
O Código de Processo Penal apresenta dois prazos:
- 5 dias no caso de réu preso;
- 15 dias quando o réu está solto (art. 46).
Quando há investigação policial, o prazo é contado do recebimento dos autos do inquérito pelo Ministério Público. O mesmo artigo, em seu §1º, prevê que, se o Ministério Público dispensar a investigação policial, o prazo será contado do recebimento das informações ou representação.
Embora sejam prazos previstos em lei, são impróprios (AgRg no HC n. 763.203/CE, DJe de 4/10/2022). Ou seja, seu descumprimento não acarreta prejuízos para o órgão acusatório.
Excepcionalmente, no caso de réu preso, poderá haver a concessão de alvará de soltura caso haja demora no oferecimento da denúncia, mas, mesmo nesses casos, os tribunais entendem que um exame de razoabilidade e proporcionalidade deve sobrepor o prazo previsto em lei, sendo comum que o atraso não gere consequências que não a possibilidade de o ofendido (ou um representante) oferecer queixa-crime.
Existem, ainda, prazos excepcionais previstos na legislação esparsa (fora do Código Penal), a depender do crime, mas não há grandes diferenças e, ademais, são igualmente impróprios.
Jurisprudência sobre prazo da ação penal pública incondicionada
No STJ, assim está a jurisprudência sobre o tema:
[…] 5. Apesar do oferecimento da denúncia ter ocorrido quase trinta dias após a prisão em flagrante do recorrente, entendo que não se trata de tempo que extrapole o limite do razoável, considerando o entendimento desta Corte no sentido de que “os prazos processuais não têm as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais” (RHC 69.556/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 17/06/2016). […] 9. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. (RHC n. 54.642/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/10/2016, DJe de 19/10/2016.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. […] AUSÊNCIA DE INÉRCIA OU DESÍDIA DO PARQUET. INAPLICABILIDADE DOS ARTS. 29 DO CPP E 100, § 3o., DO CP. INVIABILIDADE DE DEFLAGRAÇÃO DA QUEIXA-CRIME SUBSIDIÁRIA. […] 4. Constatação de que os fatos alegados pelo Querelante estão sendo apurados pelo titular da Ação Penal com a prudência e a cautela que se esperam de sua atuação, o que torna ilegítimo e improcedível o ajuizamento da queixa-crime substitutiva, nos exatos termos do art. 29 do Código de Processo Penal. […] (AgRg na APn n. 826/DF, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, julgado em 5/9/2018, DJe de 19/9/2018.)
PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. PACIENTE FORAGIDO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Não faz sentido discutir a respeito de excesso de prazo, pois quando o paciente se encontra foragido, o entendimento da jurisprudência desta Corte Superior é de que a suposta demora no oferecimento da denúncia, nos termos do art. 46 do Código de Processo Penal, quando muito, abre prazo para o oferecimento de ação penal privada subsidiária da pública. 2. Ordem denegada. (HC n. 419.795/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 8/5/2018, DJe de 21/5/2018.)
Quando cabe ação penal privada subsidiária da pública?
Uma figura rara de se ver é a da ação privada subsidiária da pública. É exceção à titularidade do Ministério Público para promover a ação penal.
O Código de Processo Penal estabelece que, caso o Ministério Público deixe de oferecer a denúncia em prazo razoável, a ação penal poderá ser ajuizada pelo ofendido ou por seu representante (art. 29 e 30, CPP).
Mesmo nesses casos, o Ministério Público poderá, a qualquer momento:
aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir […], fornecer elementos de prova, interpor recurso e, […] no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal” (art. 29, CPP).
O STJ entende que não há inércia por parte do Ministério Público quando o órgão, no lugar de oferecer denúncia, pede o arquivamento do Inquérito.
Da mesma forma, não se considera inércia quando o Ministério Público posterga o oferecimento de denúncia por entender ser necessário maior aprofundamento da investigação:
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. […] VIABILIDADE DA QUEIXA-CRIME SUBSIDIÁRIA. INÉRCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONFIGURADA. […] 2. Comprovada, no caso, a inércia do Parquet, mostra-se legítimo o ajuizamento da queixa-crime substitutiva na APn n.º 754/DF, nos exatos termos do art. 29 do Código de Processo Penal. […] (APn n. 752/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 17/8/2016, DJe de 12/9/2016.)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AÇÃO PENAL PÚBLICA. ARQUIVAMENTO DETERMINADO A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO PENAL PRIVADA SUBSIDIÁRIA DA PÚBLICA. DESCABIMENTO. […] 1. A ação penal privada subsidiária da pública somente é cabível nos casos em que ficar caracterizada a inércia do Ministério Público, por não oferecer denúncia no prazo legal, não sendo cabível nas hipóteses de arquivamento de inquérito policial formulado por esse órgão e acolhido pelo juiz. (AgRg no REsp n. 1.477.394/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 19/11/2015, DJe de 9/12/2015.)
Qual a diferença entre ação penal pública condicionada e incondicionada?
A principal diferença está no momento e na forma como a ação penal pode ser iniciada pelo Ministério Público.
Na ação penal pública condicionada, o Ministério Público só pode agir se a vítima fizer um pedido formal, chamado de representação. Ou seja, a vontade da vítima é necessária para que o processo comece, e isso acontece em crimes como ameaça.
Já na ação penal pública incondicionada, o Ministério Público pode iniciar a investigação e o processo sem precisar da autorização ou pedido da vítima ou de qualquer outra autoridade. Isso ocorre na maioria dos crimes, onde o interesse é da sociedade em geral e não depende da vontade do ofendido.
Existem ainda casos especiais em que, em vez da vítima, a ação depende da autorização do Ministro da Justiça, como nos crimes contra a honra cometidos contra o Presidente da República ou chefes de governo estrangeiros.
O que é crime de ação penal pública incondicionada?
Os crimes de ação penal pública incondicionada são todos aqueles que a lei não classifica como crime de ação penal privada e que também não estabelece nenhuma condição para que o Ministério Público ofereça denúncia.
Ação penal pública incondicionada: exemplos dos crimes
São diversos os crimes de ação penal pública incondicionada. Apenas para exemplificar, vamos analisar os crimes com mais ações ajuizadas, conforme informações do CNJ (2020, p. 16):
Gráfico adaptado – edição de cores para diferenciar os tipos de ação penal conforme os crimes.
Mesmo entre os crimes não identificados como de ação penal pública incondicionada, devemos considerar que a maior parte dos crimes de trânsito e grande parte dos estelionatos, a depender da vítima, são de ação pública incondicionada.
Quais são as quatro condições da ação penal?
Marcão (2024, p. 168) e Nucci (2024, p. 852) apresentam as seguintes condições da ação, às quais dividem em genéricas e específicas:
Condições genéricas
- Possibilidade jurídica do pedido: verifica-se se o fato descrito na denúncia ou queixa configura crime;
- Interesse de agir: verifica-se se há necessidade, se o rito escolhido é correto, se não há impeditivo para a ação penal (p.ex. quando o réu era criança ou adolescente à época do fato);
- Legitimidade: deverá ser promovida pelo Ministério Público, se ação penal pública, ou pelo ofendido ou representante, se ação penal privada.
Condições específicas
As condições específicas só são exigidas quando o processo é por crime que a lei exige alguma condição para seu processamento, como a representação (art. 24, CPP), a requisição pelo Ministro da Justiça (art. 24, CPP), a queixa (art. 30, CPP).
Lopes Jr. (2024, p. 168), crítico das heranças da hermenêutica processual civil no processo penal, defende como condições da ação penal:
- Prática de fato aparentemente criminoso – fumus commissi delicti: verifica-se se o fato é aparentemente criminoso e se não há prova manifesta de excludente de ilicitude;
- Punibilidade concreta: verifica-se se não há causa de exclusão da punibilidade (prescrição, decadência ou renúncia);
- legitimidade de parte;
- Justa causa: “relacionada, assim, com dois fatores: existência de indícios razoáveis de autoria e materialidade de um lado e, de outro, com o controle processual do caráter fragmentário da intervenção penal”;
- Condições específicas ou especiais.
Quais os princípios aplicados à ação penal pública incondicionada?
Segundo Marcão, a ação penal pública incondicionada tem 6 princípios (Marcão, 2024, p. 109):
Oficialidade
A persecução penal é responsabilidade do Estado, portanto a investigação, a acusação, o processamento e o julgamento devem ocorrer em órgãos oficiais.
Oficiosidade
Os órgãos incumbidos da persecução agem de ofício.
Obrigatoriedade
Se o Ministério Público está diante de fato considerado crime, o oferecimento da denúncia não é opcional.
Indisponibilidade ou indesistibilidade
O Ministério Público não pode desistir da ação nem de recurso interposto;
Indivisibilidade
Se há mais de um agente envolvido no fato criminoso, o Ministério Público não pode escolher algum ou alguns deles, sendo seu dever ajuizar a denúncia contra todos os envolvidos.
Intranscendência
Assim como nenhum envolvido poderá ser deixado de fora pelo Ministério Público, a acusação não poderá incluir entre os acusados quem não for autor, coautor ou partícipe.
Conclusão:
Vimos que as ações penais públicas incondicionadas são a regra geral para o processamento de crimes, e que são de titularidade exclusiva do Ministério Público.
A denúncia nos crimes de ação penal pública incondicionada é um poder-dever do Ministério Público, que não poderá deixar de promover a ação quando verificadas as suas condições.
É claro que há mais informações sobre as ações penais públicas incondicionadas, mas acreditamos que conseguimos trazer neste artigo noções suficientes para introdução ao tema.
Existem mais detalhes sobre as ações penais públicas incondicionadas que você gostaria de saber? Se sim, nos conte nos comentários, e assim poderemos trazer mais informações relevantes!
Conheça as referências deste artigo
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 19. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.107. ISBN 9786555598872.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no HC n. 763.203/CE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 4/10/2022.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Dados Estatísticos de Estrutura e Localização das Unidades Judiciárias com Competência Criminal. CNJ, 2020.
NUCCI, Guilherme de S. Código de Processo Penal Comentado – 23ª Edição 2024. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2024. E-book. p.852. ISBN 9788530994303.
LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal – 10ª Edição 2024. 10. ed. Rio de Janeiro: Saraiva Jur, 2024. E-book. p.168. ISBN 9788553620494.
Advogado (OAB 75.386/PR e 22.455A/MS), sócio do Alencar & Pressuto em Campo Grande-MS. Bacharel em Direito e especialista em Ciências Criminais pela PUC/PR. Possui larga experiência em procedimentos de inclusão em penitenciárias federais. Hoje atua exclusivamente na assessoria empresas, urbanas...
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